Ordem nos media
«É preciso convencer os incumpridores de que o crime não compensa»
20 August 2004
Entrevista ao Presidente da Direcção da CTOC, realizada pelo jornal O Independente
O acordo com a Polícia Judiciária para o combate à fraude e evasão fiscais já foi assinado? Ainda não, fomos contactados pela PJ para fazermos uma colaboração que permitisse detectar situações que indiciassem criminalidade económica ou fiscal. Este trabalho, tendo em conta as suas características, exige uma maior preparação dos profissionais. Sugerimos a criação de bolsas de peritos fiscais a nível distrital e as suas condições de integração. Por exemplo, os técnicos deveriam ter, no mínimo, cinco anos de profissão e não podiam ter determinados tipos de penalização. A que se deve esse atraso? Ao pagamento. Parece que são os honorários pedidos que estão a travar o processo com a PJ. Indicámos duas formas de pagamento e que variavam consoante o horário de trabalho, superior ou inferior a 10 horas. Para o primeiro caso, o valor seria de 50 euros à hora, nos outros rondaria os 45 euros à hora. Tentámos entrar em contacto por diversas vezes com a Polícia Judiciária e foram-nos mencionadas dificuldades de natureza financeira. É então a falta de orçamento da PJ que está a impedir esta parceria? Sim, mas os profissionais não podem prestar uma actividades destas, que consome muito tempo e que obriga a deslocações frequentes, a preço zero. Até penso que fomos comedidos, pois um profissional altamente qualificado a trabalhar por menos de 50 euros à hora não pode ser considerado um preço exorbitante. Está disposto a negociar o preço? Os valores não são inalteráveis. O protocolo não deveria ter entrado já em vigor? Entregámos o protocolo em Março e estava previsto entrar em vigor entre Junho e Julho. Como ficam as fiscalizações às contas dos clubes de futebol? Enquanto não for assinado o protocolo fica tudo parado. Este impasse acaba por prejudicar o combate à fraude e a evasão fiscais que tem vindo a ser defendido pelo Governo? Evidentemente, neste momento o sistema está um pouco manco. As questões de fiscalidade e da contabilidade, pela sua elevada tecnicidade, exigem conhecimentos específicos e há certos aspectos que podem ser camuflados na própria contabilidade. É aqui que os técnicos têm um papel importante. O protocolo não vem, por si só, combater a fraude e evasão fiscais, mas este impasse deixa em aberto algumas deficiências no sistema. O Governo está, deste modo a favorecer a evasão fiscal? De certa forma, sim, mas temos de ter uma visão vertical e mais globalizante das situações que dão corpo à fraude e evasão fiscais. Não se pode pensar que o combate se faz apenas com a intervenção da polícia e com os meios de investigação. É preciso criar métodos de actuação de presença no terreno, como elementos dissuasores, o combate não pode ser associado apenas a megaprojectos. É preciso convencer os contribuintes incumpridores de que o crime não compensa e que mais dia, menos dia serão detectados. Também é preciso envolver os funcionários da administração fiscal no acompanhamento do contribuinte, de aparecerem em sua casa e, se for caso disso, de o tentarem trazer para dentro do sistema de tributação. Passará por um aumento da sensibilização? Claro, enquanto não fizermos esse trabalho teremos sempre dificuldades acrescidas. Os contribuintes, terão de ter a consciência de que a fuga ao imposto não compensa ¿ e se há duas certezas que tenho é que quem nasce morre e que quem vive paga impostos. Mas isso também irá implicar um aumento da fiscalização? Naturalmente, mas aí seria necessário redimensionar o pessoal das Finanças. Com a desmaterialização das declarações fiscais, libertamos mão-de-obra que facilmente poderá ser utilizada na fiscalização. E fazer o cruzamento de dados.... Sim, tenho pena que só agora se tenha começado a falar disso. A falta de cumprimento por parte de empresas e de contribuintes é nefasta para todos. As empresas competem no mercado com valores abaixo do preço real e acabam por fazer concorrência desleal àqueles que cumprem com as suas obrigações. Pagar à Segurança Social não é fácil, quem não paga ganha competitividade em termos de preço. Ficar com 23,75 por cento representa muito dinheiro em termos concorrenciais, e se também não pagar a parte dos trabalhadores então fica com um total de 34,75 por cento. O problema é que a nossa Segurança Social é muito tardia a funcionar. Há quem deva há dois, três, quatro e cinco anos à Segurança Social e ninguém se preocupa. O que é que pode ser feito? Deve-se analisar se a empresa tem ou não rendibilidade, perceber por é que