«A batalha, sempre, pela justiça» é o seu lema de vida e que pretende nortear a sua missão na liderança do novo órgão da OCC. Na primeira entrevista desde que assumiu a função, Joana Barata Lopes dá a conhecer o funcionamento do provedor dos destinatários dos serviços.
Contabilista – A figura do provedor dos destinatários dos serviços é uma das mais importantes novidades do regime jurídico das ordens profissionais. Como reagiu ao convite, e posterior designação, por parte da bastonária, após proposta do conselho de supervisão, para assumir este cargo?
Joana Barata Lopes – Quando o convite me foi formulado senti um misto entre o entusiasmo e a responsabilidade. Ainda para mais sendo uma nova figura na orgânica da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), espero estar à altura do desempenho deste desafio e desta missão, correspondendo às expetativas criadas. A criação deste órgão é também uma forma de a Ordem demonstrar à sociedade que se preocupa que esta profissão seja desempenhada da melhor maneira possível. Acompanhei de muito perto a construção do estatuto das várias ordens profissionais, depois de já o ter feito, anteriormente, em 2013, sempre enquanto deputada à Assembleia da República (AR), o que faz com que olhe, de forma duplamente relevante, para a importância destas entidades.
Apesar de ser uma personalidade independente, como prevê o estatuto, de que forma tem acompanhado a evolução da profissão e, já agora, que conhecimento tinha desta instituição e dos seus membros?
Como disse anteriormente, comecei a exercer o cargo de deputada em 2011 e ao longo das várias legislaturas acompanhei de muito perto os vários processos relativos às associações públicas profissionais e o interesse público que têm como função defender. A OCC foi uma entidade que esteve, desde a primeira hora, particularmente ativa no acompanhamento do último processo de revisão de estatutos na AR – já com a lei-quadro tinha sido assim – com os seus dirigentes a demonstrarem que têm bem claro o que defendem: por um lado, aquilo que é a profissão e, ao mesmo tempo, tudo fazer para defendê-la na prossecução do interesse público. Todos reconhecem – até as pessoas com menos afinidades ou ligadas à profissão – que a evolução e o crescimento tem sido imenso, com conquistas tanto para os profissionais como para os próprios cidadãos que são utentes dos serviços de contabilidade. Garantir a dignificação constante da profissão e dos seus profissionais, sempre na defesa do interesse público e na prestação do melhor serviço, é um objetivo que está bem expresso, por exemplo, com a entrada em vigor das «férias fiscais». Isso é reconhecido, transversalmente, inclusive por pessoas sem ligação à Ordem. E é, precisamente, esta lógica de atuação que acaba por desembocar no papel do provedor dos destinatários dos serviços.
Integrou, na última legislatura, o grupo de trabalho parlamentar das ordens profissionais. A primeira proposta do estatuto apresentada pelo governo de então mereceu uma contundente reação por parte da bastonária da OCC. Como acompanhou, de uma forma geral, o conturbado processo de alteração dos estatutos das ordens profissionais portuguesas?
O processo foi mal gerido e pior conduzido. Enquanto deputada do grupo parlamentar do PSD, alertei para o escasso tempo que foi dado para as ordens refletirem sobre o conteúdo da primeira proposta apresentada, bem como para as lacunas materiais e formais do documento. Recordo bem que em 2013 existiam propostas de lei diferentes para cada um dos estatutos das ordens. Em 2023 foi feito tudo em conjunto, sem olhar às diferenças entre as várias associações públicas profissionais, o que não foi favorável para o processo legislativo. Este processo atabalhoado vai ao encontro com a perceção que, aqui e ali, existe na sociedade que as ordens são elementos dispensáveis. E não são. No fundo, acabam por suprir a manifesta incapacidade do Estado para garantir o interesse público das profissões. Em suma, foi uma pena o processo ter corrido assim, até porque considero fundamental a forma como regulamos a nossa sociedade do ponto de vista das profissões.
Durante este longo processo, o debate sobre a extinção de algumas ordens profissionais voltou a ser tema de conversa…
De facto, não deve haver ordens para todas as profissões. Pelo menos para mim isso é claro e assumi-o na minha função enquanto deputada. Inclusive o meu grupo parlamentar votou contra as últimas duas ordens que foram criadas, argumentando que, nesse caso concreto, o Estado era bastante para garantir a defesa do interesse público. Ainda sobre o processo legislativo, permita-me referir que a OCC era, notoriamente, a entidade que melhor preparada estava, e isso viu-se no modo, mesmo a correr contra o tempo, como analisou as propostas enviadas pelo governo, nas reuniões que manteve com os grupos parlamentares e até nas audições que foram feitas pelo grupo de trabalho. Foram meses muito intensos e eu, enquanto legisladora que era, só posso agradecer o empenho que esta e outras ordens tiveram para termos uma melhor perceção do processo legislativo.
