IVA - enquadramento da aquisição de eletricidade
PT27695 - agosto de 2023
Numa determinada empresa há cada vez mais a tendência para comprar viaturas elétricas. No caso de uma determinada marca automóvel, esta envia mensalmente uma fatura de carregamentos na rede deles, que vem com NIF começado por 9, ou seja, registado em Portugal.
As faturas de carregamento das viaturas vêm com IVA a 0 por cento (autoliquidação), ao abrigo do CIVA. Na declaração periódica tem sido enviado para os campos 3 e 4 (liquidação) e campo 24 (dedução). A taxa a aplicar aos consumos que a viatura fez em vários países da UE é de 23 por cento, como em Portugal? Que campos da declaração periódica de IVA devem ser preenchidos?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se com o enquadramento fiscal da aquisição de eletricidade (postos de carregamento viaturas elétricas) noutros Estados-membros da União Europeia por um sujeito passivo português.
Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IVA (CIVA), considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Para esse efeito, a energia elétrica, o gás, o calor, o frio e similares são considerados bens corpóreos (n.º 2 do artigo 3.º do CIVA).
Para sabermos onde é que o fornecimento de energia elétrica se considera realizado, temos de analisar as regras de localização das transmissões de bens.
Localizar uma operação para efeitos fiscais significa determinar o território onde ela é tributada, ou seja, determinar o ordenamento jurídico fiscal que lhe é aplicável. Através das regras de localização das operações, o legislador estabelece determinados critérios de conexão, que nos permitem identificar o Estado com poderes para exigir o imposto devido pelas operações efetuadas entre pessoas ou entidades estabelecidas ou residentes em diferentes Estados, ou seja, estabelece as regras de «distribuição de competências do poder de tributar.»
Para a adequada localização das operações é necessário proceder, em primeiro lugar, à sua correta qualificação, da qual dependerá essa localização, que se revela, por vezes, especialmente problemática.
No n.º 1 do artigo 6.º estabelece-se a regra de localização inerente às transmissões de bens, sendo tais operações tributáveis em Portugal, quando os bens aqui se situem, no momento em que se inicia o transporte ou a expedição para o adquirente, ou no caso de não existir transporte ou expedição, no momento em que são postos à disposição do adquirente.
Esta regra aplica-se, sem reservas, se as operações forem praticadas no interior do território nacional, uma vez que, noutras circunstâncias, tal já não se verifica, pois num contexto internacional deverá atender-se também ao local de destino dos bens, à luz do princípio da tributação no destino.
No que se refere ao fornecimento de energia elétrica, após o estabelecimento do mercado interno da União Europeia, o mercado da eletricidade e do gás foi gradualmente liberalizado, tendo em vista aumentar a eficiência deste setor. Na sequência desse processo de liberalização, os mercados de energia deixaram de ser exclusivamente nacionais, tendo começado a funcionar à escala europeia.
Isto suscitou o aparecimento de novos elementos, tais como as bolsas de energia, os produtores de energia independentes, os intermediários e os comerciantes. É essa crescente liberalização que está na origem da alteração das regras relativas ao lugar de entrega do gás e da eletricidade, definidas na Diretiva 2003/92/CE do Conselho de 7 de outubro de 2003, transposta para a ordem jurídica nacional pelo artigo 47.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2005, e que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2005.
De acordo com as regras do IVA, é o «lugar de entrega» que determina o Estado-membro competente para tributar uma transação. Em conformidade com as mesmas regras, a energia elétrica e o gás são considerados bens corpóreos. Por conseguinte, e uma vez que a entrega de energia elétrica e de gás constitui uma transmissão de bens, o lugar de entrega devia ser determinado em conformidade com as regras gerais de localização das transmissões de bens.
Porém, dadas as caraterísticas da eletricidade e do gás, os seus fluxos são quase impossíveis de acompanhar fisicamente, tornando-se, por isso, extremamente difícil determinar o lugar de fornecimento ao abrigo das regras que estavam em vigor.
Mostrou-se, por isso, necessário alterar as regras de localização das operações relacionadas com o fornecimento de gás, através do sistema de distribuição de gás natural, e de eletricidade.
As regras de localização relativas ao fornecimento de gás através de uma rede de gás natural situada no território da Comunidade ou de qualquer rede a ela ligada, de eletricidade ou de calor ou de frio através de redes de aquecimento ou de arrefecimento, encontram-se atualmente previstas nos artigos 38.º e 39.º da diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA).
