Pareceres
IRS - caução
27 September 2023
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRS - caução
PT27650 - julho de 2023

 

Determinada empresa tem um contrato de arrendamento com um sujeito passivo particular. No início do contrato foi paga uma caução equivalente a dois meses de rendas para reparação de eventuais danos. Para esse efeito, o senhorio emitiu o respetivo recibo no Portal das Finanças tendo assinalado o campo «Caução».
O contrato de arrendamento vai terminar em setembro e as partes chegaram a um acordo em que a referida caução irá servir como pagamento dos dois últimos meses (agosto e setembro).
Face à situação, é possível fazer a compensação entre a caução e os dois últimos meses do arrendamento sem que o senhorio emita os recibos de renda respeitantes aos meses de agosto e setembro, uma vez que ele alega que já passou esse montante no recibo de caução pelo qual já foi tributado?
Qual o procedimento a seguir para a situação exposta?

 

Parecer técnico

 

A questão colocada refere-se com a emissão de recibo relativamente ao pagamento de rendas. No caso concreto, estamos perante um contrato de arrendamento, celebrado por uma empresa com um senhorio particular, que «vai terminar em setembro e as partes chegaram a um acordo em que a referida caução irá servir como pagamento dos dois últimos meses». É referido que o senhorio havia emitido recibo de renda referente no momento do pagamento da caução.
Face à redação dada ao artigo 115.º pela Lei n.º 82-E/2014 de 31 dezembro (Lei da Reforma Fiscal do IRS), os senhorios são obrigados a emitir recibo de renda eletrónico pelas rendas recebidas ou colocadas à disposição ainda que a título de caução ou adiantamento, quando não optem pela sua tributação no âmbito da categoria B (rendimentos empresariais).
Em termos jurídicos, a caução será a forma de garantir a concretização do contrato negociado entre as partes, ou estabelecida por um outro tipo de exigência pré-contratual de forma a garantir a intenção de estabelecer o contrato. Habitualmente, a caução será devolvida à entidade que prestou essa garantia, quando o contrato ou exigência subjacente a essa caução deixar de existir.
Atendendo a estes conceitos, a entidade que presta a caução a uma outra entidade, no momento inicial, terá o direito de lhe ser devolvida essa garantia prestada, no pressuposto de todas as condições serem satisfeitas ou deixar de existir essa exigência.
Na perspetiva do inquilino (locatário), considerando que se trata de um sujeito passivo de IRC com contabilidade organizada, há que atender que as demonstrações financeiras devem ser preparadas e apresentadas atendendo ao pressuposto do regime do acréscimo (parágrafo 22 da estrutura concetual do SNC).
Com base neste pressuposto, devem ser reconhecidos gastos e rendimentos no período a que digam respeito independentemente do momento da emissão ou receção das faturas, ou dos pagamentos e recebimentos.
A contabilidade deve basear-se nas operações realizadas no período, com o objetivo de se preparar e apresentar demonstrações financeiras que contenham a posição financeira e o desempenho económico verificado nesse período, independentemente de outros formalismos legais.
O momento da emissão de faturas decorre das regras previstas em termos fiscais, nomeadamente no Código do IVA, não devendo influenciar o momento do reconhecimento dos respetivos factos ou operações nas demonstrações financeiras.
Devido a este procedimento, é bastante comum e normal a realização de reconhecimentos contabilísticos baseados em estimativas de valores (parágrafo 26 da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 4 - Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros), procedendo-se a acréscimos ou diferimentos de gastos e rendimentos, quando os períodos do reconhecimento contabilístico não coincida com as datas dos documentos emitidos (faturas ou recibos), ou quando não exista a receção em devido tempo desses documentos.
De acordo com o parágrafo 92 da estrutura conceptual do SNC, os gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados quando tenha surgido uma diminuição dos benefícios económicos futuros relacionados com uma diminuição num ativo ou com um aumento de um passivo e que possam ser mensurados com fiabilidade.
Na realidade, o reconhecimento de gastos ocorre simultaneamente com o reconhecimento de um aumento de passivos ou de uma diminuição de ativos.
Da mesma forma, o parágrafo 89 da estrutura conceptual do SNC estabelece que os passivos devem ser reconhecidos quando for provável uma saída de recursos futuros incorporando benefícios económicos que resulte da liquidação de uma obrigação presente e que a quantia pela qual a liquidação tenha lugar possa ser mensurada com fiabilidade.
