PT27580 – IRS - Prémios
Maio de 2023
Determinada associação organiza anualmente uma prova de ciclismo e paga aproximadamente 4 mil euros em prémios às equipas e aos ciclistas classificados em 1.º, 2.º e 3.º lugar. São tributados em sede de IRS ou de Imposto de Selo? Como se submete a guia não havendo NIF dos ciclistas e das equipas?
Parecer técnico
É nos questionado sobre a tributação em IRS ou Imposto de Selo dos referidos prémios.
Começamos por mencionar no que se refere à ausência de NIF dos ciclistas e das equipas, deverá a entidade solicitar a informação necessária para cumprir as obrigações.
Em sede de IVA, resulta do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA (CIVA) que estão sujeitas a imposto as prestações de serviços efetuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, consubstanciando prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias e importações de bens (artigo 4.º, n.º 1 do CIVA), considerando o artigo 2.º, n.º 1, al. a) do mesmo código que são sujeitos passivos de imposto, entre outras, as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com caráter de habitualidade, exerçam atividades de prestação de serviços.
Caso os prémios de participação atribuídos não consubstanciem a contrapartida de qualquer prestação de serviços ou transmissão de bens e se verificar apenas um espírito de liberalidade (animus donandi) na sua atribuição, estar-se-á perante donativos em dinheiro, ou seja, perante operações fora do campo de incidência do IVA.
Nesta situação, para que o prémio atribuído estivesse sujeito a IVA, era necessário que esse prémio constituísse a contraprestação de uma prestação de serviços, o que não nos parecer que tenha acontecido.
É este o entendimento que resulta da informação vinculativa n.º 15378, sancionada por despacho de 2020-06-18, da Diretora de Serviços do IVA, quando nela se refere que:
«Os "prémios de participação" de € L e € P, atribuídos aos concorrentes classificados em 2.º e 3.º lugares, respetivamente, bem como os prémios de € M atribuídos às propostas ordenadas nos primeiros dez lugares, não consubstanciando a contrapartida da transmissão dos direitos de autor, nem a contrapartida de qualquer prestação de serviços ou transmissão de bens, se se verificar apenas um espírito de liberalidade (animus donandi) por parte do Requerente na sua atribuição, estar-se-á perante donativos em dinheiro, ou seja, operações fora do campo de incidência do IVA.»
A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, no entanto, a pronunciar-se em sentido muito diferente, embora para efeitos de IRS, na informação vinculativa n.º 4204/2017, com despacho concordante da Subdiretora Geral do IR, de 05-07-2018, segundo a qual:
«O antigo artigo 12.º do Código do IRS, que previa a tributação dos prémios de quaisquer lotarias, rifas e apostas mútuas, totoloto, jogos de loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteiros ou concursos, efetivamente pagos ou postos à disposição foi alterado pela entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2010, passando a tributação dos prémios de jogo a ser efetuada em sede de Imposto de Selo.
O regime legal em vigor, definido pelo Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, com as sucessivas alterações legislativas, de entre as quais se realça o Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/01, que procedeu à reformulação da Lei do Jogo define, no seu artigo 1.º, os jogos de fortuna ou azar como aqueles "(...) cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.".
No que respeita às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, o artigo 159.º, n.º 1, da Lei do Jogo define-as como as "operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.", considerando-se como tal, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
Advém das normas suprarreferidas que o elemento determinante para a qualificação de determinada operação como sendo afins dos jogos de fortuna ou azar reside, fundamentalmente, no fator sorte.
Sucede que, não obstante a utilização, nos Regulamentos apresentados, dos termos "concurso" e "prémio", os eventos promovidos pela requerente inserem-se no âmbito da prática de uma modalidade desportiva relacionada com a criação e seleção de pombos-correio para competição, a Columbofilia.
Com efeito, estes eventos são competições columbófilas em que os prémios são atribuídos em função da classificação dos participantes, na sequência da confrontação desportiva dos respetivos pombos-correio inscritos. Nessa conformidade, a classificação final e consequente obtenção dos prémios pelos participantes resultará dos treinos realizados, da capacidade física e de orientação dos pombos-correios inscritos e não de qualquer fator sorte.
Ora, não estando a obtenção dos prémios condicionada pelo fator sorte, relacionando-se antes com o desempenho de cada pombo-correio na competição, não pode a operação em causa qualificar-se como modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, não se podendo enquadrar na categoria de prémios de jogo.
Assim, e ainda que os rendimentos recebidos sejam designados de “prémios” e que estes sejam obtidos no decurso de uma prova denominada de “concurso”, com esta iniciativa pretende-se premiar o mérito desportivo dos candidatos/atletas, não se vislumbrando que o fator “sorte” possa influir no resultado final.
