Para a esmagadora maioria dos portugueses, este vai ser um Natal necessariamente diferente. A maior parte dos funcionários públicos já recebeu o seu vencimento e o subsídio de Natal, este ano reduzido a metade. Os restantes trabalhadores do privado aprestam-se para ver "cair” nas suas contas o seu 13.º mês «amputado» em centenas de euros, em função do seu ordenado-base. O consumo vai-se ressentir. O comércio em época natalícia não vai passar ao lado da crise.
Apesar das diligências da oposição, a "troika” e o governo permanecem irredutíveis a poupar pelo menos um dos subsídios. Perante esta inflexibilidade, é dado por garantido que este assunto não será tocado no debate na especialidade sobre o Orçamento do Estado que decorre no Parlamento.
A justiça fiscal ou a falta dela é outra vertente que emerge no documento em apreço. Os políticos enchem a boca com o benfazejo argumento da justiça tributária, mas, realmente, só a praticam na retórica, esquecendo a prática. Por definição um imposto aplica-se às pessoas e ao seu contexto real e circunstâncias específicas. A pedra de toque é a diferenciação já que apesar de rendimentos iguais, os gastos podem ser diferentes.
A eliminação de deduções de despesa leva a que deixe de existir discriminação entre quem mais ganha e os que menos auferem. Isto é um erro de natureza política em que se incorre, tributando realidades completamente diferentes. Querer comparar o incomparável, só pode dar asneira.
Pedir aos cidadãos esforços hercúleos para reequilibrar as contas, não diferenciando situações particulares, é caminho aberto para aumentar o fosso da injustiça fiscal. A decisão política comete um erro de análise ao desenraizar a tributação das circunstâncias específicas que diferenciam os sujeitos passivos. Insiste-se em tributar ficções, em vez de incidir sobre realidades concretas, equiparando os rendimentos de um pensionista aos de um trabalhador ativo.
Trata-se de tudo menos uma medida que concorra para a justiça fiscal, promovendo, isso sim, para espremer ainda mais a classe média. Veja-se o caso dos idosos: Vivem num contexto muito próprio. Precisam de comprar medicamentos necessários à sua sobrevivência, enfrentam dificuldades de mobilidade e, alguns deles, são mesmo votados ao abandono pela respetiva família. Deste modo, corremos o risco de regressar ao passado, concretamente aos anos anteriores a 1989, quando a fonte de tributação eleita era o rendimento, desenquadrando os contribuintes da sua vida concreta.
Uma vez mais perdeu-se uma oportunidade para aligeirar os rendimentos do trabalho, recaindo o esforço sobre quem mais pode, os rendimentos de capitais, por exemplo, os detentores de grandes fortunas, condicionando o seu património e a sua própria capacidade financeira. Estou certo que esta medida de natureza política iria, certamente, contribuir para a reanimação económica, que, no fundo, interessa a todos, independentemente de terem mais ou menos recursos.
É que chegámos a um paradoxo de difícil compreensão: Quem tem milhões de euros no banco paga 21,5 por cento e quem trabalha todos os dias paga entre 30 e 40% do seu salário, vendo evaporar-se, parcial ou totalmente, os seus subsídios de Natal ou de férias. Eventualmente seria de considerar uma diferenciação positiva na taxa de capitais, considerando o seu papel na reanimação económica.
Com um estudo apropriado, atempado e o debate consequente. Mas não como o que se passou com o desastroso dossiê da Taxa Social Única (TSU). O que era uma bandeira eleitoral, terminou em novela de mau gosto. Perdeu-se tempo, mas nada se avançou. Felizmente.
(*) Bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas
Artigo redigido de acordo com o novo acordo ortográfico