Com a obrigatoriedade deste órgão, o Estado não demonstra alguma desconfiança face ao rigor e deontologia das ordens profissionais, com vista à prossecução do interesse público?
Não, eu interpreto de modo contrário. Com a introdução deste órgão, são as próprias ordens que transmitem aos destinatários dos serviços que têm uma figura a quem podem recorrer. E é a assunção que a própria associação pública quer a profissão o mais séria e rigorosa possível. Do conhecimento que já tenho desta Ordem, ainda antes da existência do órgão do provedor já existia a vontade de melhorar os procedimentos internos tendo em vista proporcionar o melhor serviço possível e com esta prática promover a importância e a qualidade dos seus profissionais. Em termos práticos, no caso vertente da OCC, o provedor acabou por reforçar ou institucionalizar uma lógica de ação que já existia.
O facto de não ter poder decisório acaba por limitar a sua função?
Não creio. O provedor é uma personalidade independente que tem a função de avaliar e analisar o que lhe chega, usando os vastos mecanismos que a Ordem dispõe. Mas o que me parece fundamental é que a sociedade sabe que a OCC, e as ordens em geral, têm um órgão a quem podem recorrer se tiveram algo a apontar ao serviço prestado. Se tiver de atuar disciplinarmente, o provedor reencaminha o assunto para o órgão competente. Mas sempre garantindo que existirá um trabalho prévio entre o provedor e a mediação e só depois é que se concluirá ser ou não esse o caminho adequado. Não se pode tomar uma decisão dessas de ânimo leve e se não tiverem sido analisados os contornos que a situação configura.
A análise ao teor das queixas, por parte do provedor, pode não ser a mais correta e precisa por ser um elemento externo à profissão e também pela tecnicidade associada?
Como disse, conto com o background e o conhecimento técnico dos serviços e dos colaboradores da Ordem para me auxiliarem, sempre que necessário. Aliás, nos emails que tenho recebido, o provedor faz o acompanhamento do início ao fim de cada exposição, não obstante ter reencaminhado a mensagem para o serviço da Ordem com a competência específica. Por isso, esta permanente articulação é fundamental.
O email é o suporte preferencial de contacto com a provedora ou existe a possibilidade de o destinatário dos serviços solicitar uma reunião presencial?
O email provedor@occ.pt é a via preferencial de contacto. Após análise da exposição, a mesma é reencaminhada para o serviço competente. Mas se o destinatário dos serviços entender que o melindre ou delicadeza do caso assim o exige, estou disponível para reunir presencialmente com quem solicitar. Basta que formalize essa vontade.
Independentemente do teor das queixas escritas, para além de factuais, fundamentadas e sólidas, sugere algum tipo de abordagem específica?
O email, por ser o primeiro contacto, não precisa de ser complexo. Necessita apenas de ser o mais claro e direto possível, como se estivesse a relatar a alguém o que se passou. Já recebi emails com formatos diferentes. Mas, o essencial é que façam uma descrição geral, identificando o alegado dano causado por um ou por uma contabilista. O que não constar na primeira informação, será pedido a posteriori pelos serviços da OCC, seja a contextualização adicional ou o pedido para anexar documentos, para darem mais robustez à análise técnica.
Qual o teor das exposições que chegaram até si desde que tomou posse, em julho?
Há que dizer que, entretanto, meteram-se as férias e do contacto que tenho mantido com o conselho diretivo, concluímos que, de uma forma geral, os utentes ainda não conhecem a figura do provedor. O que é normal. Esta entrevista é apenas mais um mecanismo para fazer chegar a informação às pessoas. E é importante passar a seguinte mensagem: este órgão não é contra os contabilistas certificados, é a favor de uma profissão e de profissionais que querem sempre fazer o melhor possível. Os emails que recebi, de um modo geral, têm sido reencaminhados. Tenho também recebido emails de contabilistas em nome de clientes, ou seja, os destinatários dos serviços, dando conta que existe um diferendo entre o profissional “X” e o cliente “Y”. Neste caso concreto, a mensagem segue para a mediação de conflitos. Ainda assim, e sempre que entra através do meu email, fico sempre ao corrente sobre o percurso e a resolução desta mensagem. Outros casos que também recebo com frequência, dizem respeito a relatos de pessoas que sentem que foram lesadas pelo contabilista – ou por não conseguirem entrar em contacto com ele, ou por ele não ter informado o cliente da data dos prazos para cumprir as obrigações.