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IRC e Modelo 22
28 September 2023
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem


PT27652 - IRC / Modelo 22
Julho de 2023


Determinado sujeito passivo reteve durante o ano de 2019 e 2020 algumas faturas relativas a aquisições intracomunitárias, não tendo sido essa ausência detetada em tempo útil. A falta desses documentos foi detetada em maio de 2021, tendo essas faturas sido registadas no mesmo mês.
Contudo, por lapso aquando dos procedimentos de encerramento de contas de 2021, essas faturas respeitantes aos exercícios de 2019 e 2020, não foram corrigidas e o seu valor não foi acrescido no preenchimento da Modelo 22. Para não existirem problemas futuros, é possível substituir-se as declarações modelo 22 de 2019 e 2020, considerando as referidas faturas no respetivo ano, e substituir-se também as declarações modelo 22 de 2021, retirando as faturas registadas relativas a 2019 e 2020?


A questão colocada refere-se ao registo contabilístico de faturas, rececionadas em 2021 mas com data de 2019 e 2020. Questiona qual o procedimento correto a adotar, considerando que os gastos não foram acrescidos fiscalmente na declaração modelo 22 de 2021.

Importa referir que a contabilidade deve basear-se nas operações realizadas no período, com o objetivo de se preparar e apresentar demonstrações financeiras que contenham a posição financeira e o desempenho económico verificado nesse período, independentemente de outros formalismos legais. Desta forma, as demonstrações financeiras devem ser preparadas e apresentadas atendendo ao pressuposto do regime do acréscimo (§ 22 da Estrutura Conceptual do SNC).

Com base neste pressuposto, devem ser reconhecidos gastos e rendimentos no período a que digam respeito independentemente do momento da emissão ou receção das faturas, ou dos pagamentos e recebimentos.

O regime do acréscimo ou periodização económica, patente no § 22 da Estrutura Conceptual refere o seguinte:
"... a fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas...".

De acordo com o § 92 da EC "os gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados quando tenha surgido uma diminuição dos benefícios económicos futuros relacionados com uma diminuição num ativo ou com um aumento de um passivo e que possam ser mensurados com fiabilidade. isto significa, com efeito, que o reconhecimento de gastos ocorre simultaneamente com o reconhecimento de um aumento de passivos ou de uma diminuição de ativos (por exemplo, o acréscimo de direitos dos empregados ou a depreciação de equipamento)".

Por último, o § 93 refere que "os gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados com base numa associação direta entre os gastos incorridos e a obtenção de rendimentos específicos. Este processo, geralmente referido como o balanceamento de gastos com réditos..."

Resumidamente, podemos dizer que em termos contabilísticos devemos reconhecer gastos com base numa associação direta com os réditos obtidos e quando tenha surgido uma diminuição de ativo ou aumento de um passivo.

Estando perante situações em que os saldos das contas não refletem a imagem verdadeira e apropriada, é necessário proceder aos ajustamentos ou correções de erros nas demonstrações financeiras.

Nos casos em que as Demonstrações Financeiras não estão de acordo com a realidade, a correção deverá ser prospetiva de acordo com a NCRF 4 e também o parágrafo 6 da Norma Contabilística para Microentidade (NC-ME), admitindo que é este o normativo contabilístico adotado. Os erros de períodos anteriores são corrigidos na informação comparativa apresentada nas demonstrações financeiras desse período posterior.

De acordo com o parágrafo 5 da NCRF 4 - Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros, consideram-se erros de períodos anteriores as omissões, e declarações incorretas, nas demonstrações financeiras da entidade de um ou mais períodos anteriores decorrentes da falta de uso, ou uso incorreto, de informação fiável que estava disponível quando as demonstrações financeiras desses períodos foram autorizadas para emissão e poderia razoavelmente esperar-se que tivesse sido obtida e tomada em consideração na preparação e apresentação dessas demonstrações financeiras. De acordo com o parágrafo 33 da NCRF 4, com o parágrafo 6.10 da NCRF-PE e com o parágrafo 6.8 da NCRF-ME, a correção de um erro material de um período anterior é excluída dos resultados do período em que o erro é detetado, sendo efetuada diretamente em resultados transitados.

A correção de erros materiais de períodos anteriores nunca deve ser reconhecida nos resultados do período corrente em que se esteja a efetuar a correção.

A questão da avaliação, se uma determinada operação (facto ou transação) é material, ou não, deve ser efetuada pela entidade em causa, não dependendo exclusivamente dos montantes em causa, mas também da natureza e dimensão das operações, e da situação económica e financeira da própria entidade, conforme previsto nos parágrafos 29 e 30 da Estrutura Conceptual do SNC.

O que a entidade deve verificar, para efetuar esse juízo de valor na determinação da materialidade, será aferir se esse erro irá influenciar a tomada de decisão dos utilizadores das demonstrações financeiras.