as coisas estão como estão, detectar se foi um acidente de percurso ou simplesmente porque a empresa está a trabalhar mal. Se não há condições sérias e se sobrevivem à custa de não cumprirem as suas obrigações fiscais, então fecha-se a empresa e apoia-se as firmas que querem realmente trabalhar. Se as coisas continuarem tal como estão, daqui a pouco a excepção é aqueles que cumprem, pois os que não cumprem passam a ser a maioria. Portugal já tem condições para fazer esse cruzamento de informações? Sim, há uma inspecção de finanças que vê as declarações fiscais das empresas, e no caso de algum incumprimento deverá emitir uma nota à Segurança Social. Se queremos um país a sério não podemos brincar ao faz-de-conta ¿ e se as empresas estão a actuar ilegalmente, então fecham-se. Que balanço faz das reuniões com o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Vasco Valdez? Fico frustrado com o mandato dele e com o seu relacionamento com a CTOC. Vasco Valdez nunca cumpriu as promessas que fez e saiu, em 2004, com dois anos de promessas incumpridas. O período em que passou pelo Governo não deixa qualquer tipo de saudades nem de recordações positivas. Provavelmente, Vasco Valdez não achava digno tratar dos assuntos dos técnicos oficiais de contas. O que espera do novo Executivo? Um melhor relacionamento. Estou confiante que a formação do próprio ministro Bagão Félix na área da gestão e da economia e o seu currículo profissional irão facilitar o diálogo. Também espero que seja agora executado aquilo que não foi feito. Quais as medidas prioritárias? Para já, alterar o actual modelo de normalização contabilística, que está ultrapassado. O Estado tem actualmente um direito de intervenção que não faz muito sentido. A normalização contabilística deverá ser resultado de uma trabalho de colaboração entre a CTOC e a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, porque são esses que conhecem, de facto, a contabilidade e a que trabalham com ela diariamente. O governo deverá ter, naturalmente, mecanismos para avaliar se essas normas irão ou não contra os interesses do Estado. É viável reduzir os impostos? Mais importante do que reduzir os impostos é pensar no que o cidadão recebe em contrapartida. Em Espanha, em França, na Dinamarca, e na Irlanda reparamos que a terceira idade tem apoios extraordinários, em que a Saúde e a Justiça funcionam para todos. Se aquilo que os contribuintes pagam é convertido em serviços e em bem-estar, então não deveremos reduzir os impostos. Mas se é para continuar tal como está, então deveremos reduzir imediatamente os impostos. Mas uma redução nos impostos implicaria uma perda de receita para os cofres do Estado? Sim, mas é necessário ter coragem para mexer nas coisas. O que pensa do «congelamento» do choque fiscal? Nunca entendi o que é o «choque fiscal», é muito bonito arranjar-se uma série de chavões que dão nas vistas mas quando se começa a espremer não dão em nada. É uma maneira muito simples de enganar as pessoas. Para se fazer uma alteração fiscal é preciso ter-se conhecimentos técnicos, simular o que é que vai acontecer, analisar os seus efeitos, e só depois avançar. O problema é que andamos sempre com ânsias de criatividade em matéria de fiscalidade e com ânsias de procurar mudar alguma coisa que por vezes não está mal. Quando detectamos que uma coisa está mal parece que procuramos encontrar no antídoto a solução. Mas se uma coisa está mal num determinado sentido, então o antídoto também estará mal. Neste momento temos um excelente quadro jurídico-fiscal ¿ tirando algumas lacunas, pois foram feitas algumas amputações, como a revogação do imposto sucessório. Mas agora é preciso pô-lo a funcionar ¿ o problema é que, antes de o utilizar, já estamos a dizer que é necessário fazer um novo sistema fiscal. Até aqui o sistema fiscal estava incompleto, agora a reforma da tributação sobre o património, bem ou mal, está aqui. O que pensa do regime de tributação do património? Considero-o justo, os critérios em que assenta irão penalizar os prédios antigos e libertar um pouco os mais novos. Até aqui, os edifícios novos estavam sujeitos a uma de taxa de um por cento mas que podia ir até 1,2 por cento; actualmente, a taxa é de 0,5 por cento. É certo que os prédios antigos serão mais penalizados, mas também não era justo que um indivíduo num prédio antigo, mas com um interior completamente novo, continuasse a pagar como se a casa fosse velha. Os novos critérios de avaliação são muito objectivos, o que torna a leitura também mais objectiva e universal. Foram também trazidos novos elementos para a avaliação do imóvel, como é o caso do