A Administração Fiscal (AF), na veste de jus imperii, tem uma tendência natural para se exceder nas exigências dirigidas ao TOC e, em contrapartida, para esquecer outros direitos que lhe assistem.
O dever de colaborar com a Administração Fiscal não é ilimitado, não sendo aceitáveis determinadas exigências que estão a ser feitas a estes profissionais, sem base legal e, para mais, com ameaças de denúncia para efeitos disciplinares. Estamos a referir-nos a alguns ofícios que têm sido dirigidos pelos serviços de finanças a alguns TOC, solicitando-lhes a entrega da documentação contabilística dos seus clientes.
Salvo melhor opinião, tal exigência não tem fundamento legal e, como tal, não deve ser acatada. Senão vejamos. Começamos por uma apreciação do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ECTOC) e, em concreto, do disposto no artigo 55.º que elenca os deveres do TOC perante a Administração Fiscal, que são:
- Assegurar que as declarações fiscais que assinam estão de acordo com a lei e as normas técnicas em vigor;
- Acompanhar, quando para tal forem solicitados, o exame aos registos e documentação das entidades a que prestem serviços, bem como os documentos e declarações fiscais com elas relacionados;
- Abster-se da prática de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam a ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação dos documentos e das declarações fiscais a seu cargo.
A violação daqueles deveres, além de gerar responsabilidade disciplinar é agora punível pelos artigos 103.º e 104.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei 15/2002, de 5 de Junho, que revogou o RJINA (Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro).
É ponto assente que a documentação contabilística é propriedade do sujeito passivo que está obrigado a centralizá-la no domicílio fiscal. Todavia, é prática corrente o TOC ficar com essa documentação no seu escritório, contudo, e devido às imposições legais, tal só deve acontecer pelo tempo indispensável ao seu tratamento contabilístico. Mas ainda que a documentação esteja na posse do TOC esta, não lhe pertence, logo não é legítimo que a AF lhe exija essa entrega, sem que haja concordância do sujeito passivo.
A reforçar esta ideia atente-se no disposto no n.º 2 do artigo 31.º da Lei Geral Tributária que refere que uma das obrigações acessórias do sujeito passivo é a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações. Em nenhum diploma legal se faz alusão à obrigatoriedade de entrega, directamente à AF, da documentação contabilística que esteja na posse do TOC. É claro que compreendemos que é mais fácil fazer essa exigência a este profissional porque o sujeito passivo pode ser difícil de contactar. Com o devido respeito, isso é um problema da AF, que não se pode descartar das suas competências e exigir de outros algo que só a si lhe compete realizar.
Por isso, em situações como a descrita, os profissionais devem responder a esses ofícios esclarecendo que não podem fazer essa entrega sem que o seu cliente tenha dado consentimento, sob pena de poderem incorrer em violação do sigilo profissional, logo, em responsabilidade disciplinar, civil e criminal.
Nunca é demais recordar este dever que incide sobre factos e documentos de que tenham tomado conhecimento no exercício das suas funções. Para melhor clarificação veja-se o disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 54.º do ECTOC e al. f) do n.º 1 do artigo 3.º e ainda o artigo 10º, todos do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas. Na al. b), do n.º 4 do artigo 66.º do ECTOC prevê-se que a violação do sigilo profissional seja punida com a pena de suspensão da inscrição.
Há pois que definir e ter a exacta noção dos limites legais impostos às partes envolvidas de modo a evitarem-se situações que podem prejudicar gravemente o TOC. Este profissional tem vindo a acumular responsabilidades, veja-se o acréscimo de responsabilidade técnica mercê da reforma da tributação do património, a figura dos plenos poderes e por aí adiante. Se é meritório o reconhecimento da importância das suas funções não deixa de ser uma herança pesada que tende a agravar-se pelo que são de todo dispensáveis estas exigências sem fundamento legal.
Repare-se que a lei prevê apenas o dever de acompanhar o exame dessa documentação sempre que para tal forem solicitados. Esta dever inserto no artigo 55.º do ECTOC é reforçada com o disposto na al. f) do n.º 2 do artigo 28.º do Regulamento de Inspecção Tributária que refere os funcionários em serviço da inspecção tributária têm direito "Ao esclarecimento, pelos técnicos oficiais de contas (¿), da situação tributária das entidades a quem prestem ou tenham prestado serviço". Entendemos que nesta situação, não está em causa a violação do sigilo profissional porquanto, este dever específico do TOC, cede perante o dever legal de informação a efectivar perante a Direcção-Geral dos Impostos, a Inspecção-Geral de Finanças e outros organismos legalmente competentes na matéria, v.g. o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 54.º do ECTOC e n.º 4 do art. 10.º do Código Deontológico
Em contrapartida, e não obstante o direito que lhe assiste, temos vindo a constatar algumas situações em que tem vindo a ser negado ao TOC o direito a obter certidões que dizem respeito aos seus clientes.
Neste caso, existe norma legal que confere ao TOC esse direito e está inserta no n.º 3 do art. 51.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas que consagra os direitos do TOC (no exercício da sua profissão) perante a Administração Fiscal:
Sem prejuízo do exclusivo de representação forense, os Técnicos Oficiais de contas têm:
- o direito de proceder à entrega das declarações fiscais e outros documentos complementares ou conexos respeitantes às entidades a que prestem serviços;
- o direito a consultar os processos fiscais em que tenham tido intervenção;
- o direito a requerer certidões dos processos fiscais (em que tenham tido intervenção)
Para tanto, o TOC terá de fazer prova dessa sua qualidade. Se nos serviços da administração tributária a que o TOC se dirige aí não for conhecido e aí não constar prova da sua qualidade de TOC, deverá o mesmo exibir um documento que prove a sua legitimidade para a consulta dos respectivos elementos.
Em suma, o corolário dos deveres específicos do TOC perante a Administração Fiscal, consagrados no artigo 55.º do ECTOC também só farão sentido se a este profissional lhe for permitido conhecer com rigor a situação fiscal do cliente. É uma decorrência do normal exercício das suas funções.