Ordem nos media
Entrevista presidente CTOC - «Se todos pagarem o que devem, todos poderemos pagar um pouco menos»
27 August 2004
Entrevista a Domingues de Azevedo, presidente da CTOC


OPINIÃO PÚBLICA (OP): Quais são os objectivos gerais da CTOC? DOMINGUES AZEVEDO (DA): «A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, para além das funções naturais de regulação profissional, agregando os interesses, anseios e expectativas dos seus membros, persegue pela sua própria natureza e pelas características da profissão que regula, uma função de interesse público. Idêntica às instituições congéneres, persegue um papel de defesa daquele interesse público, pugnando pela implementação de uma maior verdade, transparência e fiabilidade na execução das contabilidades, pelas quais os seus membros são responsáveis». OP: A nível da reforma fiscal, qual a importância do trabalho dos Toc? DA: «Um técnico oficial de contas tem como missão, dentro dos limites do possível, garantir que os resultados apurados nas contabilidades pelas quais é responsável, correspondem à verdade. Ou seja, que espelham fielmente a variação patrimonial dos sujeitos passivos de imposto e que todos os passos realizados na determinação da sua capacidade contributiva se encontram executados dentro das normas para o efeito aplicáveis, quer estas tenham natureza legal ou deontológica. Com esta missão, naturalmente que se revela importante conhecermos a concepção em que assentam os mecanismos de tributação, as distorções que eles pela prática ou concepção podem gerar, distorcendo por essa via um sistema fiscal que se quer justo e equitativo. Isto é, que cada um pague os impostos que deve pagar e que não andem uns poucos a pagarem por todos». OP: Na procura de um sistema fiscal mais justo, o que é que tem sido feito pela organização a que preside? DA: «A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas tem vindo a desenvolver diversas iniciativas no sentido de tentar sensibilizar o poder político, único que tem legitimidade para produzir as alterações necessárias a uma mudança da situação, com o objectivo de se implementar o que pensamos ser justo no domínio da contabilidade e da fiscalidade. Aliás na perspectiva de prosseguir o interesse público, o concurso que estes profissionais têm dado na implementação das reformas fiscais e actualmente com a desmaterialização das declarações fiscais é por demais evidente, só não vendo a sua importância quem se encontrar ferido de cegueira, seja ela física ou psíquica». OP: Atendendo ao seu trabalho fiscal, os Toc, na sua remuneração, deveriam beneficiar de uma comparticipação do Estado? DA: «O esforço que o Estado, entendido este como a entidade gestora do interesse público, desenvolve na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, como acontece com a justiça, em nada violentaria qualquer mente minimamente esclarecida que ele suportasse um mínimo de custos inerentes à execução dos deveres desses mesmos cidadãos, para com a sociedade em que se inserem. Até hoje, por razões da nossa história, temos tido uma visão social distorcida do cumprimento daqueles deveres, visionando-os apenas numa óptica de economicidade, sem que para o seu cumprimento se assegure um sistema de sensibilização e defesa dos cidadãos perante, por vezes, uma saciedade desmedida da necessidade de receitas públicas. Infelizmente em Portugal, não se tem cultivado um pensamento da existência de uma política fiscal, mas sim a existência de uma fiscalidade para a política. Não tem sido preocupação de quem governa encontrar a dimensão da comparticipação dos cidadãos na despesa da sociedade em que se inserem, mas antes pelo contrário, prometer coisas e depois exigir do sistema fiscal que encontre os meios necessários para a execução dessas mesmas coisas». OP: Ao comparticipar na remuneração dos vencimentos, o Estado ganharia com isso? E a população? DA: «Sendo o sistema fiscal por excelência e, em última análise, o único meio de financiamento da sociedade, se o Estado comporta os custos, por exemplo, com a defesa oficiosa dos cidadãos perante a execução da justiça, ou mesmo quando assegura o funcionamento do sistema nacional de saúde, não vejo nenhuma contradição em que esse mesmo Estado comparticipasse nos mecanismos que procuram a determinação da capacidade contributiva dos cidadãos e empresas. Com a implementação de um sistema em que os custos fossem repartidos, existiria, possivelmente, um maior respeito dos profissionais ao interesse público que está associado à profissão. Julgo que com um sistema devidamente estudado e implementado, cujo funcionamento se pautasse pela isenção e fidelidade à verdade, todos teriam a ganhar com o seu funcionamento». OP: Para o cidadão, o pagamento de imposto é sempre olhado com carga negativa e não como um dever social... DA: «Alguém dizia que existem duas realidades às quais ninguém consegue furtar-se. Uma delas é a morte, porque tudo o que nasce morre e outra é a certeza de que quem vive tem que pagar impostos. O imposto, porque representa sempre uma parte do nosso empobrecimento, isto é, sempre que pagamos um imposto, independentemente da sua forma, estamos a diminuir a nossa capacidade financeira e consequentemente a capacidade de viver melhor ou realizar os sonhos que cada um tem na vida. O imposto terá sempre para o cidadão, ou para quem o paga uma carga negativa, que é necessário contrabalançar com os benefícios que o cidadão recebe por viver numa sociedade organizada, propiciando-lhe por essa via condições e qualidade de vida que ele nunca conseguiria se vivesse isolado». OP: O sistema de impostos é muito complexo e a maior parte dos cidadãos não conhece o seu funcionamento. Não seria melhor simplificar o sistema fiscal tendo apenas um imposto? DA: «A questão coloca-se nas formas de determinação dos quantitativos com que cada cidadão deve comparticipar nas despesas dessa sociedade organizada em que se insere e, os mecanismos de determinação desse quantitativo, porque complexa que é situação de cada cidadão, não estão ao alcance de qualquer um e só pessoas com uma sensibilidade e preparação suficiente para o efeito, são capazes de manusear esses mecanismos. Ora a sua simplificação corresponderia a universalizar aquele quantitativo, facto a que corresponderia uma despersonalização da realidade concreta do devedor do imposto, o que constituiria um retorno do conceito de tributação. Cada cidadão, pela sua realidade concreta, o meio em que se insere, a dimensão da sua própria família, perante a qual assume as responsabilidades, as condições que reúne para angariação de rendimentos são elementos imprescindíveis para a implementação de um mínimo de justiça fiscal. A simplificação universalizada do processo de tributação, porque desfasada da realidade concreta a que se pretende aplicar, conduziria inexoravelmente à criação de injustiças que foram afastados do nosso ordenamento jurídico com a reforma fiscal de 1989. Sinceramente, em meu entender a reforma fiscal de 1989, não obstante alguns excessos que posteriormente se verificaram, tem todos os ingredientes de uma maior transparência e equidade fiscal». OP: Quem paga mais impostos é a classe média porque não pode fugir ao sistema. Na sua óptica, o que deve ser feito para alterar essa situação? DA: «Acho que foi feito um esforço sério com e reforma de 1989, no sentido de tornar o sistema fiscal mais justo e transparente. Infelizmente, nem todos os contribuintes souberam compreender a nova realidade emergente daquela reforma e hoje assiste-se a alguns abusos inerentes ao acto declarativo, facto que propicia a tentativa de repor a verdade dos factos, também com alguns abusos, pelo que é importante que contribuintes e Administração Fiscal se compenetrem dessa realidade e numa política de verdade, cada um pague o que deve pagar de impostos, porque de certeza que se todos pagarem o que devem, não tenho quaisquer dúvidas, que todos poderemos pagar um pouco menos do que aquilo que hoje pagamos».