O artigo 38.º refere-se aos casos em que o fornecimento é efetuado a um sujeito passivo revendedor e o artigo 39.º aos casos em que o fornecimento é efetuado a um sujeito passivo consumidor.
De harmonia com o artigo 39.º da diretiva IVA, no caso do fornecimento de gás através de uma rede de gás natural situada no território da Comunidade ou de qualquer rede a ela ligada, de eletricidade ou de calor ou de frio através de redes de aquecimento ou de arrefecimento, não abrangido pelo artigo 38.º, considera-se que o lugar da entrega é o lugar onde o adquirente utiliza e consome efetivamente os bens.
De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIVA, apesar do previsto nos seus números 1 e 2, as transmissões destes bens (gás natural e eletricidade) são tributáveis em Portugal quando:
- O adquirente seja um sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade, cuja sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos os bens ou domicílio, se situe no território nacional.
- O adquirente seja um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, que não seja um sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade, que disponha de sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos os bens, ou domicílio no território nacional, e que não os destine a utilização e consumo próprios;
- A utilização e consumo efetivos desses bens, por parte do adquirente, ocorram no território nacional e este não seja sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade com sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos os bens ou domicílio fora do território nacional.
Nas situações indicadas, desde que o vendedor não disponha no território nacional de sede, estabelecimento estável ou domicílio a partir dos quais a transmissão seja efetuada, as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º que sejam adquirentes dos bens em causa, passam igualmente a ser sujeitos passivos do imposto pela respetiva aquisição (alínea h) do n.º 1 do artigo 2.º), procedendo à liquidação do imposto e respetiva dedução (alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º).
O n.º 5 do artigo 6.º do CIVA refere, por sua vez, que, não obstante o disposto nos seus números 1 e 2, as transmissões de gás, através do sistema de distribuição de gás natural, e de eletricidade, não serão tributáveis no território nacional quando:
- O adquirente seja um sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade, cuja sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos os bens ou domicílio, se situe fora do território nacional.
- A utilização e consumo efetivos desses bens, por parte do adquirente, ocorram fora do território nacional e este não seja sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade com sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos ou domicílio no território nacional.
Ou seja, dos números 4 e 5 do artigo 6.º do CIVA resultam as seguintes regras:
Regra n.º 1 - O fornecimento de eletricidade ou de gás a uma pessoa estabelecida no mesmo Estado-membro que o vendedor é tributado nesse Estado-membro, sendo o imposto devido pelo vendedor.
Uma venda efetuada a uma pessoa estabelecida fora da União Europeia não está sujeita ao pagamento do IVA comunitário.
Regra n.º 2 - O fornecimento de eletricidade ou de gás a uma pessoa estabelecida num Estado-membro diferente do Estado-membro do vendedor, caso os bens sejam adquiridos tendo em vista a sua revenda, é tributado no Estado-membro em que o adquirente está estabelecido. O devedor do imposto é o adquirente. O vendedor não está obrigado a registar-se para efeitos de IVA no Estado-membro do adquirente.
Regra n.º 3 - O fornecimento de eletricidade ou de gás a uma pessoa estabelecida num Estado-membro diferente do Estado-membro do vendedor, caso os bens não sejam adquiridos tendo em vista a sua revenda, será tributado no Estado-membro de consumo da energia.
O devedor do imposto será o vendedor, que deverá registar-se para efeitos de IVA nesse Estado-membro.
Todavia, se o adquirente da energia estiver registado para efeitos de IVA no Estado-membro de consumo da energia, será este o devedor do imposto, alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do código do IVA. Neste caso, o vendedor não será obrigado a registar-se nesse Estado-membro.
Na prática, o lugar de consumo da energia será o lugar onde o contador estiver instalado.
Para além das regras indicadas, há que salientar ainda os seguintes aspetos:
- As importações de gás, através do sistema de distribuição de gás natural, e de eletricidade, são isentas de imposto, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 13.º do CIVA.
- Deixaram de ser consideradas transmissões intracomunitárias de bens as transferências de gás, através do sistema de distribuição de gás natural, e de eletricidade.