Este princípio geral de reconhecimento de passivos está transposto nas normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) que tratam de assuntos relacionados com passivos, como por exemplo, a NCRF 21 - Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes e a NCRF 27 - Instrumentos financeiros.
A NCRF 21 trata do reconhecimento de provisões, que são passivos de tempestividade ou quantia incerta, ou seja, são obrigações presentes que implicam saídas futuras de recursos que incorporam benefícios económicos, mas para os quais não se conhece com certeza o momento ou quantia dessa saída de recursos.
A NCRF 27 trata do reconhecimento de passivos financeiros, decorrentes de obrigações contratuais de pagar dívidas a terceiros.
A diferença entre os passivos, nomeadamente resultante de dívidas comerciais a pagar, os acréscimos de gastos e as provisões, é que os primeiros resultam de obrigações contratuais presentes de pagar uma quantia certa pela aquisição de um bem ou serviço.
A obrigação contratual de um passivo resulta de uma fatura ou acordo contratualmente formalizado como o credor.
Pelo que este passivo, designado de passivo financeiro nos termos da NCRF 27, deve ser reconhecido quando a entidade devedora se torne uma das partes contratuais, ou seja, quando formalmente (através de fatura ou contrato) assuma uma obrigação presente de pagar uma determinada quantia no futuro à outra parte.
Em termos práticos, os passivos apenas devem ser reconhecidos quando se receba a fatura ou assine o contrato a formalizar a dívida a pagar. É, nesse momento, que deve contabilizar essa dívida a pagar na respetiva conta corrente do credor (conta 22, 25 ou 271/8).
Os acréscimos de gastos devem ser reconhecidos por aquisições de bens ou serviços já recebidos ou utilizados, mas em que não se tenha recebido a fatura ou assinado o contrato formal com o fornecedor ou outro credor, no cumprimento do pressuposto do acréscimo.
Na prática, os acréscimos de gastos são também passivos, pois representam obrigações presentes de pagar através de saídas futuras de recursos que incorporem benefícios económicos, mas que ainda não podem ser considerados como passivos financeiros (ou outro tipo de passivo) por não estarem ainda formalmente suportados por uma fatura ou contrato assinado.
Por vezes, os acréscimos de gastos devem ser determinados através de estimativas, por não se conhecer a respetiva quantia ou a tempestividade, no entanto, a incerteza dos acréscimos são muitos menores do que nas provisões.
Os diferimentos de gastos devem ser reconhecidos por aquisições de bens ou serviços ainda não recebidos ou não utilizados, mas em que já se tenha recebido a fatura ou assinado o contrato formal com o fornecedor ou outro credor.
No caso em concreto, se o pagamento for considerado uma verdadeira caução, considerado que se trata um sujeito passivo de IRC com contabilidade organizada, em termos contabilísticos, a prestação de caução, quando por exemplo realizada em dinheiro, cumprirá a definição de ativo, devendo ser reconhecida como tal nas demonstrações financeiras da entidade.
O montante pago da caução não será considerado como um custo suportado diretamente relacionado com o contrato de arrendamento, pois não será um montante adicional a pagar pelo contrato de arrendamento, mas sim uma forma de garantia de cumprimento desse contrato, que poderá ser devolvida no final do contrato após estarem satisfeitas todas as exigências contratuais.
Assim, atendendo à natureza de uma caução na locação de um imóvel, temos que na esfera do locatário constitui-se num direito contratual (registado na conta 278 - Outros devedores e credores). Nestes termos, o pagamento de uma caução em termos contabilísticos não deverá ser considerado como um pagamento de uma renda no contrato de arrendamento, isto no princípio de que estes valores são devolvidos no final do contrato (nesse momento haverá apenas de proceder ao registo contabilístico inverso).
No caso de se tratar do pagamento antecipado de rendas, considerando que a fatura foi emitida num período anterior em relação ao período em que se deve proceder ao reconhecimento do gasto, há que proceder ao diferimento do gasto. Isto é, o registo da fatura deverá ser registado a débito da conta 281 - Gastos a reconhecer. No período de utilização da renda deve creditar-se a conta 281 por conta partida da respetiva conta de gastos.

 

 

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