Se considerar que esse erro influenciou essa tomada de decisão deve considerar o erro como material, e proceder à reexpressão retrospetiva, ou seja, refletir na informação comparativa das demonstrações financeiras, a correção do erro de modo a efetuar os ajustamentos necessários para que estas apresentem a informação como se o erro nunca tivesse ocorrido.

No período corrente, o efeito desse erro material, com influência nos resultados de períodos anteriores, passa a estar refletido nos resultados transitados, pois decorre da correção nos resultados desse período anterior.

Em termos fiscais, o artigo 123.º do CIRC refere-se às obrigações contabilísticas das empresas, definindo a alínea b) do n.º 2 deste artigo que as operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objeto de regularização contabilística logo que descobertos.

Perante as diferenças detetadas, concluindo-se que as situações detetadas decorrem de erros contabilísticos que afetam gastos ou rendimentos de anos anteriores, haverá que proceder às correções dos saldos das contas sempre suportando os movimentos com documentos justificativos. Neste caso, estando na posse das faturas em que as despesas não foram contabilizadas, o registo contabilístico deverá ser na conta 56 - Resultados transitados se as correções assumirem grande relevo na informação veiculada pelas Demonstrações Financeiras, ou nas contas 6881/7881 - Correções relativas a períodos anteriores, no caso de correções favoráveis ou desfavoráveis resultantes de erros ou omissões relacionadas com exercícios anteriores que sejam pouco relevantes (vide parágrafo 6 da NCM - Politicas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros, parágrafos 6.1 a 6.10) ou a NCRF 4.

Como se percebe é muito diferente, imputar o erro a resultados de anos anteriores (transitados) ou ao resultado do período, principalmente se tiver existido a alteração do órgão de gestão entre esses dois períodos.

Com certeza, se um gestor deteta um erro nas contas de períodos anteriores, em que não detinha a gestão, não quer afetar os resultados do período que lhe compete.

O objetivo principal da necessidade de se proceder à reexpressão retrospetiva de erros materiais está fundamentalmente relacionado com a necessidade da existência de comparabilidade na informação financeira, nomeadamente entre diferentes períodos.

No caso da correção de erros imateriais não se aplicam os procedimentos de reexpressão retrospetiva, não se devendo proceder a qualquer reexpressão da informação comparativa das demonstrações financeiras.

Apenas quando se trate de correções de erros materiais se deve proceder à reexpressão retrospetiva da informação comparativa das demonstrações financeiras, sendo que essa correção de erros deve ser líquida dos respetivos ativos e passivos por impostos diferidos pela existência de diferenças tributáveis ou dedutíveis temporárias relativas a essas correções, conforme previsto no parágrafo 4 da NCRF 4.

Os valores registados a débito na conta 56 resultados transitados não representam variações patrimoniais negativas pelo que não devem ser inscritos no quadro 07 da declaração modelo 22.

No caso de vir a ser utilizada a conta 6881 os valores nela registados devem ser acrescidos no quadro 07 da declaração modelo 22 por se considerar que os gastos de períodos anteriores não podem influenciar o resultado tributável do período em que foram efetuadas as correções.

No caso em concreto, importa ainda considerar que as demonstrações financeiras do ano de 2019, 2020 e 2021 já foram elaboradas e aprovadas.
Relativamente a aspetos fiscais, e ao abrigo do Código do IRC, importa considerar a periodização económica ou regime do acréscimo previsto no Artigo 18.º deste diploma. Norma que impossibilita a recuperação deste gasto não reconhecido no período a que o mesmo respeita.

De acordo com o Ofício-Circulado n.º 14/93, de 23 de novembro, os sujeitos passivos "...devem os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do artigo 18.º do CIRC, não sejam consideradas componentes do exercício da sua contabilização. ".

Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC, "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas."

Relativamente à possibilidade de substitui a declaração Modelo 22, o artigo 122.º do CIRC refere o seguinte:
"1 - Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.
2 - A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal."

Deste modo, de acordo com o n.º 1 do artigo 122.º do CIRC, quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, deve ser apresentada a declaração de substituição modelo 22 desses períodos anteriores, corrigindo o respetivo lucro tributável.

Por outro lado, o n.º 2 do mesmo artigo, determina que a autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal (prazo ultrapassado para os casos em concreto).

Para além da possibilidade prevista no artigo 122.º do CIRC, em termos legais existe ainda a possibilidade de apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial, nos termos do artigo 131.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), onde é referido o seguinte:
"1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração."
Para além desta possibilidade, a lei ainda possibilita o recurso ao pedido de revisão nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), no qual destacamos o seguinte:
"1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
(...)
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional."
Face ao exposto não tendo sido relevada a dedução dos gastos fiscais Modelo 22 relativo ao exercício de 2019 e 2020, nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do CIRC, que determina que a autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal, não poderá ser apresentada a declaração de substituição, por forma a produzir o efeito pretendido.

Não obstante, e relativamente ao ano de 2021, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do CIRC, deve ser apresentada a declaração de substituição, considerando que é referido que "quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta."

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