Opinião
Ordem nos media
O POEFDS e os TOC - afectação do princípio da proporcionalidade?
19 November 2004
Opinião de Helena Silva Reis, jurista da CTOC

A norma inserta na alínea b) do n.º 2 do art. 6.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ECTOC) assume carácter residual face à tipologia das funções atribuídas aos TOC nas restantes normas do referido artigo, já que delega nesta categoria de profissionais o exercício de «quaisquer outras funções definidas por lei¿». Atendendo ao reconhecimento cada vez mais inevitável de que a carência de formação/qualificação é o cerne estrutural da taxa de desemprego em Portugal relativamente a grupos com dificuldades específicas de inserção social, o Programa Operacional de Emprego, Formação e Desenvolvimento Social (POEFDS) revela-se como um instrumento financeiro de extrema importância no combate ao desemprego e à inerente coesão social de todos os Estados membros da União Europeia. Numa acção concertada entre a Comissão Europeia, o Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE) e o Ministério da Segurança Social e do Trabalho, o Programa em análise assenta no financiamento, pelo Fundo Social Europeu (FSE), de acções no âmbito da formação profissional, a promover por entidades nacionais (pessoas colectivas de Direito Público ou Privado e pessoas singulares) cuja candidatura seja aprovada por um gestor das intervenções operacionais, que também tem competência para desencadear acções de controlo que visam aferir do cumprimento das obrigações legalmente impostas a nível contabilístico-financeiro às entidades titulares dos pedidos de financiamento. Fruto de tal imposição surge o TOC, já que as entidades financiadas ficam obrigadas a elaborar a sua contabilidade específica sob a responsabilidade técnica daquele. Assim, no exercício de «quaisquer outras funções definidas por lei¿», no caso sub judice o art. 27.º do Dec. Regulamentar n.º 12-A/2000, de 15 de Setembro e o art. 17.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, o TOC, após um adiantamento inicial à entidade financiada, é tecnicamente responsável pela elaboração do pedido de reembolso das despesas efectuadas e pagas, com periodicidade mensal ou bimestral, e do pedido de pagamento do saldo final da intervenção operacional. Se, nas três fases descritas do processo de financiamento, o TOC é responsável por duas, afigura-se-nos clara a relevância que deixámos antever desta categoria de profissionais no POEFDS. Tal relevância não nasce, porém, nos momentos em que são efectuados os pedidos de reembolso das despesas e do saldo final, apenas se corporiza nos mesmos por reflectir montantes pecuniários que, de forma fundamentada, podem vir a ser suspensos, reduzidos ou revogados pelo gestor do projecto; nasce num momento prévio, com a obrigatoriedade da elaboração da referida contabilidade específica das entidades beneficiadas, a qual, obrigando à utilização de um centro de custos autónomo por pedido de financiamento, de forma a permitir a individualização/imputação dos mesmos custos, de acordo com as rubricas do pedido de pagamento de saldo, obriga o TOC a um exercício de perícia que se traduz, em síntese, no seguinte: contabilizar os custos respeitando os princípios e conceitos contabilísticos, critérios de valorimetria e método de custeio definidos no POC, conjugando-os com um plano de contas por Centro de Custos definido pelo IGFSE, numa área sensível e algo complexa como a da formação profissional. Posto isto, qual o alcance do n.º 3 do art. 10.º do já citado Dec. Regulamentar n.º 12-A/2000 ao enunciar que a responsabilidade perante os gestores das intervenções operacionais e demais órgãos de gestão e controlo do FSE cabe, em exclusivo, à entidade titular do pedido de financiamento? Será assim? Formalmente a resposta é afirmativa, decorre de uma norma regulamentar. Materialmente cremos que não. A imposição de elaboração dos pedidos de reembolso e do pagamento do saldo final sob a responsabilidade de um TOC é susceptível de gerar, no caso de revogação do pedido de financiamento, um ónus manifestamente desproporcional ao técnico face às prerrogativas e direitos de que goza no exercício das suas funções estatutárias, podendo, inclusivamente, responder civil e disciplinarmente. Só haverá respeito pelo princípio da proporcionalidade quando aquele dever, legalmente imposto, for acompanhado do reconhecimento pelo esforço de perícia de que falávamos, pelo mérito e contributo essencial do TOC em todo o processo do POEFDS e, concomitantemente, pela compensação remuneratória que extravasa a mera execução da contabilidade. Fora deste reconhecimento não há razoabilidade na imposição daquele ónus.