Opinião
Ordem nos media
Actividade independente e recibos verdes
9 Março 2007
Artigo de Sandra Bernardo, consultora da CTOC

                                                        

O exercício de uma actividade independente, cumulativamente ou não com outra actividade profissional, levanta sempre questões quanto à sua forma de tributação e regimes aplicáveis, quer em sede de imposto sobre o rendimento, quer em sede de imposto sobre o valor acrescentado e mesmo de Segurança Social, mas também quanto às obrigações acessórias que decorrem dessa actividade.
Entre estas obrigações acessórias está incluída a obrigatoriedade de emissão de documento de suporte à actividade praticada.
Os titulares de rendimento da categoria B estão, então, obrigados a:
"a)        A passar recibo, em impresso de modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, pelas prestações de serviços referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, bem como dos rendimentos indicados na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo; ou
b)         A emitir factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens, prestação de serviços ou outras operações efectuadas, e a emitir documento de quitação de todas as importâncias recebidas.".

A transcrição é do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IRS, relativa ao documento de suporte a emitir pelos sujeitos passivos da categoria B no exercício da sua actividade, sendo o "impresso de modelo oficial" a que se refere a alínea
a) - vulgarmente conhecido por "recibo verde" - o impresso de modelo 6, criado pela Portaria 950/89, de 23 de Outubro, e alterado pela última vez pela Portaria n.º 102/2005, de 18 de Janeiro.
O referido impresso destina-se, portanto, a servir de suporte aos rendimentos derivados de prestações de serviços efectuadas no âmbito de uma actividade exercida por conta própria ou rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial.
Da perspectiva do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), os titulares de rendimentos desta categoria, sujeitos passivos de IVA, que não beneficiem de nenhuma isenção neste imposto, deverão ainda ter em consideração as normas aplicáveis quanto à obrigatoriedade de emissão de documento e prazos para o fazer.
Nas prestações de serviços, o facto gerador do IVA verifica-se no momento da sua realização, ficando o fornecedor do serviço obrigado à emissão do respectivo documento no prazo de cinco dias úteis a contar do momento da conclusão desse mesmo serviço.
Considerando que um "recibo" é uma declaração escrita de se ter recebido alguma coisa, ou de quitação de uma dívida, deve apenas ser emitido aquando da extinção daquela. Aqui, poderá colocar-se um problema ao beneficiário de rendimentos da categoria B que emita recibos verdes, quando exista um desfasamento entre a data de prestação de serviços e a data de pagamento do mesmo, derivado de, por exemplo, concessão de prazos mais alargados de pagamento ao seu cliente.
Isto é, temos, por um lado, o Código do IVA a determinar a obrigatoriedade de emissão do documento no prazo de cinco dias, bem como a necessidade de documentar a operação para o adquirente e para o prestador, e por outro temos um documento que deverá ser emitido apenas após ter sido efectuado o pagamento respectivo.
O que forçará o profissional independente a optar por soluções alternativas na emissão do documento quando o pagamento não seja imediato, como seja a utilização de outros suportes de papel (nota de honorários na prestação e recibo verde no pagamento), ou, como se tem verificado muitas vezes na prática (incorrectamente), emissão do respectivo recibo em data anterior ao recebimento efectivo da prestação.
Estes procedimentos poderão trazer alguns problemas: no primeiro verifica-se a emissão de dois documentos de suporte para a mesma operação (quando o recibo verde devia ser um documento autónomo), no segundo, comprova-se o recebimento de uma quantia sem este ter ocorrido de facto, o que poderá trazer (eventualmente) problemas a nível da cobrança.
Desconsiderando as questões relacionadas com os prazos de pagamento desfasados, importa ainda levar em consideração a exiguidade de espaço para a descrição dos trabalhos efectuados. Pelo que, quando a prestação de serviços careça de um descritivo mais pormenorizado - uma prestação de serviços com incorporação de material, por exemplo, não permite a descrição de um e de outro - o recibo verde releva-se inadequado às exigências.
Ora, se o Código do IRS permite actualmente, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, emitir os referidos recibos de modelo oficial ou factura ou documento equivalente, ao contrário do que acontecia anteriormente, a solução passará por emitir as facturas e respectivos documentos de quitação das importâncias recebidas em detrimento dos recibos verdes.
Claro que, em determinadas circunstâncias, os recibos verdes poderão ser os documentos ideais a utilizar pelos profissionais independentes. A questão será não partir do pressuposto de que se podem aplicar a quaisquer actividades de prestação de serviços antes de fazer uma avaliação da actividade em questão.