Como referimos no artigo publicado neste semanário há duas semanas, uma das questões fundamentais sobre a qual terá que se debruçar o sucessor do ex-director-geral dos impostos, prende-se com os direitos e prerrogativas dos contribuintes perante a Administração Fiscal.
O actual estado de coisas, que na prática se traduz num total e completo desrespeito pelos direitos dos contribuintes, não é possível que perdure por mais tempo, sob pena de passarmos a ter um clima de conflitualidade fiscal, perfeitamente insustentável para a Administração Fiscal e para os próprios contribuintes.
A intervenção, por vezes displicente, do Estado, através das diversas entidades públicas e os efeitos que aquele comportamento tem na vida dos cidadãos é hoje muito mais questionada do que era há não muito tempo, pelo que não me surpreende que, a breve trecho, assistamos a avultados pedidos de indemnização ao Estado por parte dos contribuintes por perdas e danos que a sua actuação possa gerar nos sujeitos passivos da relação tributária.
Um estado de "guerrilha" permanente ou de mútua desconfiança entre a Administração Fiscal e os contribuintes será a pior coisa que pode acontecer ao novo director-geral.
Para evitar este cenário, é preciso agir: repensar eficazmente o funcionamento e objectivo do actual instituto de reclamação, no sentido de lhe devolver a dignidade que deve ter, criando, em simultâneo, mecanismos fortemente penalizadores para quem o use de maneira dilatória do cumprimento das obrigações.
Uma simples alteração do momento da instauração do processo de execução fiscal para os processos reclamados, julgo ser uma via que, não alterando significativamente o espaço temporal das receitas fiscais, pode colmatar as actuais deficiências dos serviços na análise daquelas reclamações.
A criação de mecanismos e sistemas intermédios de gestão de conflitos fiscais, pode ter um enorme potencial de solução de uma parcela significativa das divergências existentes entre o Fisco e os contribuintes, situando-se a discussão no domínio técnico, "linguagem" melhor compreendida pelos sujeitos passivos e pelos serviços tributários. Assim, apenas assuntos com uma complexidade ou profundidade jurídica determinada, chegariam aos tribunais, libertando estas instâncias judiciais para a sua verdadeira função: a aplicação das leis.
Aspecto não negligenciável neste contexto, relaciona-se com a forma de actuação dos serviços de prevenção e fiscalização tributária que, muitas vezes escudados em falsos conceitos de interesse público, extravasam o limite do razoável, dando azo a situações de enorme dificuldade na gestão dos processos.
Atentas as circunstâncias especiais que beneficiaram o mandato de Paulo Macedo e as linhas orientadoras para mensurar o seu desempenho, temos que concluir que a herança é de avultada exigência e que vai obrigar a muito trabalho, sacrifício e força de vontade.
Mas Paulo Macedo deixou também uma outra realidade, que todos nós sentimos presente, mas que resistimos analisar e discutir, e que diz respeito à qualificação dos gestores que se ocupam da gestão dos interesses da nossa sociedade.
Criou-se e tem-se vindo a desenvolver um conceito de desresponsabilização da gestão do interesse público, que, em última instância, é altamente prejudicial para os cidadãos. Continua a intrigar-me porque é que na Administração Pública não podem estar a gerir os bens, objectivos e valores que são de todos, pessoas com provas dadas no sector privado. Custa-me a entender que a Administração Pública recuse gestores com capacidade, que desenvolvem um trabalho que não só paga o custo do seu ordenado, mas ainda conseguem gerar lucro para a entidade patronal que representam.
O conceito de miserabilismo continua muito enraizado no nosso quotidiano e enquadra a ideia que se tem dos gestores da causa pública. É preciso interiorizar que somos todos nós, os cidadãos, que pagamos, e de forma muito elevada, o preço da irresponsabilidade e da incompetência com que posteriormente nos confrontamos.
A Administração Pública nacional carece de muitos gestores como Paulo Macedo. Competentes e que compreendam a realidade nacional e lhe imprimam uma dinâmica nova, mais refrescante. Capital humano que nunca vire a cara à luta e não tema as mudanças, revelando capacidade de liderança para motivar os seus subordinados. De uma vez por todas, temos de deixar de lamentar quanto é que pagamos pelas pessoas competentes e questionar permanentemente o que é que elas são capazes de nos dar em troca daquilo que lhes pagamos.
Enquanto não tivermos a coragem de criar uma nova visão da Administração Pública, enquanto continuarmos, não raro com certa inveja, a questionar quanto é que ganha "A" ou "B", muito dificilmente seremos capaz de nos libertarmos desta mesquinhez que nos vai consumindo.
Só nos libertaremos desta espécie de "colete de forças", que nos impede de progredir, se formos capazes de dar um salto qualitativo no modo de estar na vida. Caso contrário, continuaremos a lastimar o funcionamento da sociedade, dos serviços e até as decisões dos governos.
(Continua)