PT24673 – Abate de
inventários
09-04-2020
Determinado empresário em nome
individual está no regime simplificado e tem como atividade principal o
comércio a retalho de artigos para o lar, nomeadamente louças e afins, e como
atividades secundárias o comércio a retalho de jornais, revistas e tabaco. Como
tem a atividade aberta há muitos anos, foi acumulando o valor do inventário,
devido ao facto de não se ter verificado qualquer abate de existências,
nomeadamente de furtos que aconteceram no estabelecimento mais propriamente de
tabaco, e de loiças e afins que se estragaram ou ficaram obsoletas. O
empresário, devido à idade, quer cessar atividade e tentar vender o que ainda
lhe resta no estabelecimento que não corresponde ao que tem no inventário,
sendo de um valor muito mais baixo. Como se processa o abate das existências
que não existem? Basta elaborar uma lista das coisas e guardar junto à
documentação, ou é necessário fazer alguma comunicação à Autoridade Tributária?
Acerca das existências, se as vender a um valor mais baixo do que consta no
inventário é necessário justificar esse facto à Autoridade Tributária?
Parecer técnico
Na
situação em análise são colocadas questões sobre o formalismo que deverão ser
cumpridos, por parte de um empresário em nome individual, enquadrado no regime
simplificado, para a regularização e alienação de inventários. No caso em
concreto, o empresário tem registadas mercadorias que já não existem
fisicamente. Os bens que existem são bens obsoletos, cujo o preço de venda é
inferior ao preço de custo.
Relativamente
à venda dos inventários existentes, no caso de o objetivo passar por campanha
promocional, realçamos que foi recentemente publicado o Decreto-Lei n.º
109/2019, de 14 de agosto, que procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º
70/2007, de 26 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de
janeiro, que regula as práticas comerciais com redução de preço.
Este
diploma simplifica e harmoniza os procedimentos que os comerciantes devem
cumprir sempre que comunicam à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica
(ASAE) que pretendem realizar vendas em saldo ou em liquidação.
Para
o efeito, a venda sob a forma de liquidação poderá ficar sujeita a uma
declaração emitida pelo operador económico dirigida à ASAE, através do Portal
«e.Portugal» (vide redação dada pelo Decreto-Lei n.º 109/2019, ao artigo 13.º
do Decreto-Lei n.º 70/2007), até 15 dias úteis antes da data prevista para o
início da liquidação.
Não
obstante, para mais informação sobre tais formalismos a cumprir remetemos a
consulta diretamente à referida entidade (ASAE).
Em
termos contabilísticos e fiscais, não há qualquer procedimento especial a
efetuar, devendo o sujeito passivo estar preparado para poder demonstrar a
razão de venda abaixo do preço de custo.
Em
sede de IVA, o valor tributável da operação será o valor da contraprestação
obtida ou a obter do adquirente, de acordo com o n.º 1 do artigo 16.º do Código
do IVA.
A
venda encontra-se sujeita a IVA e na base tributável deve ter-se presente o
"valor real" da operação. Devem ser incluídas as importâncias pagas
ou a pagar, devendo o sujeito passivo liquidar o IVA à taxa correspondente, de
acordo com o artigo 18.º do CIVA, sobre o preço de venda, concorrendo este IVA
liquidado para o apuramento periódico de IVA.
De
notar que, na transmissão onerosa dos bens afetos à atividade, ou seja, na sua
venda existirá sempre liquidação de IVA, exceto se aplicável as isenções do
artigo 9.º, n.º 30 ou n.º 32 do CIVA, considerando em ambas as situações que o
empresário seja sujeito passivo de IVA, e que não pratique exclusivamente
operações isentas.
No
caso do empresário optar pelo abate dos inventários, recorde-se que a
deterioração, obsolescência de bens que originem o seu abate físico, leia-se,
destruição física, não implica a liquidação do IVA, desde que, devidamente
comprovado através de auto de abate.
O
Ofício-Circulado n.º 35 264 – SIVA, de 24 de outubro de 1986, diz-nos
relativamente aos bens inutilizados - Bens deteriorados e obsoletos que «não
existe obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação
junto dos serviços de administração fiscal nos moldes anteriormente previstos
no artigo 26.º-A do Código do Imposto de Transações. Os sujeitos passivos,
porém, têm vantagem em ter na sua posse elementos justificativos das faltas nas
suas existências dos bens destruídos ou inutilizados, como forma mais segura de
elidir a presunção prevista no artigo 80.º do CIVA (agora 86.º do CIVA), pelo
que nos casos em que procedam a essa destruição ou inutilização, lhes é
recomendável proceder à prévia comunicação desses factos - indicando o dia e
hora - aos serviços competentes, a fim de que os agentes de fiscalização
possam, se assim o entenderem, exercer o devido controlo. Em qualquer caso, os
sujeitos passivos, no seu próprio interesse, poderão elaborar e conservar um auto
de destruição ou inutilização dos bens objeto de abate, testemunhado pelas
pessoas estranhas ou não à empresa que presenciaram aquele ato.»
Não
existe obrigação legal para o abate dos bens de inventário, mas aconselha-se a
comunicação prévia ao serviço de Finanças (caso o desejem e possam estar
presentes para testemunhar a ocorrência), pois desta forma ilide-se a presunção
prevista no artigo 86.º do CIVA, pois a Autoridade Tributária poderia presumir
que, como os bens não existiam tinham sido transmitidos, alienados.
Face
ao exposto, no caso em análise somos da opinião que quando o empresário efetuar
a venda dos inventários "obsoletos" quando estiver a faturar os
chamados "monos", deve liquidar IVA ao preço de venda,
independentemente de se tratar de um valor abaixo do preço de custo (em caso de
liquidação total dos stocks o
critério a adotar será o mesmo).
Para
a regularização dos inventários, não é obrigatório comunicação prévia à
Autoridade Tributária e Aduaneira, no entanto, no sentido de afastar a presunção
prevista no artigo 86.º do CIVA, aconselhamos a documentar todos os bens alvo
de abate (por exemplo, auto de polícia pelos furtos, testemunhas presentes no
momento do abate, etc.).
Não
existindo possibilidade de venda dos bens, nem se pretendendo abater os bens, pode
o empresário optar por afetá-los à sua esfera pessoal, desde que sejam
suscetíveis de serem usados na esfera privada.
A
afetação de mercadorias e matérias-primas à esfera particular (pelo seu valor
de mercado, em conformidade com o artigo 29.º do CIRS) determina o apuramento
de resultados operacionais, devendo ser liquidado o correspondente IVA, à
semelhança do que se sucede com os bens do ativo fixo tangível (artigo 3.º, n.º
3, alínea f) do CIVA).
Para
efeitos de IRS, a transferência para o património particular do sujeito passivo
de bens afetos ao exercício de atividades profissionais e empresariais (quer
seja por motivo de cessação da atividade, quer seja por qualquer outro motivo),
gera apuramento de mais-valias no âmbito da categoria B (artigo 3.º, n.º 2,
alínea c), do CIRS) e outros proveitos.
Tratando-se
de inventários, a afetação a uso pessoal do ENI determina o apuramento de
rendimentos operacionais em sede de IRS. Não
queremos deixar de alertar para o facto de que a afetação à esfera pessoal de
bens e mercadorias utilizados numa atividade, pressupõe a sua possível
utilização na esfera privada. Por isso, se o empresário mantém a pretensão de
continuar a atividade não deve proceder à cessação da atividade.