Opinião
A fuga e a indiferença fiscal
2 October 2004
Opinião de A. Domingues de Azevedo, Presidente da Direcção da CTOC
Já nem se pode considerar um «desígnio nacional». De tanto se falar, de tanto a classe política e os sucessivos governos, em especial, colocarem sempre o acento tónico no tão famigerado combate à fraude e evasão fiscais, temo que os cidadãos já não acreditem muito numa séria equidade fiscal. Os diagnósticos estão feitos e refeitos, as análises, os estudos. Tudo está devidamente observado. Falta o principal: acção. Não adianta mais os sucessivos ministros das Finanças, da Esquerda à Direita, primeiros-ministros e, ultimamente, o Presidente da República, colocarem esse desiderato nos seus discursos. Para os sujeitos passivos a «promessa» que desta é que «vai ser» soa a tirada demagógica e eminentemente política. Para atacar um dos maiores males que continuam a grassar na sociedade portuguesa é avançar. O termo exemplificativo pode ser ligeiro, mas julgo que todos nós sabemos que só se ataca determinadas enfermidades com antibióticos. Os «analgésicos» deixam de surtir efeito à medida que começam a proliferar resistências cada vez mais fortes. O incumprimento fiscal existe e, como se sabe, são as classes mais favorecidas as primeiras a prevaricarem. Não podemos incluir todos no «mesmo saco», mas grande parte dos profissionais liberais não pagam os impostos que devem, furtando-se a uma obrigação e ¿ mais importante ¿ a um dever de solidariedade e de cidadania. Obviamente que quem paga a factura são as classes que trabalham por conta de outrem. Até aqui nada de novo. O que fazer então para agilizar um processo eficaz para que o combate à fraude fiscal não seja «um chavão» apetecível só em termos de oratória? No meu entender e no da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, só se ganha essa batalha conjugando uma série de factores e esforços. A Administração Fiscal sozinha ¿ pelos problemas com que se debate ¿ não tem essa capacidade. Não defendemos uma polícia fiscal, mas desejamos um controle apertado. O Estado sabe por onde deve começar... Haja vontade. Temos em Portugal uma legislação fiscal eficaz. Não é necessário alterá-la, apenas cumpri-la. Os Técnicos Oficiais de Contas já se disponibilizaram, vezes sem conta, para contribuir num combate que entendemos prioritário. Estamos a ultimar com a Polícia Judiciária (PJ) um protocolo nesse sentido. Queremos e vamos ¿ se a PJ assim o entender ¿ colaborar para uma maior transparência e equidade fiscal, como aliás fazemos diariamente junto das empresas. Mas como é hábito no nosso país, a análise de um simples protocolo demora tempo demais, enlaça-se em labirintos burocráticos. Por isso reafirmo, tem de haver uma clara e determinada vontade política em começar a debelar este «vírus». O Governo, e a Administração Fiscal, em especial, não podem continuar a «fazer de conta». Aposte-se na pedagogia, faça-se campanhas que alertem e que criem na sociedade a sensação de que os poderes instituídos estão atentos e que vão actuar nos casos de incumprimento fiscal. Levante-se o sigilo bancário, sempre que claramente justificado. Será assim tão difícil? Ou vamos continuar a deliciarmo-nos com palavras vagas, com processos de intenção? Ou todos nós não sabemos que muitos do que ostentam sinais de riqueza exterior apresentam rendimentos anuais inferiores aos que trabalham para uma empresa ou para o Estado? No fundo, o primeiro passa de Jaguar, de Ferrari ou de um topo de gama qualquer, enquanto o segundo aguarda pacientemente pela passagem do autocarro. Até quando tudo isto vai ser indiferente?