IVA - regularizações
PT27773 - outubro de 2023
Determinada empresa com a atividade de construção civil fez uma fatura relacionada com serviços de construção civil em junho de 2023.
Esta fatura foi feita com IVA a 23 por cento, quando deveria ser feita com IVA autoliquidação pelo facto de ter sido faturado a uma outra empresa de construção, também sujeito passivo de IVA no regime normal.
Por atraso na entrega deste documento, apenas no mês de outubro a contabilidade recebeu esta fatura e identificou o erro, pedindo assim que o mesmo fosse retificado com nova fatura, nota de crédito da fatura anterior e o valor do IVA fosse devolvido à empresa que adquiriu os serviços.
Tanto a empresa, como a contabilidade da empresa que emitiu a fatura mostram-se indisponíveis para fazer tal retificação. Quais os procedimentos que devem ser efetuados com vista a regularizar esta situação?
Parecer técnico
A questão colocada relaciona-se com os procedimentos para retificação de uma fatura que foi emitida com IVA, tendo a operação enquadramento na autoliquidação prevista para a construção civil.
No caso em concreto, a entidade recebeu inicialmente uma fatura com IVA à taxa de 23 por cento. Após ter reclamado junto do fornecedor, alegando que a operação está abrangida pela inversão do sujeito passivo, o fornecedor recusasse a emitir uma nota de crédito e uma nova fatura.
Atendendo à situação exposta, começamos por efetuar o enquadramento da inversão do sujeito passivo nos serviços de construção civil.
Nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA) são sujeitos passivos de imposto «as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.»
Assim, a inversão do sujeito passivo aplica-se quando, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:
- Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil (englobando todo o conjunto de atos necessários à concretização de uma obra, independentemente do fornecedor ser ou não obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção (revogando o Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro e a Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro);
- O adquirente ser sujeito passivo de IVA, em território nacional e, aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.
Através do ofício-circulado n.º 30 101, de 24 de maio de 2007, a Área de Gestão Tributária - IVA divulgou instruções administrativas sobre a aplicação da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, anexando os seguintes documentos:
- Anexo I, com lista exemplificativa (não exaustiva) de serviços aos quais se aplica a regra de inversão; e
- Anexo II, com uma lista de serviços aos quais não se aplica a regra de inversão. Assim, a inversão do sujeito passivo aplica-se quando, cumulativamente:
- Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil, englobando todo o conjunto de atos necessários à concretização de uma obra (entendendo-se, no mencionado oficio, como obra «todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo»), independentemente do fornecedor ser ou não obrigado a possuir alvará ou título de registo, nos termos da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção; e
- Adquirente ser sujeito passivo de IVA, em território nacional e, aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.
Atendendo aos esclarecimentos constantes do ofício-circulado n.º 30 101, relativamente à norma da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, deve entender-se que:
- A mera transmissão de bens, sem qualquer prestação de serviços de instalação/montagem associada, por parte ou por conta de quem os forneceu, não se encontra abrangida pela norma;
- A entrega de bens, com montagem/instalação na obra, considera-se abrangida pela norma da inversão do sujeito passivo, desde que se trate de trabalhos abrangidos pela Lei n.º 41/2015, de 3 de junho (que revogou o Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro), na sua redação atual;
- Os bens que, de forma inequívoca, sejam considerados bens móveis (ou amovíveis, em sentido lato), isto é, que não estejam ligados materialmente a bem imóvel, com caráter de permanência, encontram-se excluídos da norma de inversão do sujeito passivo.
A Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, define como obra a atividade e o resultado de trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reabilitação, reparação, restauro, conservação e demolição de bens imóveis, designadamente em «Armaduras para betão armado» e «Cofragens» (vd., respetivamente, subcategorias r) e s) do anexo II).
Assim, se determinada operação reunir as condições cumulativas referidas nos anteriores pontos, é obrigatório observar o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, cabendo ao adquirente (inversão do sujeito passivo) a liquidação e entrega do imposto que se mostre devido (sem prejuízo do seu direito à dedução, nos termos gerais do CIVA, designadamente nos termos dos seus artigos 19.º a 26.º), devendo a fatura emitida pelo prestador dos serviços conter a expressão «IVA – autoliquidação», nos termos do n.º 13 do artigo 36.º do CIVA (ver Ofício-Circulado n.º 30 101).
O IVA devido pelo adquirente deve ser liquidado na própria fatura recebida do prestador de serviços ou, em caso de não recebimento da fatura e, subsistindo a obrigação de autoliquidação, deve esta processar-se em documento interno.
