Pareceres
IRC – venda de produtos abaixo do preço de custo
7 June 2023
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem.

IRC – venda de produtos abaixo do preço de custo


PT27492 - março de 2023

Existe alguma legislação que indique que uma empresa não pode vender abaixo do custo médio ponderado?


Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com a possibilidade de vender produtos abaixo do preço de custo.

Importa começar por referir que a questão colocada é de natureza jurídica, pelo que, deve ser aferida por um advogado ou jurista.

Não obstante, sobre este tema, somos da seguinte opinião:
Os inventários apenas podem ser vendidos por um preço mais baixo, no mínimo ao preço de custo, dado que legalmente não é possível vender abaixo do preço de custo.

A venda abaixo do preço de custo (dumping) constitui um ilícito suscetível de ser severamente punido.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 70/2007 com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 109/2019 de 14 de agosto só são permitidas as práticas comerciais com redução de preço nas seguintes modalidades:

- «Saldos», a venda de produtos praticada a um preço inferior ao preço mais baixo anteriormente praticado no mesmo estabelecimento comercial, com o
objetivo de promover o escoamento acelerado das existências;

- «Promoções», a venda promovida com vista a potenciar a venda de determinados produtos ou o lançamento de um produto não comercializado anteriormente pelo agente económico no mesmo estabelecimento comercial, bem como o desenvolvimento da atividade comercial:

i) A um preço inferior ao preço mais baixo anteriormente praticado ou com condições mais vantajosas do que as utilizadas nos períodos de vendas sem redução de preço, praticadas no mesmo estabelecimento comercial; ou

ii) Tratando-se de um produto não comercializado anteriormente pelo agente económico, a um preço inferior ao preço a praticar após o período de redução ou com condições mais vantajosas do que as utilizadas após este período;

- «Liquidação» a venda de produtos com um caráter excecional que se destine ao escoamento acelerado com redução de preço da totalidade ou de parte das existências do estabelecimento, resultante da ocorrência de motivos que determinem a interrupção da venda ou da atividade no estabelecimento.

Ou seja, apenas nestas situações pode acontecer a venda abaixo do custo:

- Venda dos bens com redução de preço (preço de custo mínimo) ou liquidação - nesta situação o IVA irá incidir sobre o valor da venda, independentemente de ser maior ou menor do que o custo de aquisição.

- Destruição/abate dos bens - nesta situação não há lugar a qualquer liquidação ou regularização do IVA, quando tal destruição estiver devidamente comprovada.

- Doação de bens conforme dispõe a al. f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, sem prejuízo do disposto no n.º 7, nesta situação haverá que liquidar a favor do Estado o IVA deduzido aquando da aquisição dos bens doados. Só não haverá liquidação de IVA nessas ofertas a entidades sem fins lucrativos, em ofertas superiores a 50 euros se tal oferta se puder inserir no n.º 10 do artigo 15.º do CIVA.

Relativamente à venda dos inventários existentes, no caso de o objetivo passar por campanha promocional, realçamos que foi recentemente publicado o Decreto-Lei n.º 109/2019 de 14 de agosto que procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, que regula as práticas comerciais com redução de preço.

Este diploma simplifica e harmoniza os procedimentos que os comerciantes devem cumprir sempre que comunicam à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) que pretendem realizar vendas em saldo ou em liquidação.

Para o efeito, a venda sob a forma de liquidação poderá ficar sujeita a uma declaração emitida pelo operador económico dirigida à ASAE, através do Portal «e.Portugal» (vide redação dada pelo Decreto-Lei n.º 109/2019, ao artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 70/2007), até 15 dias úteis antes da data prevista para o início da liquidação.

Não obstante, para mais informação sobre tais formalismos a cumprir remetemos a consulta diretamente à referida entidade (ASAE).

Em termos contabilísticos e fiscais, não há qualquer procedimento especial a efetuar, devendo o sujeito passivo estar preparado para poder demonstrar a razão de venda abaixo do preço de custo.

Em sede de IVA, o valor tributável da operação será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, de acordo com o n.º 1 do artigo 16.º do Código do IVA.

A venda encontra-se sujeita a IVA e na base tributável deve ter-se presente o «valor real» da operação. Devem ser incluídas as importâncias pagas ou a pagar, devendo o sujeito passivo liquidar o IVA à taxa correspondente, de acordo com o artigo 18.º do CIVA, sobre o preço de venda, concorrendo este IVA liquidado para o apuramento periódico de IVA.

Em termos de IRC, também não existe qualquer limitação específica para a realização de venda de ativos por valores inferiores ao valor de mercado ou ao custo de aquisição.

Nos casos em que o preço estimado de venda é inferior ao preço de custo, em termos contabilísticos, em princípio, haverá lugar ao reconhecimento de perdas por imparidade. Assim, a seguir apresentamos o tratamento contabilístico.

Considerando que não é indicado o normativo contabilístico adotado pela entidade, iremos abordar esta temática no âmbito das normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) previstas no aviso n.º 8 256/2015, de 29 de julho. Em todo o caso, o tratamento contabilístico é comum em todos os normativos.

