Pareceres
IRC - Retenção na fonte
18 August 2023
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRC - Retenção na fonte
Agosto 2023

 

Uma empresa portuguesa irá suportar e pagar gastos faturados por uma empresa no Mónaco relativos a participação em feira (feira relativa à sua atividade). O Mónaco é considerado um paraíso fiscal não existindo convenção para evitar a dupla tributação. O pagamento desta fatura encontra-se sujeito a retenção na fonte? Em caso afirmativo, qual a taxa aplicável?

 

Parecer técnico

 

O princípio da residência (princípio da universalidade ou princípio do rendimento mundial – worldwide income principle) em matéria fiscal está relacionado com o facto de os Estados quererem tributar os seus residentes por todos os seus rendimentos, independentemente da sua fonte ser nacional ou estrangeira. Deste princípio resulta que os contribuintes que sejam considerados residentes num determinado Estado serão tributados nesse Estado por todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos no estrangeiro – obrigação mundial ilimitada dos residentes (tributação do rendimento global do contribuinte, sem ter em conta as suas origens e as fronteiras).
O princípio da fonte (princípio da territorialidade real) tem subjacente o facto de os Estados quererem tributar os rendimentos obtidos no interior dos seus territórios, independentemente dos titulares dos rendimentos serem aí considerados residentes ou não. Assim, os contribuintes que sejam considerados não residentes num determinado território serão tributados apenas pelos rendimentos que se considerem obtidos nesse mesmo território, ou seja, apenas quando aí se situar a fonte dos rendimentos – obrigação fiscal limitada dos não residentes (a tributação dos contribuintes fica limitada aos rendimentos produzidos no território).
A adoção do princípio da fonte é também absolutamente legítima. De facto, se os rendimentos têm a sua origem num determinado Estado (da fonte), tal pode significar que foram consumidos os recursos aí existentes, podendo inclusivamente também verificar-se, embora em casos mais residuais, o usufruto de serviços e equipamentos públicos.
Face ao exposto, ambos os Estados (da residência e da fonte) têm competência válida para exercer o seu poder tributário, dependendo a sua maior ou menor legitimidade sobretudo do tipo de rendimentos em causa. Porém, os conflitos entre as pretensões do Estado da fonte e do Estado da residência poderão gerar constrangimentos, designadamente, a dupla tributação internacional.
Quando há dupla tributação sobre um determinado rendimento e se verifica a identidade dos sujeitos, deverá falar-se de dupla tributação jurídica. Se, por outro lado, a identidade do objeto (facto tributário, rendimento) coexiste com a diversidade dos sujeitos, então estaremos perante uma situação de dupla tributação económica.
Na dupla tributação jurídica, o que ocorre é que o mesmo rendimento é tributado duplamente na esfera da mesma entidade: primeiro quando é pago, ou colocado à disposição, geralmente através da figura da substituição tributária (retenção na fonte); e depois ao ser declarado como rendimento tributável pelo beneficiário do rendimento.
Sempre que um residente de um Estado suporta imposto noutro Estado (geralmente através do mecanismo da retenção na fonte) relativamente a rendimentos que têm que ser declarados e tributados no seu país (Estado da residência), estamos perante uma situação iminente de dupla tributação jurídica internacional (a mesma pessoa a ser tributada duas vezes, em dois Estados diferentes, relativamente ao mesmo rendimento).
No caso português, para eliminar (atenuar) esta forma de dupla tributação, a lei permite que se abata ao imposto aqui devido o imposto suportado no estrangeiro nos termos e condições previstos no art.º 91.º do Código do IRC.
Consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, se encontrem expressamente referidos no n.º 3 do art.º 4.º do Código do IRC. Destacamos, entre esses, os que se encontram expressamente referidos na alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do Código do IRC, cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado. Por exemplo, os rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos e os derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras, cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado, consideram-se cá obtidos [subalíneas 6 e 7 da alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do Código do IRC].
Não se consideram obtidos em território português os rendimentos enumerados na alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do Código do IRC quando os mesmos constituam encargo de estabelecimento estável situado fora desse território, relativo à atividade exercida por seu intermédio e, bem assim, quando não se verificarem essas condições, os rendimentos referidos na subalínea 7) da mesma alínea, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens situados nesse território nem estejam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
No caso específico dos serviços realizados ou utilizados em território português, aquelas condições são de verificação alternativa, ou seja, tanto se podem considerar cá localizadas as prestações de serviços integralmente cá realizadas, ainda que a sua utilização ocorra fora do território português, como as prestações de serviços integralmente realizadas fora deste território desde que sejam cá utilizadas.
Os rendimentos de prestações de serviços consideram-se obtidos em território português se a sua fonte tiver uma conexão real com este território, como acontece, por exemplo, no caso dos imóveis. Quando não existe tal conexão real, ou seja, quando os rendimentos provêm da prestação de serviços desmaterializados e, como tal, de difícil conexão territorial, o legislador optou por concretizar taxativamente as situações em que tais rendimentos se consideram obtidos em território português.
Analisando o caso apresentado, uma determinada entidade suportará encargos faturados por uma entidade com sede no Mónaco, relativos à participação em feira relativa à sua atividade.
Em princípio, uma prestação de serviços é considerada como realizada em território português quando a mesma aí for materialmente ou fisicamente executada. Já para averiguar se uma prestação de serviços é considerada como utilizada em território português deve atender-se às caraterísticas próprias de cada serviço, havendo que examinar, casuisticamente, onde o serviço é usufruído ou onde os seus resultados efetivamente se projetam ou em benefício de quem revertem.
O facto de se tratar de um critério de difícil determinação levou o legislador a objetivar, na parte final do n.º 4 do art.º 4.º do Código do IRC, através da tipificação do tipo de serviços que pretendeu abranger, os casos em que se considera a utilização dos mesmos em território português.
Para melhor analisarmos esta questão, atentemos na informação vinculativa referente ao processo n.º 2022 004738, PIV n.º 23 734, sancionado por despacho de 5 de dezembro de 2022, da subdiretora-geral do IR e das Relações Internacionais. No caso que foi analisado, uma sociedade comercial, residente para efeitos fiscais em território português, no âmbito da sua atividade, promovia a participação dos seus colaboradores em ações de formação, conferências, seminários e feiras especializadas, que tinham lugar fora do território português, com o objetivo de os manter atualizados e de lhes proporcionar as melhores ferramentas de trabalho possíveis. Concluiu-se, na instrução administrativa, que, por se tratarem de serviços integralmente prestados fora do território nacional, embora cá utilizados (uma vez que é aqui que os seus benefícios se repercutem), os serviços em apreço, respeitantes à participação na conferência realizada no estrangeiro, apenas poderiam ser cá tributados se fizessem parte da lista de serviços de caráter desmaterializado constante do n.º 4 do art.º 4.º do Código do IRC, in fine, o que não é o caso.
Face ao exposto, entendemos que os serviços faturados pela entidade monegasca ao cliente nacional não se consideram rendimentos obtidos em território nacional, razão pela qual a entidade portuguesa não terá que efetuar retenção na fonte no momento do pagamento.
Por fim, note-se que, tal como é referido na questão colocada, o Mónaco faz parte da lista, aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis. A Portaria que procedeu à publicação da referida lista é a Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, que foi depois alterada pela Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de dezembro.
Ora, de acordo com a alínea r) do n.º 1 do art.º 23.º-A do Código do IRC, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.
Também o n.º 8 do art.º 88.º do Código do IRC prevê uma tributação autónoma de 35 por cento para as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

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