PT19729 - Ativos intangíveis
01-10-2017
Uma empresa industrial pretende obter a homologação de um produto para que possa ser vendido no Qatar.
O mesmo já está a ser comercializado no mercado nacional e internacional pela empresa, mas, para que seja aceite pelos clientes catarenses com quem a empresa espera vir a obter potenciais encomendas terá de ser adaptado e posteriormente homologado.
Para o efeito a empresa produziu protótipos e enviou uma equipa de colaboradores ao Qatar para apresentar e obter a aprovação pelo cliente. Após a sua aprovação os mesmos serão enviados para laboratórios reconhecidos internacionalmente para ser obtida a sua certificação.
Ao abrigo da NCRF n.º 6, pode a empresa considerar os encargos com a homologação do produto como um bem intangível?
Estes encargos incluem:
- Materiais, moldes, ferramentas e horas/homem para produzir os protótipos.
- Pagamento dos serviços prestados pelos laboratórios internacionais, que incluem testes e ensaios para obtenção da certificação do produto.
- Despesas com viagens e estadias dos colaboradores ao Qatar.
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico dos dispêndios incorridos com a homologação de um produto, com o objetivo de ser comercializado pela empresa, no âmbito NCRF 6 - Ativos Intangível.
Um ativo intangível é um ativo não monetário identificável sem substância física, conforme o §8 da NCRF 6.
Para que um dispêndio possa ser definido como um ativo intangível, há a necessidade do cumprimento de três condições (§10 da NCRF): identificabilidade, controlo e benefícios económicos futuros.
Um ativo intangível cumpre o requisito de identificabilidade quando este for separável do conjunto da entidade, de modo a que possa ser vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, ou então, quando este resultar de direitos contratuais ou legais separáveis da entidade.
Uma entidade controla um ativo se tiver o poder de obter benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível, e possa restringir o acesso de terceiros a esses benefícios. Normalmente, esse poder advém de direitos legais que a empresa possua sobre esse ativo intangível.
Os benefícios económicos futuros relacionados com o ativo intangível podem incluir réditos da venda ou prestações de serviços, poupanças de custos ou outros benefícios resultantes do uso desse ativo pela entidade.
Relativamente aos ativos intangíveis gerados internamente, é necessário distinguir duas fases: a de pesquisa (§ § 53 a 55 da NCRF 6) e a de desenvolvimento (§ § 56 a 63 da NCRF 6).
Neste ponto, já se encontram na fase de desenvolvimento, uma fase mais avançada. Segundo o §8 "é a aplicação das descobertas derivadas da pesquisa ou de outros conhecimentos a um plano ou conceção para a produção de materiais, de mecanismos, aparelhos, processos, sistemas ou serviços, novos ou substancialmente melhorados, antes do início da produção comercial ou uso".
As despesas de desenvolvimento podem vir a ser capitalizadas e reconhecidas como ativos intangíveis, se a entidade puder demonstrar cumulativamente as seguintes condições (§56 da NCRF 6):
(a) a viabilidade técnica de concluir o ativo intangível a fim de que o mesmo esteja disponível para uso ou venda;
(b) a sua intenção de concluir o ativo intangível e usá-lo ou vendê-lo;
(c) a sua capacidade de usar ou vender o ativo intangível;
(d) a forma como o ativo intangível gerará prováveis benefícios económicos futuros.
(e) a disponibilidade de adequados recursos técnicos, financeiros e outros para concluir o desenvolvimento e usar ou vender o ativo intangível;
(f) a sua capacidade para mensurar fiavelmente o dispêndio atribuível ao ativo intangível durante a sua fase de desenvolvimento.
Assim, o reconhecimento do dispêndio em causa como ativo intangível está dependente do cumprimento da definição como tal. Enquanto as condições acima não se verificarem, os dispêndios incorridos terão de ser reconhecidos como gastos do período.