terreno adjacente à construção. Mas já não estou de acordo com a revogação do imposto sobre as sucessões e doações. Mesmo que este não tivesse rendibilidade, não deixava de ser um imposto que corrigia algumas assimetrias no âmbito do património. Não posso conceber que a um indivíduo que trabalhe uma vida inteira o Estado vá buscar todos os meses uma percentagem do seu rendimento e um outro indivíduo que recebe uma grande fortuna a partir de agora não precise de pagar qualquer percentagem ao Estado. O imposto sucessório vinha pôr alguma justiça nesta matéria, mas o Governo não entendeu isso ¿ e uma das justificações que deu é que este imposto tinha fraca rendibilidade. É verdade que tinha fraca rendibilidade mas porque se sustentava na liquidez das matrizes prediais. Na altura em que ia trazer mais receitas acabou-se, erradamente, com ele. A reforma, bem ou mal, já está concluída, agora temos de cumprir este quadro jurídico e não andar atrás de utopias. Qual a análise que faz da administração fiscal? Deu um salto muito grande em termos qualitativos, mas em alguns domínios o contribuinte continua a ser visionado como um potencial invasor, o que leva a criar por parte de administração fiscal não um abuso mas um excesso de confiança na interpretação das leis. Por exemplo, assistimos a nítidos abusos na determinação da matéria colectável, não só devido a erros de interpretação como também de actuação. Isto não é bom que aconteça, porque se o contribuinte se sentir injustiçado tem tendência para ele próprio estabelecer a justiça. Não quero assistir à consagração do conceito que anda hoje em dia muito em voga e que respeita à liquidação do tributo: se o contribuinte se sentir prejudicado, então que vá reclamar. Isto não pode acontecer, não se poder dar razão para que as pessoas se sintam injustiçadas, porque as leis, quando são injustas, levam ao seu incumprimento. O que é certo é que a administração fiscal passou um mau bocado ¿ e o anterior director-geral das Contribuições e Impostos, Armindo Sousa Ribeiro, não dignificou a instituição e nem sequer estava à altura de actuar de acordo com essa dignidade. Já o actual director, Paulo Macedo, compreende a realidade de forma diferente e tem condições para fazer um bom trabalho. Concorda com o valor do seu salário? O valor do ordenado é uma falsa questão. Como cidadão, exijo que o bom seja o melhor de todos, porque se Jardim Gonçalves, ou Santos Silva, ou qualquer outra entidade se enganar no negócio que faz só prejudica o património deles e dos seus accionistas. Agora, quando um gestor público se engana num negócio prejudica o património de todos. Aquilo que é público tem de ter o melhor gestor, a grande questão não está no vencimento mas nos objectivos, nas metas traçadas. E no caso de não serem cumpridas, deverá ser responsabilizado. Terá de haver uma maior responsabilização? Sim. Por exemplo, o BCP é uma entidade privada, vive do lucro e paga os vencimentos aos colaboradores: se estes não são rentáveis, então não interessam. Isto quer dizer que, se Paulo Macedo gerava lucro no BCP e não era caro, porque é que há-de ser caro na gestão do património público? Só porque os outros todos são coitadinhos? Só porque temos um Presidente da República a ganhar menos, mas muito menos, que os gestores públicos? O problema aqui não é o ordenado que se dá ao Paulo Macedo, o que está mal é o nosso conceito de gerir aquilo que é público. No dia em que o gestor público fizer asneiras de milhões e milhões de euros, então deverá ser posto na cadeia. E nunca vi lá nenhum. Como cidadão, exijo que aquilo que é público seja bem gerido, e não perguntem quanto se paga. Se foram fixadas metas ao novo director-geral, se foram estabelecidos objectivos e se este tem as características para o cargo, então não julgo que o ordenado seja muito. É justo para o trabalho que está a desenvolver? Temos é de mudar a nossa mentalidade, porque criou-se a ideia de que o que é público pode ser gerido de qualquer maneira ¿ e se não correr bem, paciência. Hoje um técnico minimamente competente ganha um vencimento superior a qualquer político. Se Jardim Gonçalves fizer um mau negócio para o BCP quem perde são os seus accionistas, independentemente do reflexo que terá na nossa companhia. Mas quando se gere mal um hospital ou uma administração fiscal quem paga são os cidadãos, através dos seus impostos. As eleições para a CTOC são em Dezembro. Está a pensar recandidatar-se? Estou na instituição desde o início; começamos um processo complexo, que ainda não está completo, e penso que devo levar este processo por mais três anos. Por isso, vou recandidatar-me.