Pareceres
Imposto do selo - empréstimos efetuados por sócio 
8 November 2023
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

Imposto do selo - empréstimos efetuados por sócio 
PT27722 – setembro de 2023

 

Determinado sócio emprestou cerca de 100 mil euros a uma empresa, no qual é o único sócio e gerente. O empréstimo foi para aquisição de um imóvel a afetar à atividade da empresa. O sócio pode cobrar juros desse empréstimo? Qual será a taxa de juro a aplicar? Terá de fazer algum contrato?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento legal e fiscal dos empréstimos efetuados pelo sócio à sociedade.
Começamos por dar nota que, a concessão de crédito enquanto atividade, em Portugal, é reservada às instituições de crédito e sociedades financeiras. No entanto, pessoas ou entidades não financeiras podem celebrar contratos de suprimento ou de mútuo por razões determinadas e de forma ocasional, devendo haver razões justificadas para tal facto.
Importa salientar que quaisquer questões do foro jurídico relacionadas com este empréstimo estão fora do âmbito do Departamento de Consultoria da OCC e das responsabilidades do contabilista certificado, sendo dadas indicações meramente genéricas a este respeito e recomendando-se a consulta de advogado para completo esclarecimento de eventuais dúvidas.
Assim, sobre a questão do enquadramento legal, designadamente a questão da elaboração do contrato, deve ser feita por um jurista e não pelo contabilista certificado.
Não obstante, a seguir procedemos ao enquadramento genérico do tema.
Os empréstimos efetuados pelos sócios à sociedade podem ser considerados como suprimentos, quando cumpram os termos e condições previstos no artigo 243.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência (n.º 1 do artigo 243.º do CSC).
Constitui índice do caráter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta. No caso de diferimento do vencimento de um crédito, computa-se nesse prazo o tempo decorrido desde a constituição do crédito até ao negócio de diferimento. É igualmente índice do caráter de permanência a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito, quer não tenha sido estipulado prazo, quer tenha sido convencionado prazo inferior; tratando-se de lucros distribuídos e não levantados, o prazo de um ano conta-se da data da deliberação que aprovou a distribuição (números 2 e 3 do artigo 243.º do CSC).
O n.º 3 do artigo 244.º do CSC estabelece que a celebração de contratos de suprimentos não depende de prévia deliberação dos sócios, salvo disposição contratual em contrário.
Nos termos do n.º 6 do artigo 243.º do CSC, a celebração do contrato de suprimentos entre os sócios e a sociedade não está dependente de uma forma especial, podendo ser titulado por um documento escrito ou por outra forma.
Cabe aos sócios que irão assumir a realização dos suprimentos para a sociedade estabelecer os formalismos e condições desse empréstimo, conforme previsto no n.º 2 do artigo 244.º do CSC, podendo os mesmos ser efetuados a título oneroso ou gratuito, por remissão para o artigo 209.º do CSC prevista no n.º 1 do artigo 244.º do CSC.
Estes sócios podem deliberar sobre se os suprimentos devem ser titulados através de um documento escrito, se o mesmo deve ser objeto de autenticação notarial ou mesmo por escritura pública, bem como definir as condições do empréstimo, tal como o eventual estabelecimento de uma remuneração.
Caso não cumpra o conceito de suprimentos, os empréstimos efetuados pelos sócios à sociedade são considerados como mútuos, sendo regulados pelo artigo 1142.º e seguintes do Código Civil.
Tal como já referido, e voltamos a sublinhar, para a elaboração dos respetivos contratos relativos aos empréstimos dos sócios, recomenda-se a consulta de advogado ou solicitador, de modo a assegurar o cumprimento dos respetivos trâmites legais, visto que se trata de matéria que está fora da responsabilidade e âmbito do contabilista certificado.
Em termos fiscais, esta operação está sujeita a imposto do selo.
O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens (n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS)).
Tendo em conta a operação em análise, salientamos a verba 17.1 da TGIS (não sendo aplicável as verbas 17.2. e 17.3), que contempla, de facto, as operações financeiras, destacando-se, neste caso, a verba 17.1.2, que abarca o «crédito de prazo igual ou superior a um ano.»
Concluímos, deste modo, que o empréstimo efetuado à sociedade pelo sócio, à luz desta disposição, conjugada com as regras de territorialidade previstas no artigo 4.º do CIS, se encontra, de facto, sujeito a imposto do selo em território nacional.
Relativamente à incidência subjetiva, destacamos o disposto na alínea d) do número 1 do artigo 2.º do CIS, que refere que:
«1 - São sujeitos passivos do imposto:
(...)
d) Entidades mutuárias, beneficiárias de garantia ou devedoras dos juros, comissões e outras contraprestações no caso das operações referidas na alínea anterior que não tenham sido intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, e cujo credor não exerça a atividade, em regime de livre prestação de serviços, no território português.»
Ou seja, no caso de empréstimos que não tenham sido intermediados por instituições de crédito (bancos), sociedades financeiras e outras entidades similares, e cujo credor (neste caso, o sócio) não exerça a atividade económica, o sujeito passivo é a entidade mutuária (neste caso, a sociedade) e não o mutuante (o sócio), conforme disposto nesta alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.
Assim, sendo a entidade o sujeito passivo do imposto do selo nesta operação, recairá sobre a mesma a competência de liquidação do mesmo (número 1 do artigo 23.º do CIS), devendo, para o efeito, ser entregue a DMIS, conforme resulta do número 1 do artigo 52.º-A, igualmente do CIS.