O tratamento contabilístico dos inventários está previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 18 - Inventários.

De acordo com o parágrafo 6 da norma «Inventários», são ativos:
- Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial;
- No processo de produção para tal venda; ou
- Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.

Em termos de mensuração, o parágrafo 9 da norma refere que os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo.

Sendo que, valor realizável líquido é o preço de venda estimado no decurso ordinário da atividade empresarial menos os custos estimados de acabamento e os custos estimados necessários para efetuar a venda (parágrafo 7 da NCRF 18).

O custo dos inventários pode não ser recuperável se esses inventários estiverem danificados, se se tornarem total ou parcialmente obsoletos ou se os seus preços de venda tiverem diminuído. O custo dos inventários pode também não ser recuperável se os custos estimados de acabamento ou os custos estimados a serem incorridos para realizar a venda tiverem aumentado.

A prática de reduzir o custo dos inventários (write down) para o valor realizável líquido é consistente com o ponto de vista de que os ativos não devem ser escriturados por quantias superiores àquelas que previsivelmente resultariam da sua venda ou uso.

As estimativas do valor realizável líquido são baseadas nas provas mais fiáveis disponíveis quando sejam feitas as estimativas quanto à quantia que se espera que os inventários venham a realizar. Estas estimativas tomam em consideração as variações nos preços ou custos diretamente relacionados com acontecimentos que ocorram após o fim do período, na medida em que tais acontecimentos confirmem condições existentes no fim do período.

Do ponto de vista contabilístico, poderia ser reconhecida o respetivo ajustamento para o seu valor realizável líquido, caso se estivesse na posse de informação ou elementos para o efeito.

De acordo com o parágrafo 30 da NCRF 18, estas estimativas do valor realizável líquido são efetuadas no final do período, tomando em consideração as variações nos preços ou custos diretamente relacionados com acontecimentos que ocorram após o fim desse período, na medida em que tais acontecimentos confirmem condições existentes à data de relato.

Para determinar o valor realizável líquido, a entidade verifica, face às condições dos bens no estado em que estão, o preço (deduzido dos encargos com a venda) que irá conseguir no futuro com a venda desses bens.

O registo contabilístico pode ser:

Pelo reconhecimento de perda por imparidade (ajustamento) de inventários:
- Débito da conta 652 - Perdas por imparidade - Em inventários;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 329 - Mercadorias - Perdas por imparidade acumuladas, pela diferença entre o valor realizável líquido e a quantia escriturada do inventário.

Para suportar estes registos contabilísticos de perda por imparidade dos inventários deve utilizar a comprovação da redução de preços do item, nomeadamente por deterioração do estado físico dos bens, da desvalorização permanente do preço de mercado dos bens ou de qualquer outra razão de reconhecimento da perda por imparidade.

Essa comprovação pode ser efetuada mediante documentos internos de análise técnica dos itens do inventário, como por exemplo, um relatório do responsável técnico pela produção ou armazenagem dos bens, cotações oficiais de preços ou os últimos preços praticados pela empresa ou também, por relatórios emitidos por entidades terceiras conforme o caso.

Havendo reversão do valor realizável líquido, ou seja, se o valor realizável líquido aumentar, a entidade deve proceder ao reconhecimento contabilístico da reversão das imparidades:

Débito da conta 329 - Mercadorias - Perdas por imparidade acumuladas, pela diferença entre o valor realizável líquido e a quantia escriturada do inventário.

Por contrapartida a:

Crédito da conta 7622 - Reversão em Imparidades de Inventários

Quando os inventários são vendidos deve ser anulada qualquer imparidade que tenha sido reconhecida:

- Débito da conta 329 -Perdas por imparidades acumuladas

- Débito da conta 61 - Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas

Por contrapartida a

Crédito - 32 - Mercadorias

Do ponto de vista fiscal, estabelecem os números 1 e 2 do artigo 28.º do Código do IRC:

«(...) 1 - São dedutíveis no apuramento do lucro tributável as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda (...).»
Dispondo o n.º 4 do artigo 26.º do Código do IRC que «(...) consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco (...).»

O artigo 28.º do Código do IRC prevê um tratamento semelhante ao estabelecido na NCRF 18. No entanto, esta norma fiscal estabelece uma definição específica de valor realizável líquido, que pode não ser exatamente idêntico ao estabelecido em termos contabilísticos.

Essa regra fiscal determina que o valor realizável líquido deve ser determinado pelos preços de venda constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

Atendendo a estas regras fiscais, para suportar a perda de inventários resultante da situação de perda de imparidade, a entidade deve obter toda a documentação ou outro tipo de informação disponível, que comprove a quebra ou redução de preços, a obsolescência, os danos ou qualquer outro motivo, que terá levado ao reconhecimento da perda nos inventários.

Com essa documentação, comprovando-se de forma idónea e inequívoca a quebra ou redução de valor desses inventários, a respetiva perda por imparidade é aceite como gasto fiscal.

A ser este o caso, posteriormente aquando da venda, apenas haverá a considerar o resultado fiscal proveniente da diferença entre o valor de venda e o preço de custo líquido das imparidades registadas e aceites fiscalmente.

 

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