Realizações de utilidade social e rendimentos em espécie
PT27816 – novembro de 2023
Determinada empresa decidiu atribuir à generalidade dos trabalhadores um seguro de saúde, tendo como condição pertencer aos quadros da empresa na hora da sua subscrição.
No entanto, os seguros têm capital e coberturas diferentes para o pessoal administrativo e gerência.
Esta diferenciação faz com que não cumpra os critérios de dedutibilidade previstas no artigo 43.º, n.º 4 do CIRC?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao enquadramento fiscal relativo à atribuição de seguros de saúde à generalidade trabalhadores. No caso em concreto refere que a entidade tem duas apólices, sendo uma referente à totalidade dos trabalhadores e outra para os membros dos órgãos estatutários, sendo que esta última apólice tem uma maior cobertura.
As importâncias despendidas com seguros de saúde constituídos a favor dos trabalhadores e sócios-gerentes poderão ser consideradas como gastos fiscais, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e do artigo 43.º do CIRC, desde que se insiram neste âmbito.
Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do CIRC, são considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15 por cento das despesas com o pessoal contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contratos de seguros de doença ou saúde em benefício dos trabalhadores, reformados ou respetivos familiares.
Para que os referidos gastos sejam dedutíveis é ainda essencial que se encontrem verificados cumulativamente os requisitos previstos no n.º 4 do mesmo artigo, pelo que é necessário que os benefícios sejam estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa, segundo um critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional e não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
Refira-se que, nos termos da alínea e) do artigo 2.º-A do CIRS, não se consideram rendimentos de trabalho dependente «as importâncias suportadas pelas entidades patronais com seguros de saúde ou doença em benefício dos seus trabalhadores ou respetivos familiares desde que a atribuição dos mesmos tenha carácter geral», entendendo-se que terá caráter geral se for atribuído a todos os trabalhadores em condições idênticas, não podendo a sua atribuição estar sujeita a outras condições adicionais impostas pela entidade empregadora. De facto, o conceito de «caráter geral» deve ser o mesmo, quer para efeitos de IRS quer para efeitos de IRC.
Tem sido entendimento da administração fiscal que os montantes despendidos para pagamento de prémios de seguros de saúde não serão considerados rendimentos de trabalho dependente ao abrigo do n.º 3 da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, pois não existe uma vertente poupança/capitalização, na medida em que nunca se verifica quer a antecipação da correspondente disponibilidade quer o recebimento em capital, mas apenas uma indemnização em caso de acidente ou doença, que fica excluída da tributação ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 12.º do CIRS.
Assim apresentam-se duas situações possíveis:
- As importâncias despendidas com esses seguros configuram rendimentos de trabalho dependente do respetivo beneficiário, neste caso, são custos totalmente dedutíveis na esfera da entidade patronal.
- As importâncias despendidas não configuram rendimentos de trabalho dependente na esfera do beneficiário, neste caso deveremos então analisar se esta situação é ou não passível de enquadramento no âmbito do artigo 43.º do CIRC.
Face ao disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRC, são considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15 por cento das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença.
Para que tais gastos sejam dedutíveis é necessário que sejam respeitadas as condições referidas no n.º 4 do mesmo artigo. Assim, os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da entidade ou no âmbito de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem.
Contudo, por força do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRC, os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
No que se refere à atribuição de coberturas e capitais cobertos distintos no âmbito do seguro de saúde contratado pela empresa empregadora, esta questão foi apreciada a título vinculativo pela Autoridade Tributária (AT) no âmbito do processo n.º 3 139/2017, sancionado por despacho da diretora de serviços, de 10 de abril de 2018.
Concluiu-se que, quando os seguros de saúde são diferentes, quer ao nível das coberturas quer ao nível dos capitais previstos, as condições estabelecidas para gerentes e quadros superiores são distintas das estabelecidas para os restantes trabalhadores, não resultando tal diferenciação de critérios constantes de convenção coletiva de trabalho aplicável, é de concluir que os contratos de seguros de saúde não cumprem os requisitos previstos na al. b) do n.º 4 do artigo 43.º do Código do IRC, uma vez que os benefícios não são estabelecidos segundo um critério idêntico para todos os trabalhadores e que tal diferença não resulta de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável no caso concreto.
Assim, concluiu-se que os gastos suportados com tais contratos de seguros não são fiscalmente dedutíveis, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRC.
Assinale-se que este requisito pode deixar de se verificar, sem prejuízo da dedutibilidade fiscal, desde que seja demonstrado que a diferenciação introduzida tem por base critérios objetivos, designadamente em caso de entidades sujeitas a processos de reestruturação empresarial (n.º 14).
É ainda de assinalar que a avaliação do «critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores» já foi objeto de vários escrutínios nos tribunais superiores e por parte da AT, em que se alcançaram as seguintes conclusões:
- Se do contrato ficarem excluídos apenas os trabalhadores cujo contrato de trabalho ainda não tenha perfeito um ano ou que não tenham ainda trabalhado durante todo um ano civil, respetivamente, num critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores, não há motivo para desconsiderar como custos fiscais os prémios de seguro pagos com essas realizações de utilidade social.
- A dedutibilidade fiscal também não fica prejudicada caso haja trabalhadores que, num plano de benefícios flexíveis, não pretendam ser abrangidos por qualquer um dos benefícios, desde que comuniquem tal intenção à empresa por escrito e desde que cumpridas as demais condições estabelecidas pelo artigo 43.º do Código do IRC.
Assim, se as importâncias despendidas com os seguros de saúde se enquadrarem no âmbito do artigo 43.º do CIRC, não estarão sujeitas a IRS nem a Segurança Social, na medida em que também não serão consideradas rendimentos de trabalho dependente, sem prejuízo de serem incluídos na DMR-AT com o código A23. Contabilisticamente, sugerimos que estes gastos sejam reconhecidos na conta 6263 - Seguros.
Face ao exposto, e respondendo à questão em concreto, no caso da constituição de um seguro de saúde com critérios de atribuição diferentes quer a nível de cobertura que a nível dos capitais previstos, se tal diferenciação não resultar do cumprimento de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, os gastos suportados com esses contratos não são fiscalmente dedutíveis nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do CIRC.
Fora deste enquadramento do artigo 43.º do CIRC, os referidos gastos poderão configurar rendimento de trabalho dependente dos trabalhadores beneficiários, enquadrável na previsão geral da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, sujeito a tributação na esfera pessoal dos respetivos trabalhadores, caso em que, na esfera da empresa, em sede de IRC, serão considerados gastos (subconta da 63 - Gastos com o pessoal), nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
Neste último cenário, o que nos parece aplicar-se ao caso em concreto, tratando-se de rendimentos da categoria A, o seguro será considerado rendimento em espécie e, portanto, dispensado de retenção na fonte (alínea a) do n.º 1 do artigo 99.º do CIRS). Na ausência de um código mais específico, o rendimento atribuído deverá figurar na DMR-AT com o código A.