Agência de viagens - voucher
04-08-2020
Uma agência de viagem emitiu um voucher a um cliente que não viajou devido ao COVID-19. Sabendo que para a contabilidade o voucher não tem relevância, contabilisticamente como proceder, por exemplo, quando o valor da nova viagem é igual ao valor do voucher? É preciso ter em conta que o cliente adquire nova viagem, a agência de viagens emite nova fatura. Como contabilisticamente o voucher não tem qualquer relevância e a conta corrente do cliente está saldada. Deste modo, como se procede contabilisticamente relativamente ao pagamento da nova viagem, em particular quando o valor da nova viagem é superior ao valor do voucher?
Parecer técnico
O caso em análise refere-se a uma agência de viagens que emitiu um voucher a um cliente que não viajou, devido ao Covid-19. Em face disso, pergunta como deve proceder do ponto de vista contabilístico:
a) Quando o valor da nova viagem é igual ao valor do voucher? A ter em conta que o cliente adquire nova viagem, a agência de viagens emite nova fatura.
Como contabilisticamente o voucher não tem qualquer relevância e a conta corrente do cliente está saldada, como se procede contabilisticamente relativamente ao pagamento da nova viagem? Emitimos NC de igual valor ao do voucher? E fazemos encontro de contas? Ou existe outro procedimento mais adequado?
b) Quando o valor da nova viagem é superior ao valor do voucher?
Em resposta às questões expostas, somos do seguinte entendimento:
Regime especial de tributação das agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos
As normas de determinação do IVA por que se regem as agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos estão reguladas no Decreto-Lei n.º 221/85, de 3 de julho, mas apenas em relação às operações em que se verifiquem, simultaneamente, as seguintes condições:
- atuem em nome próprio perante o cliente;
- façam recurso, para a realização dessas mesmas operações, a transmissões de bens ou a prestações de serviços efetuadas por terceiros.
Tais normas conduzem a calcular o IVA a cobrar ao utente dos serviços apenas sobre a "margem bruta” da agência, o que se justifica pelo facto de os serviços que constituem o "pacote turístico” serem tributados, nos termos gerais, nos países onde são efetuados, em resultado da aplicação das regras gerais de localização das prestações de serviços.
No entanto, se as operações, relativamente às quais a agência de viagens recorre a terceiros, forem efetuadas por estes fora da União Europeia, a prestação de serviços da agência é assimilada a uma atividade de intermediário, isenta por força da alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA.
Se as operações antes referidas forem efetuadas na União Europeia e fora dela, só é considerada isenta a parte da prestação de serviços da agência de viagens correspondente às operações realizadas fora da União Europeia. Nestes casos, o valor tributável das operações é determinado mediante a aplicação de uma percentagem ao valor da contraprestação devida pelo cliente, com exclusão do IVA que onera essa contraprestação.
Mas como é referido no artigo 8.º do mencionado Decreto-Lei n.º 221/85, "as normas do presente diploma não se aplicam às prestações de serviços efetuadas pelas agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos em nome e por conta do cliente, as quais serão submetidas à disciplina geral do IVA”.
Atuação em nome próprio
Perante o exposto, é importante definir o conceito de "atuação em nome próprio”.
O ofício-circulado n.º 92 336, de 08/05/1991, considera que a atuação é em nome próprio quando o cliente recorre aos serviços da agência e é ela que fatura em nome próprio as prestações necessárias. Por sua vez, é a ela que os terceiros faturam os serviços intermediários.
Nestes casos as prestações de serviços efetuadas por terceiros são faturadas à agência ou ao organizador de circuitos turísticos, ou seja, a agência ou o organizador de circuitos turísticos procedem a emissão da fatura diretamente aos seus clientes, suportando os gastos relativos às compras efetuadas aos seus fornecedores (ou seja, é a ela que os terceiros faturam os serviços intermediários).
O referido ofício-circulado considera, em contrapartida, que a agência não atua em nome próprio, mas em nome e por conta do cliente, sempre que o terceiro fatura os serviços em nome do cliente (utilizador final dos serviços).
