Desde a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT), em 1 de Janeiro de 1999, o legislador tem vindo, paulatinamente, a alterar o regime jurídico da caducidade da liquidação e prescrição dos créditos fiscais no sentido de aumentar, ainda que indirectamente, os prazos aí estabelecidos. Neste contexto, a Lei de Orçamento para 2007, Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, introduziu também alterações àquele regime, pondo em causa o equilíbrio entre os direitos dos contribuintes e os poderes conferidos à administração fiscal.
Para melhor compreendermos a amplitude das alterações operadas, analisaremos o enquadramento jurídico da caducidade e da prescrição, previsto nos artigos 45.º a 49.º da LGT.
1. Distinção entre caducidade e prescrição
A distinção entre caducidade e prescrição é, hoje, pacífica na doutrina e jurisprudência. Partindo de um conceito comum de prescrição em sentido lato, cedo a doutrina concluiu pela necessidade de distinguir duas situações ou momentos distintos: o momento do exercício do direito e, posteriormente, a extinção desse mesmo direito. Ou seja, na caducidade, regulamenta-se o prazo para o exercício do direito de liquidação pelo Estado. Na prescrição, estipula-se um determinado prazo, findo o qual, extingue-se o direito.
Na base destes institutos estão razões de interesse público e de segurança jurídica nas relações sociais. Não seria aceitável que num Estado de Direito determinada dívida fosse exigível a todo o tempo e ainda mais prejudicial seria a inexistência de um prazo limite para a definição da dívida a pagar.
2. Caducidade do direito à liquidação
De acordo com o artigo 45.º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, salvo se a lei fixar outro prazo. O prazo é reduzido para três anos nos casos de nova liquidação fruto de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou nos casos de utilização de métodos indirectos.
No caso de o contribuinte ter, em determinado exercício, efectuado reporte de prejuízos ou qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito. A lei de Orçamento de Estado para 2006, Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabeleceu outro prazo especial de caducidade: sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de caducidade é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano().
Nos termos do n.º 5 do artigo 5.º do DL 398/98, de 17 de Dezembro, o novo prazo de caducidade só se aplica aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998. Os factos tributários anteriores a esta data caducam no prazo de 5 anos - artigo 33.º n.º 1 do Código de Processo Tributário().
Para evitar a caducidade, a administração fiscal deve notificar o contribuinte nos prazos legais. Neste sentido, o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos (IRS, IRC,...) a partir do início do ano seguinte àquele em que teve lugar o facto tributário. Nos impostos de obrigação única, o prazo de caducidade conta-se a partir da data do facto tributário (artigo 45.º n.º 4), excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte.
Quanto ao meio de notificação, nos termos do n.º 3 do artigo 38.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição são efectuadas por carta registada. Para este efeito, o n.º 6 do artigo 45.º, aditado pela Lei de Orçamento de Estado para 2007, estabelece, à semelhança do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT mas ao arrepio das restantes regras gerais aí previstas, a presunção de que as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
3. Prescrição das dívidas tributárias
Nos termos do artigo 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos, contados nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu. Este preceito encurtou de 10 para 8 anos o prazo de prescrição anteriormente previsto no artigo 34.º n.º 1 do Código de Processo Tributário.
O artigo 5.º do Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprova a LGT, estabelece as regras de sucessão no tempo dos dois regimes. Assim, é aplicável ao novo prazo de prescrição o disposto no artigo 297.º n.º 1 do Código Civil, ou seja, a menos que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para se completar o prazo de prescrição, o novo prazo é aplicável aos prazos em curso, devendo contar-se, no entanto, a partir da entrada em vigor da nova lei.
Para melhor compreensão, vejamos o seguinte exemplo: o sujeito passivo X não pagou o IRC de 1997. A administração fiscal liquidou o imposto mas não instaurou o processo de execução fiscal para cobrança da dívida. De acordo com o supra disposto, é necessário fazer um duplo raciocínio: aplicando o anterior prazo, o imposto vai prescrever no dia 1 de Janeiro de 2008. No entanto, se aplicarmos o novo prazo, iniciando-se a contagem do prazo em 1 de Janeiro de 1999(), o imposto prescreve no dia 1 de Janeiro de 2007. Em consequência, neste caso concreto aplicaremos o novo prazo.
As principais alterações introduzidas pela Lei de Orçamento de Estado para 2007 dizem respeito às causas e modo de suspensão e interrupção do prazo de prescrição.
A citação, reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. Por interrupção devemos entender, de acordo com o artigo 326.º do Código Civil, a inutilização do prazo decorrido anteriormente. Após a interrupção(), inicia-se uma nova prescrição, um novo prazo (artigo 49.º n.º 1 da LGT).
Até 31 de Dezembro de 2006, nos termos do n.º 2 do artigo 39.º, a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo fazia cessar o efeito da suspensão ou interrupção. Como esta disposição foi revogada pela Lei de Orçamento de Estado para 2007, perante a interrupção da contagem, o prazo de prescrição apenas volta a correr com o fim do processo ou facto que a justificou, o que, no caso de processos de reclamação, recurso hierárquico ou impugnação, por ex., significa ampliar, para lá do razoável, o prazo de prescrição, por responsabilidade, em muitos dos casos, da administração fiscal. O n.º 3 do artigo 39.º limita ainda assim a interrupção a uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
A revogação daquela disposição aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (artigo 90.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro).
Por outro lado, de acordo com a nova versão do n.º 4 do artigo 39.º, o prazo de prescrição suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, o que apenas acontece quando é prestada de garantia. Neste contexto, recordamos que o artigo 183.º-A do CPPT que previa a caducidade da garantia se a reclamação graciosa não estivesse decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se na impugnação judicial ou na oposição não tivesse sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação, foi também revogada.
Face ao exposto, perante atrasos nos processos de reclamação ou impugnação que resultem da inércia da administração fiscal, o contribuinte fica completamente desprotegido.