Uma forma de demonstrar se essas despesas de desenvolvimento vão levar à criação de um ativo intangível que vai gerar benefícios económicos futuros pode passar por um plano e orçamento empresarial que demonstre os recursos técnicos, financeiros e outros necessários e a capacidade da entidade para assegurar esses recursos, bem como os aumentos de rendimentos diretamente associados à homologação do produto.
Quando for possível capitalizar essas despesas de desenvolvimento como um ativo intangível, o valor do custo desse ativo deve corresponder à soma de todos os dispêndios incorridos nessa fase, desde o momento em que o ativo passa a cumprir os requisitos mencionados em cima até o momento da sua conclusão, conforme estabelecido no § 64 da NCRF 6.
O custo do ativo intangível pode incluir materiais e serviços usados ou consumidos diretamente ao gerar o ativo intangível, nomeadamente:
- Mão-de-obra diretamente utilizada na produção de ativo;
- Custos com subcontratação de parte do trabalho de desenvolvimento;
- Taxas de registo do direito legal (registo de propriedade industrial) ou outras semelhantes;
- Honorários de prestadores de serviços;
- Depreciação de equipamentos utilizados na produção do ativo intangível;
- Materiais e serviços diversos a utilizar na produção do processo;
E ainda, custos de empréstimos obtidos (juros e outros encargos), no caso de cumprir com o procedimento alternativo da NCRF 10.
Devem ser criados centros de custos ou utilizadas folhas de obras por cada item para imputar todos os custos diretamente relacionados com essa homologação.
No caso em apreço, os encargos que estão em causa são:
• Materiais, moldes, ferramentas e horas/homem para produzir os protótipos;
• Pagamento dos serviços prestados pelos laboratórios internacionais, que incluem testes e ensaios para obtenção da certificação do produto;
• Despesas com viagens e estadias dos colaboradores ao Catar;
Entendemos assim, que enquanto os dois primeiros encargos se enquadram no §65 da NCRF 6, o terceiro não se enquadra, pois são viagens e estadias para negociar com um cliente, apesar de este ser o motivo da patente que está a ser homologada, não está diretamente relacionada com a homologação em si, não é um serviço necessário para o objetivo.
Os registos contabilísticos poderão ser:
Pela aquisição ou consumo dos materiais e serviços a aplicar diretamente à homologação:
- Débito da respetiva conta de gastos (31/43/61/62/63/64x - conforme a natureza do custo) por contrapartida conta de contas a pagar, conta de meios financeiros líquidos, consoante exista, ou não, diferimento do pagamento, depreciações acumuladas, etc.;
Pelo reconhecimento do ativo intangível em curso (em produção):
- Débito da conta 454 - "Ativos intangíveis em curso" por contrapartida a crédito da conta 742 - "Trabalhos para a própria entidade - Ativos intangíveis", pelo custo da homologação (determinado de acordo com a folha de obra).
Quando o ativo intangível (homologação) estiver terminado e pronto a ser usado:
- Débito da conta 44x - "Patente X" por contrapartida a crédito da conta 454 - "Ativos intangíveis em curso", pelo custo total de produção.
Estes dois últimos registos apenas são de aplicar aos custos incorridos na fase de desenvolvimento, e a partir do momento, em que se estime com fiabilidade a viabilidade e de que venham a fluir benefícios económicos futuros pela respetiva utilização (ou cedência) desse recurso intangível.
O ganho do período, registado na conta 742, referente aos trabalhos para a própria entidade não é considerado como um rendimento propriamente dito, mas de uma mera anulação dos custos incorridos pelo desenvolvimento do ativo intangível, reconhecidos nas respetivas contas de gastos, com o objetivo de proceder ao reconhecimento do ativo intangível na conta 44 (por capitalização desses custos).
Porém há a referir que os custos incorridos com o desenvolvimento do ativo intangível em curso que tenham sido reconhecidos como gastos em períodos anteriores não podem ser capitalizados como ativo intangível nos períodos seguintes, ainda que a operação passe a cumprir os critérios de reconhecimento como tal, conforme previsto nos §§ 64 e 70 da NCRF 6.