Não é, pois, possível encontrar similaridades entre a atividade de criação e treino de pombos-correio para prestação de provas em concurso columbófilo com, por exemplo, a atividade de um comprador de rifas ou a de um participante num concurso patrocinado por uma empresa comercial no qual alguns dos seus clientes são escolhidos aleatoriamente para receberem um prémio monetário ou um prémio em espécie.
No primeiro a obtenção do prémio depende da perícia, do treino, da aptidão, das qualidades do criador e do pombo, no segundo depende de um jogo de sorte e azar, depende exclusivamente de situações aleatórias que não são controláveis.
Assim, e no caso em apreço, o que está em causa é a prestação desportiva dos pombos-correio, em competições ou concursos columbófilos e a qualificação do prémio que os seus criadores possam auferir, o qual se enquadra na categoria B do IRS, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS.
O enquadramento dos prémios atribuídos aos vencedores de provas desportivas pode considerar-se como rendimentos de prestações de serviços, inseridos na categoria B do IRS, sendo que se o sujeito passivo estiver incluído no regime da contabilidade organizada pode deduzir os valores gastos na inscrição da prova.
Caso o sujeito passivo não se encontre inscrito para o exercício de uma atividade profissional/empresarial será qualificado como a prática de um ato isolado.»
O entendimento resultante desta informação vinculativa veio a merecer contestação, tendo chegado à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que, por acórdão de 08/06/2022, proferido no Processo n.º 0217/20.1BELLE, se pronunciou no seguinte sentido:
«Neste domínio, entende-se que a AT tem razão quando aponta que estamos no âmbito de uma modalidade desportiva relacionada com a criação e seleção de pombos-correio para competição, a Columbofilia, sendo que, eventos como o descrito nos autos são competições columbófilas em que os prémios são atribuídos em função da classificação dos participantes, na sequência da confrontação desportiva dos respetivos pombos-correio inscritos, traduzindo a classificação final e consequente obtenção dos prémios pelos participantes, o resultado dos treinos realizados, a capacidade física e de orientação dos pombos-correios inscritos e não de qualquer facto sorte, não sendo possível encontrar similaridades entre a atividade de criação e treino de pombos-correio para prestação de provas em concurso columbófilo com, por exemplo, a atividade de um comprador de rifas ou a de um participante num concurso patrocinado por uma empresa comercial no qual alguns dos seus clientes são escolhidos aleatoriamente para receberem um prémio monetário ou um prémio em espécie.
Tal significa que a questão nuclear no âmbito do presente recurso é a de apreciar a bondade da posição da AT quando agora aponta que, em função da prestação desportiva dos pombos-correio em competições ou concursos columbófilos, o prémio que os seus criadores possam auferir tem enquadramento na categoria B do IRS nos termos do artigo 3.º n.º 1 al. b) do Código do IRS.
Nesta sequência, cabe notar que na construção do conceito de rendimento tributário, o Código do IRS adota a conceção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
Por outro lado, a categoria B dos rendimentos sujeitos a tributação em IRS goza de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria, pois que, depois da reforma de 2000, nos rendimentos líquidos da nova categoria B integram-se todos os proventos obtidos ou conexos com a respetiva atividade desenvolvida, sendo que a predominância significa pois que todos os rendimentos, de todas as naturezas, que se possam imputar à atividade profissional ou empresarial.
A partir daqui, tendo como pano de fundo o facto de estar em causa uma modalidade desportiva relacionada com a criação e seleção de pombos-correio para competição, a Columbofilia, que se traduz, além do mais, na participação em eventos como a A..., o qual permite auferir os valores em disputa nas quatro primeiras corridas descritas e bem assim, quanto à última corrida, 50% do valor líquido apurado no leilão dos pombos, além de que os titulares das equipas premiadas, tal como descrito no RIT, receberam os prémios correspondentes aos valores aí indicados, aumentando, nessa medida, o seu poder aquisitivo, ainda que possa tratar-se de uma participação esporádica, deparamos com uma atividade que tem de ser tributada, sendo que, tendo a AT, de forma cabal, afastado a pertinência de tal tributação em sede de imposto de selo, resulta assertivo o enquadramento dos prémios atribuídos às equipas referidas como rendimentos inseridos na categoria B do IRS nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, enquanto rendimentos profissionais, até por integrarem - “1323 Desportistas” - a lista de atividades cujo exercício dá origem a rendimentos profissionais (artigo 151.º do Código do IRS - Anexo I).
Assim, a posição da AT não merece censura, o que equivale a dizer que a ora Recorrida estava obrigada a reter imposto sobre os prémios que seja devedora à taxa em vigor à data do pagamento ou colocação à disposição do rendimento, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 101.º do Código do IRS, sendo irrelevante o facto da ora Recorrida desenvolver uma atividade desportiva amadora no sentido de excluir, por si só, a tributação dos prémios em causa em sede de IRS, dado que, quem é tributado é quem recebe o rendimento, sendo que o facto de só alguns participantes os receberem na medida em que venceram competições ou se classificaram numa determinada posição na corrida, em nada altera a sujeição a imposto, situação que, naturalmente, determina a procedência deste recurso, a revogação da sentença recorrida e a baixa dos autos ao TAF de Loulé para ser apreciado o mais suscitado no âmbito da presente impugnação.»