Exemplo: agência de viagens que recebe do cliente, a título de reembolso de despesas efetuadas em nome e por conta do cliente. Nestas situações os serviços prestados pela agência de viagens ou o organizador de circuitos turísticos não se encontram abrangidas pelo regime especial das agências de viagem, sendo aplicável à operação de intermediação as regras gerais do IVA.
Neste caso, as agências e organizadores de circuitos turísticos devem registar tais documentos em contas de terceiros apropriadas.
Remuneração das agências de viagens
Relativamente à remuneração das agências de viagens:
· A remuneração será tida como uma comissão se a agência estiver apta a fornecer provas evidentes de que a importância recebida do cliente se destina a pagar o fornecimento de um serviço por um terceiro.
· Já não serão considerados como comissão, mas incluídos no regime do Decreto-Lei n.º 221/85, os casos em que o pagamento do cliente excede a importância ilíquida constante da fatura do fornecedor dos serviços.
Serão também abrangidos por este regime os casos em que os prestadores de serviços não concedem qualquer comissão, desconto ou abatimento e é a agência de viagens que revende esses serviços ao cliente por um preço superior.
· Poderá, mesmo assim, dispensar-se a aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 221/85 e considerar que a agência ainda atua em nome do cliente nos seguintes casos:
o A importância ilíquida constante da fatura do fornecedor é igual ao montante exigido pela agência ao cliente, cujo nome vem mencionado na mesma fatura;
o A importância ilíquida constante da fatura do fornecedor é igual ao montante exigido pela agência ao cliente, estando o número dessa fatura anotado na nota de venda ao balcão e o número dessa nota anotado na fatura.
Facto gerador e exigibilidade do imposto
De acordo com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 221/85, o facto gerador e a exigibilidade ocorrem na primeira das seguintes datas:
· no ato do pagamento integral; ou
· imediatamente antes do início da viagem ou alojamento.
No que se refere ao início da viagem pressupõe-se que coincide com o momento em que é efetuada a primeira prestação de serviços.
Será pois a ocorrência destas duas situações (a que se verificar primeiro) que determinará o facto gerador. A exigibilidade do imposto verifica-se no momento da emissão da fatura, se emitida dentro do prazo legal (até cinco dias úteis após o facto gerador) ou no dia em que termina esse prazo.
Não se dá, consequentemente, a exigibilidade com os pagamentos parciais, circunstância que se justifica pela forma como é determinado o valor tributável destas operações.
Tal circunstância implica, no entanto, que muitas vezes o IVA de determinado "pacote turístico” tenha de ser calculado antes de ser conhecido o valor da totalidade dos serviços prestados por terceiros em benefício direto dos clientes.
Nesta hipótese, mantendo-se o preço de venda não haverá que efetuar, no prisma das relações com o cliente, qualquer alteração do IVA nele incluído. Haverá, contudo, que a fazer no prisma das relações com o Estado.
De referir, que neste Regime Especial, não é aplicável a alínea c) do n º 1 do artigo 8 º do CIVA aos adiantamentos, pelo que não deve ser liquidado IVA no momento do seu recebimento. A informação vinculativa da AT (Despacho de 8/11/1993, Proc. S 291 92 018, do SAIVA) vem sancionar tal exclusão da aplicação da norma contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º do CIVA relativamente aos adiantamentos que se destinem a remunerar operações tributadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 221/85, de 3 de Julho.
Cancelamento do voo
De conformidade com o entendimento proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no acórdão "Air France - KLM e Hop! Brit Air" (processos apensos n.ºs C-250/14 e C-289/14), por força do disposto na Diretiva IVA «estão sujeitas ao [IVA] as entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».
Segundo jurisprudência constante, uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção dessa disposição, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efetiva do serviço fornecido ao beneficiário (acórdão Tolsma, C-16/93).