- Como tal, tais transferências também não são consideradas aquisições intracomunitárias de bens, não devendo, por isso, as eventuais aquisições efetuadas a operadores de outros Estados-membros ser incluídas no campo 12 das declarações periódicas do IVA, mas sim, no campo 3 do quadro 06 e no campo 97 do quadro 06A dessas declarações, sendo o IVA devido inscrito no campo 4, dada a sua sujeição à taxa de 23 por cento. A dedução do IVA será efetuada nos campos 22 ou 24, conforme a utilização dada ao gás ou à eletricidade.
O fornecimento de eletricidade através de postos de carregamento, por se tratar de uma prestação complexa composta por um conjunto de serviços acessórios, tem suscitado dúvidas no sentido de se qualificar se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços [v. Acórdãos de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.º 52, e de 25 de março de 2021, Q-GmbH (Seguro de riscos especiais), C-907/19, EU:C:2021:237, n.º 19 e jurisprudência referida].
Neste sentido, o mais recente acórdão emanado pelo TJUE, processo n.º C-282/22 vem concluir que:
«Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida, que a diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que constitui uma “entrega de bens”, na aceção do artigo 14.º, n.º 1, desta diretiva, uma prestação única e complexa que inclui:
- A disponibilização de equipamentos para o carregamento de veículos elétricos (incluindo a integração do carregador no sistema operativo do veículo);
- A garantia do fluxo de eletricidade com parâmetros adaptados às baterias desse veículo,
- A assistência técnica necessária aos utilizadores em causa, e
- A disponibilização de aplicações informáticas que permitem ao utilizador em causa reservar um conector, consultar o histórico de transações, comprar créditos acumulados numa carteira digital e utilizar esta para pagar os carregamentos.»
Face do exposto, os consumos de eletricidade fornecidos através de postos de carregamento, faturados a sujeitos passivos portugueses por entidades residentes noutros Estados relativamente a carregamentos (consumos) de energia nesses Estados-membros, não são tributados em Portugal (alínea b) do n.º 5 do artigo 6.º do CIVA), cabendo ao prestador a liquidação do IVA à taxa em vigor no país de consumo.
Relativamente ao IVA suportado na aquisição (interna) de bens (mercadorias, investimentos, combustíveis, etc.) adquiridos noutros Estados-membros, porque se trata de um imposto suportado em operações realizadas fora do território nacional, não poderá ser objeto de dedução nos termos dos artigos 19.º e seguintes do CIVA.
Assim, se o sujeito passivo português que suportou imposto pago num país da comunidade, caso não tenha aí registo para efeitos de IVA, só poderá ser ressarcido desses valores através do pedido de reembolso. Se estiver registado no país em causa poderá, nos termos da legislação vigente nesse país, exercer o direito à dedução desse imposto (nesse país).
Neste âmbito, os sujeitos passivos estabelecidos no território nacional podem solicitar o reembolso do IVA suportado noutros Estados-membros, nos termos dos artigos 1.º ao 4.º do regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-membro do reembolso, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto, que transpôs para o direito interno a diretiva n.º 2008/9/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro.
Especificamente quanto aos procedimentos relacionados com o procedimento eletrónico para os pedidos de reembolso, aconselhamos a consulta das FAQ nesta ligação.
Em termos de IRC, temos de ter em atenção o que nos diz a Circular n.º 14/2008, de 11 de julho.
Esta Circular refere-nos que «sempre que não seja exercido o direito ao reembolso do IVA, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do respetivo Código.»
Assim, em termos contabilísticos existem duas hipóteses possíveis:
- Ou não se pretende solicitar o reembolso desse imposto, nessa altura o IVA suportado vai onerar o respetivo gasto que o originou e será acrescido ao valor do gasto relativo à sua natureza, ou seja, pelo seu valor total (IVA incluído).
- Ou, sabe-se à partida que irá ser solicitado o reembolso deste imposto, pelo que, desde logo a importância suportada deverá ser relevado numa conta 24 - Estado e outros entes públicos, mais propriamente numa subconta da conta mais propriamente numa subconta da conta 247 - IVA - Reembolsos pedidos a outros Estados-membros cuja denominação poderá ser o país onde o reembolso vai ser pedido. Note que, as subcontas 243x respeitam apenas a IVA nacional
Sempre que não seja exercido esse direito ao reembolso (sendo esse reembolso possível), o montante do IVA contabilizado como gasto não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do respetivo Código, terá que ser acrescido no quadro 07 da declaração modelo 22.
Sendo exercido esse direito, o IVA suportado nas condições referidas, será restituído pelo que naturalmente não fará parte dos gastos do sujeito passivo.