Conforme decorre do acórdão indicado, resulta assertivo o enquadramento dos prémios atribuídos às equipas referidas como rendimentos inseridos na categoria B do IRS.
Ora, de conformidade com o n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA), são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do IRS ou do IRC.
Temos, assim, que não estando a obtenção dos prémios condicionada pelo fator sorte, relacionando-se antes com o desempenho tido na competição, não pode a operação em causa qualificar-se como modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas sim como rendimentos de prestações de serviços.
Perante este conceito, os prémios que vão ser atribuídos na prova de ciclismo constituem a contraprestação de uma prestação de serviços, estando, por esse motivo, sujeitos a IVA, não obstante poderem os referidos serviços estarem isentos nos termos do n.º 15 do artigo 9.º do CIVA.
Atualmente, nos termos do Código do IRS, prevê o n.º 5 do artigo 12.º do CIRS:
«5 - O IRS não incide sobre:
a) As bolsas atribuídas aos praticantes de alto rendimento desportivo, e respetivos treinadores, pelo Comité Olímpico de Portugal ou pelo Comité Paralímpico de Portugal, no âmbito do contrato-programa de preparação para os Jogos Olímpicos, Paralímpicos ou Surdolímpicos, ou pela respetiva federação titular do estatuto de utilidade pública desportiva, nos termos do Decreto-Lei n.º 273/2009, de 1 de outubro;(Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
b) As bolsas de formação desportiva, como tal reconhecidas por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do desporto, atribuídas pela respetiva federação titular do estatuto de utilidade pública desportiva aos agentes desportivos não profissionais, nomeadamente praticantes, juízes e árbitros, até ao montante máximo anual correspondente a 2375 €, bem como, com este mesmo limite, as compensações atribuídas pelas mesmas federações pelo desempenho não profissional das funções de juízes e árbitros; (Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro)
c) Os prémios em reconhecimento do valor e mérito de êxitos desportivos, nos termos do Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro, e da Portaria n.º 103/2014, de 15 de maio.»
Estando-se perante uma norma de delimitação negativa de incidência, os beneficiários daquelas compensações, quando atribuídas no âmbito Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro, e da Portaria n.º 103/2014, de 15 de maio, não verão as mesmas serem tributadas no âmbito dos seus rendimentos empresariais e profissionais (categoria B do IRS), precisamente porque a norma não considera aquelas compensações como rendimentos sujeitos a IRS.
Não sendo rendimentos sujeitos a IRS, entendemos não estar abrangidos pelas diversas obrigações aplicáveis a essa categoria de rendimentos, nomeadamente a necessidade de emitir fatura. Da aplicação a contrário do artigo 115.º do Código do IRS, os beneficiários daquelas compensações não estão obrigados a emitir fatura, recibo ou fatura-recibo, relativas aos seus montantes. Contudo, se a entidade pagadora a solicitar, não há qualquer inconveniente na sua emissão, devendo, na descrição, ser feita referência àquela norma de delimitação negativa de incidência.
De referir que, apesar de tais montantes não serem tributados na esfera dos destinatários, as entidades pagadoras devem incluí-los na declaração Modelo 10, a apresentar anualmente até ao dia 10 de fevereiro do ano seguinte ao do pagamento (código B20).
Adicionalmente, note que a atividade de desportista se encontra prevista na Lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS com o Código 1323.
Assim, no caso dos referidos prémios a pagar para a prova desportiva referida na questão colocada não ficarem abrangidos pela não sujeição a tributação do artigo 12.º do CIRS, as obrigações fiscais são as que a seguir se descrevem.
No caso de os prémios serem tributados como rendimentos da categoria B de IRS, devem ser objeto de retenção na fonte à taxa de 25% pela entidade devedora do rendimento, que possua ou deva possuir contabilidade organizada, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 101.º do CIRS, sem prejuízo da dispensa de retenção prevista no artigo 101.º-B do mesmo Código.
Os desportistas, que recebam os referidos prémios, obtendo rendimentos da categoria B de IRS, são obrigados à emissão de fatura e recibo ou fatura-recibo eletrónica emitida através do Portal das Finanças, para titular esses rendimentos, incluindo se forem considerados como atos isolados, conforme previsto no artigo 115.º do CIRS, conforme já referido. Adicionalmente, esses rendimentos devem ser incluídos nos Anexos B ou C da Modelo 3 de IRS, consoante o sujeito passivo tenha ou não contabilidade organizada.