Brexit – Prestações de serviços
05-01-2021
O cliente de um contabilista certificado, sujeito passivo, com residência fiscal em Portugal desde outubro de 2018, trabalhador Independente, no regime da contabilidade organizada desde março de 2019. Aquando do seu regresso foi assessor do diretor de estudos numa escola de línguas, cuja sócia é a sua mãe. Tem representante fiscal em Portugal e habitação própria permanente. O cônjuge também tem domicílio fiscal no nosso país. Está no regime da contabilidade organizada em IRS, com a atividade de consultor na área da informática a uma empresa sediada no Reino Unido. Acionou-se a convenção efetuando-se o pedido de certificação de residência fiscal, a fim de evitar a dupla tributação. Terminado o período de transição do Brexit, a 31 de dezembro de 2020, deixam de se aplicar ao Reino Unido as regras da União Europeia em matéria de IVA.
As questões são as seguintes: o cliente deste CC emitiu a 4 de janeiro de 2021 um recibo verde à empresa do Reino Unido, cuja prestação de serviços refere-se ao mês de dezembro. Como proceder em matéria de IVA? Nas próximas prestações de serviços a efetuar ao Reino Unido, a partir de 1 de janeiro de 2021, como proceder em matéria de IVA: liquida-se imposto? Qual o artigo a mencionar?
Fim do período de transição do Brexit -
O Reino Unido saiu da União Europeia em 31/01/2020, com base no Acordo sobre a Saída do Reino período Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica («Acordo de Saída»). O Acordo de Saída prevê um período de transição que termina em 31/12/2020.
Até essa data, as disposições do direito da União relativas ao IVA eram aplicáveis ao Reino Unido e no Reino Unido. Após aquele período de transição, as disposições do direito da União em matéria de IVA deixaram de ser aplicáveis ao Reino Unido ou no Reino Unido.
Com efeito, as trocas comerciais com o Reino Unido passaram a estar sujeitas a procedimentos aduaneiros e a controlos fronteiriços, o que acarreta custos mais elevados (por exemplo, relativos ao desalfandegamento, à armazenagem, à preparação de documentação, ao cumprimento de conformidades).
Por outro lado, significa que o Reino Unido deixou de ser um Estado-Membro a partir da data de saída da União Europeia, passando a ser tratado como um país terceiro (tal como os EUA, Canadá, China, Japão, Marrocos, etc.), deixando de se aplicar todo o direito europeu (acordos, regulamentos e diretivas, acórdãos do Tribunal de Justiça da União, liberdade de circulação ou inexistência de formalidades aduaneiras).
Com o fim do período de transição, a introdução no território aduaneiro da União de bens e mercadorias provenientes do Reino Unido ou a saída do referido território de bens e mercadorias com destino ao Reino Unido passaram a estar sujeitas ao cumprimento das formalidades previstas na legislação aduaneira, nomeadamente a apresentação de declarações aduaneiras de importação e de exportação e, na importação (introdução em livre prática e importação temporária com franquia parcial de direitos aduaneiros), a obrigação de pagamento de direitos de importação e demais imposições.
Em conclusão, as trocas de bens e mercadorias com o Reino Unido, à exceção do território da Irlanda do Norte, passaram a estar sujeitas ao cumprimento de formalidades aduaneiras a partir das 23h00, horário de Portugal Continental, do dia 31/12/2020.
No entanto, em conformidade com o artigo 8.º do Protocolo relativo à Irlanda/Irlanda do Norte («Protocolo»), que faz parte integrante do Acordo de Saída, as disposições do direito da União em matéria de IVA, conforme enumeradas no anexo 3 do protocolo relativo às mercadorias, continuará a ser aplicável na Irlanda do Norte após o período de transição, a fim de evitar uma fronteira física entre a Irlanda e a Irlanda do Norte.
Por sua vez, as prestações de serviços não são abrangidas pelo referido Protocolo, o que significa que, quando efetuadas entre um Estado-Membro e a Irlanda do Norte, serão tratadas como sendo efetuadas entre o Estado-Membro e países ou territórios terceiros.
Enquadramento em IVA das prestações de serviços realizadas com o Reino Unido
Estando a questão colocada no pedido em apreciação no presente parecer relacionada com prestações de serviços, temos de começar por referir que as regras constantes do artigo 6.º do Código do IVA têm um âmbito mundial e não apenas um âmbito intracomunitário.
Por força disso, a saída do Reino Unido da União Europeia não vai alterar minimamente, em termos de IVA, as regras de localização aplicáveis às prestações de serviços.
Nas prestações de serviços realizadas entre sujeitos passivos (operações B2B) a sua localização é, regra geral, o país onde o adquirente está estabelecido. Quer dizer que, se o adquirente estiver estabelecido no território nacional, os serviços prestados por um sujeito passivo estabelecido no Reino Unido são tributados no território nacional. O mesmo se passa na situação inversa, ou seja, os serviços prestados por sujeitos passivos portugueses não são localizados no território nacional se o respetivo adquirente for um sujeito passivo estabelecido no Reino Unido.
Tratando-se de prestações de serviços cujo adquirente seja um não sujeito passivo (operações B2C), como regra geral, esses serviços são localizados no território nacional se o prestador tiver neste território a sede da sua atividade, um estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio a partir do qual os serviços são prestados.
Assim, estando em causa prestações de serviços de consultoria na área da informática, efetuadas por um sujeito passivo português a um sujeito passivo do Reino Unido, continuará a aplicar-se a regra geral prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, nos termos da qual as referidas prestações de serviços se localizam e são tributáveis no Reino Unido.
Consequentemente, o sujeito passivo português continuará a emitir as faturas sem IVA e com a menção "IVA – autoliquidação”.
Em termos declarativos, com o fim do período transitório, as coisas passaram a ser diferentes. Com efeito, as prestações de serviços de consultoria na área da informática realizadas a partir de 01/01/2021 deixarão de ser incluídas no campo 7 do quadro 06 da declaração periódica, para passarem a ser incluídas no campo 8. E por força disso, tais prestações de serviços deixarão de ser incluídas na declaração recapitulativa.
Conclusão -
Em face do exposto, os serviços de consultoria na área da informática, efetuadas por um sujeito passivo português a um sujeito passivo do Reino Unido, continuam a ter enquadramento na regra geral prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, nos termos da qual as referidas prestações de serviços localizam-se e são tributáveis no Reino Unido.
Consequentemente, o sujeito passivo português continuará a emitir as faturas sem IVA e com a menção "IVA – autoliquidação”.