O conturbado momento que vivem as sociedades mundiais acaba por criar no nosso íntimo um misto de incerteza, dúvida e insegurança, algo sem paralelo na minha geração e que deve merecer uma vigilância reforçada.
Diariamente somos «invadidos» por notícias mais díspares, que geram perplexidade e impotência, fazendo estremecer de forma muito significativa os alicerces que julgávamos sagrados em que se apoiava a nossa vida.
Começando pelos permanentes escândalos da vida pública portuguesa, em que, de forma despudorada, se procura ignorar os desvarios injustificados da gestão dos políticos e se confronta os cidadãos com a necessidade de pagar, através dos seus impostos, a atitude perdulária de outros. Prosseguindo com uma espécie de determinismo financeiro a que a Europa não tem sabido responder, que tudo comanda e completamente direcionado para os interesses de outras economias, lançando dúvidas, incertezas e insegurança ao amanhã de cada cidadão.
Concluindo com uma Europa que ainda não entendeu que a forma como está a exigir a recuperação económica das finanças públicas dos seus estados membros, cria condições para que, se o doente não morre da doença, sucumbe da cura.
Reconheço a minha dificuldade em entender qual a fundamentação para se exigir que recuperemos a economia do país em três ou quatro anos, sendo ela consequência de desmandos económicos praticados durante mais de 40 anos?
Creio que os constrangimentos que estamos a viver vão gerar uma espécie de encadeamento de efeitos negativos para a economia, que se fossem ponderados com mais tempo poderiam ser evitados e não ser tão dolorosos para todos. De facto, na medida em que se obriga os cidadãos a pagarem mais impostos, reduzimos a sua disponibilidade financeira, restringindo necessariamente o seu poder aquisitivo. Essa limitação vai diminuir a procura, o que terá como consequência uma necessidade dos produtos dos setores da produção nacional.
È certo que também será um significativo concurso para a redução da compra de produtos importados e, consequentemente, com impacto na redução do défice da balança comercial. Reconhecendo esse efeito, penso, todavia, que um esclarecimento cabal aos portugueses faria com que todos compreendessem o impacto e dariam, não tenho dúvidas, preferência aos produtos nacionais.
As medidas adotadas, agravadas pelas opções políticas dos decisores, acabam por comportar um risco de sobrevivência da nossa economia, talvez mais difícil do que pagar a própria dívida e de efeitos muito mais duradouros, caso tivessem sido tomadas decisões noutro sentido.
Antes de mais é necessário reconhecê-lo que tivemos comportamentos demasiado subservientes quanto às soluções que nos foram apresentadas, todas elas com uma visão demasiado acentuada nos aspetos financeiros e não com os efeitos negativos que a curto/médio prazo elas teriam na economia portuguesa.
É que, ao diminuir o poder de compra, as pessoas deixam de comprar, as empresas deixam de vender e, consequentemente, deixa de haver necessidade de produzir, o que gerará um imediato aumento do desemprego, o que obrigará as finanças públicas a desembolsarem mais verbas para o fundo de desemprego.
Por seu turno, os cidadãos, particularmente os trabalhadores por conta de outrem, os profissionais liberais e os pequenos empresários – diga-se em abono da verdade, os verdadeiramente sacrificados neste processo –, não veriam drasticamente reduzida a sua disponibilidade financeira, o que lhes permitiria adaptarem-se de modo mais suave à nova realidade e assumindo responsabilidades afetas a qualquer agregado familiar.
O pior que nos pode acontecer é perante uma dificuldade não termos a capacidade de agir, deixando-nos enredar numa espécie de teia que nos amarra, retirando-nos a capacidade criativa de encontrarmos decisões para vencer as adversidades.
A luta é, por vezes, inglória, mas o mérito não está apenas no resultado, mas também, particularmente, na nossa atitude perante os obstáculos. Só dessa forma conseguiremos que as nossas empresas resistam às soluções implementadas. Acontece que mesmo com esforço e sacrifícios, poderemos não morrer da doença, mas tenho muitas dúvidas que sobreviveremos à cura.
Artigo escrito ao abrigo da nova grafia