Quanto à questão do documento retificativo da primeira fatura emitida pelo fornecedor, somos o seguinte entendimento:
Face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, os sujeitos passivos são obrigados a emitir fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços realizada.
Por sua vez, o n.º 7 do artigo 29.º do Código do IVA, refere que «(...) quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo de fatura(...).»
Relativamente ao documento retificativo à fatura, estabelece o n.º 6 do artigo 36.º do Código do IVA que «(...) as guias ou notas de devolução e outros documentos retificativos de faturas devem conter, além da data e numeração sequencial, os elementos a que se refere a alínea a) do número anterior, bem como a referência à fatura a que respeitam e as menções desta que são objeto de alterações(...).»
O ofício-circulado n.º 30 141/2013, de 4 de janeiro, acerca dos procedimentos ao nível da faturação, refere:
«(...) As notas de crédito e as notas de débito são documentos retificativos de fatura, podendo ser emitidos pelos sujeitos passivos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços, desde que observados os seguintes requisitos:
- Resultem de acordo entre os sujeitos passivos intervenientes, fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e adquirente ou destinatário dos mesmos;
- Sejam processados em cumprimento do disposto no n.º 7 do artigo 29.º, ou seja, quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão;
- Contenham os elementos a que se refere o n.º 6 do artigo 36.º, dos quais se realça a referência à fatura a que respeitam (...).»
Sobre a retificação de faturas, transcrevemos o ponto 14 do Ofício-Circulado n.º 30 136:
«14. De harmonia com a nova redação do n.º 7 do artigo 29.º, quando o valor tributável de uma operação ou o correspondente imposto sejam alterados, por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo da fatura (nota de crédito ou de débito), o qual deve conter os elementos referidos na alínea a) do n.º 5 do artigo 36.º, bem como a referência à fatura a que respeita e a menção dos elementos alterados.
As guias ou notas de devolução devem conter os mesmos elementos.
Não pode, assim, ser emitida nova fatura, como forma de retificação do valor tributável ou do correspondente imposto, sem prejuízo da possibilidade de anulação da fatura inicial e sua substituição por outra, quando a retificação se deva a outros motivos.»
Face ao exposto, para regularização da primeira fatura, o fornecedor poderá optar por emitir uma nota de crédito a retificar o valor faturado a mais ou anular a fatura inicial e emissão de uma nova fatura de substituição.
Para o efeito, na primeira fatura recebida do fornecedor, a entidade não deve deduzir o IVA que foi indevidamente liquidado e deverá proceder à autoliquidação derivado dos serviços de construção civil, utilizando para o efeito o valor sem IVA faturado pelo fornecedor.
Se o sujeito passivo fornecedor não retifica a fatura ou o adquirente assume o valor do imposto liquidado, o valor do IVA pago indevidamente não será custo fiscalmente aceite.
Relativamente a esta operação, começamos por referir que para uma entidade pessoa coletiva, a dedução de gastos terá de atender antes de mais ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC, onde são elencados os gastos e perdas que podem ser deduzidos, referindo o seu n.º 1 que na determinação do lucro tributável (regime geral), são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
O artigo 23.º do CIRC dá primazia ao facto do gasto ser efetivamente incorrido no exercício da atividade do sujeito passivo.
Claro que existem ainda outras normas aplicáveis, como acontece, por exemplo, com as limitações do artigo 23.º-A do CIRC. Este artigo, na alínea f) do seu n.º 1, determina a não dedutibilidade fiscal de «impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar (...)» mesmo quando contabilizados como gastos do exercício.
Ou seja, se a entidade adquirente assumir o IVA contido na fatura indevidamente, não havendo lugar a retificação da fatura, não será gasto aceite fiscalmente.
Não obstante, o facto de a fatura ser erradamente emitida e liquidada, não altera a substância sob a forma da operação subjacente, ou seja, continua a ser serviços de construção civil, em que nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, o sujeito passivo da operação continua a ser o sujeito passivo adquirente.
Nos termos do artigo 16.º do CIVA, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
Neste sentido, o valor tributável da operação, será o valor acordado do serviço, excluído do IVA pago indevidamente, uma vez que o mesmo não faz parte do serviço (e já foi entregue pelo prestador de serviço à Autoridade tributária e Aduaneira).
No que se refere à dedução, conforme o artigo 19.º do CIVA, só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo em faturas passadas na forma legal. Consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.