Tal verifica-se caso exista um nexo direto entre o serviço prestado e a contraprestação recebida, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efetiva de um serviço individualizável fornecido no âmbito de uma relação jurídica desse tipo (acórdão Société thermale d’Eugénie-les-Bains, C-277/05 e jurisprudência referida).
Além disso, decorre da Diretiva IVA que o facto gerador do imposto só ocorre no momento em que se efetuam a entrega do bem ou a prestação de serviços.
Resulta destes elementos que uma prestação de serviços, como o transporte aéreo de passageiros, está sujeita a IVA nos casos em que, por um lado, a quantia paga por um passageiro a uma companhia aérea, no âmbito de uma relação jurídica materializada no contrato de transporte, está diretamente relacionada com um serviço individualizável, relativamente ao qual constitui a remuneração, e, por outro, o referido serviço é prestado.
A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu que os serviços cuja prestação corresponde ao cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de transporte aéreo de pessoas são o registo assim como o embarque dos passageiros e o seu acolhimento a bordo do avião no lugar de descolagem estipulado no contrato de transporte em causa, a partida da aeronave à hora prevista, o transporte dos passageiros e das suas bagagens do lugar de partida para o lugar de chegada, o acompanhamento dos passageiros durante o voo e, finalmente, o desembarque, em condições de segurança, no lugar de aterragem e à hora que esse contrato fixa (v. acórdão Rehder, C-204/08).
No caso colocado pela colega, o cliente que não viajou devido ao Covid-19, presumo que por motivo de cancelamento da viagem.
Por esse motivo e de acordo com o entendimento do TJUE não ocorreu qualquer prestação de serviços.
Por força disso, o rédito contabilizado pela agência de viagens devia ser anulado, o que implicaria a restituição ao cliente do valor por ele pago.
No entanto, conforme é referido pela colega, essa restituição não ocorreu, tendo, em alternativa, sido entregue um voucher a esse cliente, que o poderá rebater numa próxima vagem a realizar.
Desconheço, em absoluto, se a referida viagem está sujeita a IVA, ou se está isenta nos termos da alínea r) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, ou se está inserida no âmbito de um pacote turístico sujeito ao regime especial das agências de viagens.
E porque é que refiro isto? Porque parece-me que, com o cancelamento do voo, deixamos de ter uma prestação de serviços e passamos a estar perante a emissão de um voucher.
IVA – Tratamento dos vales (vouchers)
Ora, de conformidade com o n.º 2 do artigo 1.º do CIVA temos dois tipos de vouchers ou vales:
m) 'Vale de finalidade única', um vale em relação ao qual todos os elementos necessários para a determinação do imposto devido, independentemente do bem que venha a ser transmitido ou do serviço que venha a ser prestado, são conhecidos no momento da sua emissão ou cessão;
n) 'Vale de finalidade múltipla', um vale em relação ao qual, no momento da sua emissão ou cessão, não são conhecidos todos os elementos necessários para a determinação do imposto devido
E quando é que ocorre a exigibilidade do imposto na emissão de vales ou vouchers (n.ºs 13, 14 e 15 do artigo 7.º do CIVA)?
Nos vales de finalidade única o IVA é devido e torna-se exigível no momento em que ocorre cada cessão. A transmissão de bens ou prestação de serviços a que o vale diz respeito considera-se efetuada nesse momento pelo sujeito passivo em nome de quem a cessão do vale é realizada (n.º 13 do artigo 7.º).
Cada cessão de um vale de finalidade única é considerada, para efeitos de IVA, uma transmissão dos bens ou uma prestação dos serviços a que o vale diz respeito. A entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços em troca do vale como contraprestação, ou parte dela, não é considerada uma operação independente.
Estes vales de finalidade única, quando vendidos ao cliente final, são tributados como um pré-pagamento do serviço a prestar a final, pois a taxa de IVA é desde logo conhecida no momento da venda, verificando-se, no momento da sua emissão/venda, a exigibilidade do imposto.