Refira-se que tal enquadramento não desonera o utilizador de crédito (entidade) de suportar o encargo do imposto, tal como resulta da alínea f) do número 3 do artigo 3.º do CIS.
Ora, sem prejuízo desta sujeição, chamamos a atenção para a isenção prevista na alínea i) do número 1 do artigo 7.º do CIS, que refere que:
«1 - São também isentos do imposto:
(...)
i) Os empréstimos com características de suprimentos, incluindo os respetivos juros, quando realizados por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10 por cento e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contando que, neste caso, a participação seja mantida durante aquele período.»
Ou seja, os empréstimos com características de suprimentos (nos termos dos artigos 243.º a 245.º do CSC), incluindo os respetivos juros, encontram-se isentos de IS, desde que:
- O sócio detenha diretamente uma participação no capital não inferior a 10 por cento; e
- Essa participação:
- Tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo; ou
- Pertença ao mesmo desde a constituição da sociedade, contando que, neste caso, a participação seja mantida durante todo esse período.
Embora não resulte claro da questão, iremos partir do pressuposto de que estas condições se encontravam, à data da realização dos suprimentos, cumpridas, podendo os mesmos beneficiar, de facto, da isenção prevista na alínea i) do número 1 do artigo 7.º do CIS.
Recomendamos, neste âmbito, a análise da informação vinculativa referente ao processo n.º 2019000490 - IVE n.º 15 431, com despacho concordante de 2019-05-28, da diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Recapitulando: os empréstimos com características de suprimentos, embora, como vimos, se encontrem sujeitos a IS, poder-se-ão encontrar isentos do mesmo, desde que cumpridas as condições enumeradas anteriormente. Embora não resulte claro da questão, partimos do pressuposto que tal isenção foi aplicável aos suprimentos em análise. Tal isenção não prejudica, contudo, a obrigação, na esfera do sujeito passivo (neste caso, da empresa), de submeter a DMIS.
Relativamente ao nascimento da obrigação tributária tenha-se em conta o seguinte:
Para efeitos de IS, o nascimento da obrigação tributária ocorre no momento em que o crédito for utilizado (e não no momento em que o respetivo contrato é celebrado), conforme resulta da alínea g) do número 1 do artigo 5.º do CIS.
Significa isto, de forma sucinta, que o reembolso de qualquer empréstimo (neste caso, dos suprimentos aos sócios), em circunstâncias normais, não implica qualquer tributação fiscal em termos de IS, nem qualquer entrega da DMIS.
Contudo, relembramos que, para além das condições relativas à percentagem e duração da participação do sócio, tal como referido nas notas introdutórias, quando esteja em causa um contrato de suprimentos, o crédito deverá cumprir com a definição de «suprimento», que tanto pode implicar a sua não restituição num prazo não inferior a um ano, como a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano (ou mais) contado da constituição do crédito, quer não tenha sido estipulado prazo, quer tenha sido convencionado prazo inferior.
Por este mesmo motivo e tendo em conta a isenção acima explanada, quando sejam efetuados empréstimos pelos sócios às sociedades, mas o seu reembolso, por qualquer motivo, ocorra antes do prazo de um ano, o Código do IS estipula o nascimento de um novo facto tributário na mesma data desse reembolso [alínea m) do número 1 do artigo 5.º do CIS].
De facto, o reembolso antes de ter decorrido um ano afasta a isenção de que possam ter beneficiado os suprimentos. Caso tal aconteça, deverá a sociedade entregar nova DMIS, com referência à data de reembolso antecipado do suprimento, para proceder à liquidação do imposto devido, sem necessidade de qualquer correção ou substituição da DMIS em que a operação tenha sido declarada, inicialmente, como isenta.
Quanto aos juros, de referir que os termos e condições do contrato, nomeadamente definição de prazos de reembolso, e determinação de taxa de juro caso seja estipulado entre as partes deverá ser contratualizado de forma idêntica aos que normalmente seriam contratados por entidades independentes, em operações idênticas. Neste sentido, deve ser aferida a existência de relações especiais nos termos do artigo 63.º do CIRC.
O n.º 1 do artigo 63.º do CIRC transmite-nos que:
«Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.»
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, considera-se que existem relações especiais entre duas entidades «nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto;
(...).»
Nos contratos estando convencionado entre as partes o pagamento de juro, como retribuição desse empréstimo, a taxa de juro desses empréstimos é considerada uma taxa supletiva, ou seja, não pode exceder os juros legais acrescidos de 3 ou 5 por cento, conforme exista, ou não, garantia real, sob pena de ser considerado usura. Os juros legais estão estabelecidos atualmente em 4 por cento, pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril de 2003, ao abrigo do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil.
Se for definida uma taxa de juro considerada usurária, conforme explicado em cima, apenas é devido o juro até ao limite da taxa legal acrescida das percentagens mencionadas, independentemente do acordado entre as partes.
Este tipo de contratos presume-se oneroso no caso de dúvida, nos termos do n.º 1 do artigo 1145.º do CC.
Existindo o pagamento de juros, os mesmos não estão sujeitos a imposto do selo, atendendo a que não são debitados por instituição financeira.
 

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