Nos vales de finalidade múltipla, independentemente de quaisquer cessões previamente ocorridas, nas operações a que o vale diz respeito o imposto é devido e torna-se exigível:
· nas transmissões de bens, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente;
· nas prestações de serviços, no momento da sua realização,
em conformidade com o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º do CIVA (n.º 14 do artigo 7.º do CIVA).
A entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços em troca do vale de finalidade múltipla aceite como contraprestação, ou parte dela, pelo fornecedor, está sujeita ao IVA por força do artigo 1.º, n.º 1, do CIVA, não sendo sujeitas a imposto cada uma das cessões anteriores do mesmo vale de finalidade múltipla.
Pese embora se possa estar perante um pré-pagamento, os vales de finalidade múltipla não podem ser tributados à data da sua emissão/venda, porquanto os bens ou serviços associados, bem como a respetiva taxa de imposto, e no caso em apreço, qual o prestador, não são, naquela data, conhecidos.
Para que o imposto se possa tornar exigível, é necessário que todos os elementos pertinentes do facto gerador, isto é, da futura entrega ou da futura prestação, já sejam conhecidos e, por conseguinte, em particular (…) no momento do pagamento por conta, os bens ou os serviços sejam especificamente identificados.
A exigibilidade do imposto é, assim transferida, no caso dos vales de finalidade múltipla, para o momento em que ocorra a operação tributável, ou seja para o momento do respetivo resgate.
Análise do caso colocado
Face ao que antecede, parece-me no caso colocado pela colega, com o cancelamento da viagem, deixamos de ter uma prestação de serviços e passamos a estar perante a emissão de um voucher.
Tal voucher, esteja ele associado a uma simples viagem de avião ou a um pacote turístico, tem a natureza de um vale de finalidade única, uma vez que a taxa de IVA é desde logo conhecida no momento da venda, verificando-se, por isso, a exigibilidade do imposto no momento da sua emissão.
Estes vales de finalidade única, quando vendidos ao cliente final, são tributados como um pré-pagamento do serviço a prestar a final.
Aspetos contabilísticos
Estando em causa vales de finalidade única, o IVA é devido e torna-se exigível no momento em que ocorre cada cessão. A transmissão de bens ou a prestação de serviços a que o vale diz respeito considera-se efetuada nesse momento pelo sujeito passivo em nome de quem a cessão do vale é realizada (n.º 13 do artigo 7.º do CIVA).
Assim, parece que do ponto de vista contabilístico não há nada a fazer em relação aos factos ocorridos anteriormente ao cancelamento da viagem.
Quando o voucher vier a ser utlizado, a prestação efetiva dos serviços em troca do vale como contraprestação, ou parte dela, não é considerada, como se disse antes, uma operação independente.
E a ser assim, do ponto de vista contabilístico parece ser de proceder tal como a colega propõe, ou seja, caso contabilize a nova viagem como uma prestação de serviços, deve proceder, de seguida, à sua anulação, uma vez que já se mostra contabilizada uma outra prestação de serviços relativamente à mesma operação.
Caso o valor da nova prestação de serviços seja de valor superior à do voucher utilizado, apenas deve ser anulada a parte correspondente ao valor do voucher rebatido.
Conclusão
Em face do exposto, parece que do ponto de vista contabilístico não há nada a fazer em relação aos factos ocorridos anteriormente ao cancelamento da viagem.
Quando o voucher vier a ser utlizado, a prestação efetiva dos serviços em troca do vale como contraprestação, ou parte dela, não é considerada uma operação independente.
E a ser assim, do ponto de vista contabilístico parece ser de proceder tal como a colega propõe, ou seja, caso contabilize a nova viagem como uma prestação de serviços, deve proceder, de seguida, à sua anulação, uma vez que já se mostra contabilizada uma outra prestação de serviços relativamente à mesma operação.
Caso o valor da nova prestação de serviços seja de valor superior à do voucher utilizado, apenas deve ser anulada a parte correspondente ao valor do voucher rebatido.