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Cartão cliente - contabilização
26 Janeiro 2022
Cartão cliente - contabilização
13-01-2022

Determinada entidade tem uma loja num centro comercial que começou a ter cartões para os clientes, que consiste em acumular parte do valor das vendas de todas as lojas, podendo posteriormente descontar em qualquer loja, em compras futuras.
O cliente acumulou o valor que pode descontar noutras lojas e mas vai descontar na entidade em questão. Volvido um ano, o centro comercial faz um balanço, para verificar se tem de devolver dinheiro ou se a loja ainda terá de pagar, não emitindo qualquer fatura.
Qual a forma correta de registar/contabilizar o valor pago pelo cartão cliente?
Tem de registar-se numa conta de passagem o valor a acumular das vendas e os descontos efetuados pelas vendas das outras lojas? Em caso afirmativo, como contabilizamos a acumulação de valor das vendas? Seria correto levar a acumulação das vendas a uma conta 68(descontos)/27?

Parecer técnico

Um centro comercial começou a ter cartões clientes, que consiste em acumular parte do valor das vendas de todas as lojas que pode posteriormente descontar em qualquer loja, em compras futuras.
Por norma, verificam-se os seguintes acontecimentos:
- O cliente acumula o valor que pode descontar noutras lojas e vai descontar na loja "A”;
- No final do ano, o centro comercial faz um balanço, para verificar se tem de devolver ou pagar dinheiro à loja "A”.
Neste sentido questiona qual o tratamento contabilístico a efetuar nesta situação.
Relativamente ao enquadramento da atribuição de desconto por meio de cartão de pontos, é importante antes de mais perceber a materialidade de tais operações.
Se tais operações não se considerarem materialmente relevantes, admitimos que apenas sejam objeto de registo contabilístico aquando da sua utilização na futura venda. Ou seja, aquando do registo da venda onde é utilizado os pontos, o rédito da venda será reconhecido pelo seu valor líquido do desconto.
Se o procedimento em análise for materialmente relevante, então, uma vez que as normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) não preveem um tratamento específico para este tipo de operações, teremos que nos socorrer supletivamente da interpretação n.º 13 emitida pelo comité de interpretações do relato financeiro internacional (IFRIC 13 - «Programas de fidelidade de clientes»), conforme previsto no ponto 1.4 do anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009 (SNC).
A dúvida estará em considerar a atribuição de descontos futuros como dedução ao rédito da venda dos bens, ainda que diferindo esse reconhecimento, estabelecendo-se desse modo um passivo, ou uma provisão.
Em termos conceptuais, um passivo será uma obrigação presente da entidade proveniente de acontecimentos passados, cuja liquidação se espera que resulte num exfluxo de recursos da entidade que incorporem benefícios económicos. Sendo que a provisão será um passivo de tempestividade e quantia incertos.
No caso deste tipo de programas de fidelização de clientes, não haverá dúvida de que a entidade ao atribuir o cartão de cliente com acumulação de pontos, ficará com uma obrigação presente, que poderá gerar saída de fluxos financeiros (ou a entrada de menos) que incorporem benefícios económicos, pela respetiva liquidação.
Essa obrigação presente ficará claramente identificada nas demonstrações financeiras pelo reconhecimento do passivo contabilizado pelo diferimento do rédito referente aos descontos atribuídos (na conta 282).
Essa obrigação presente da entidade, ainda que possa ser estimada com fiabilidade, será de tempestividade (momento) e quantias incertas, pois não será conhecido o momento ou sequer se o cliente irá efetuar compras futuras em que possa utilizar o respetivo desconto atribuído. Parece, portanto, que esses descontos se poderiam classificar como provisões.
No entanto, de acordo com o parágrafo 5 da NCRF n.º 21, algumas quantias tratadas como provisões podem relacionar-se com o reconhecimento do rédito.
E, será a NCRF n.º 20 - «Rédito» que identifica as circunstâncias em que o rédito é reconhecido e proporciona orientação prática sobre a aplicação dos critérios de reconhecimento.
Consequentemente, a NCRF n.º 21 não altera os requisitos daquela NCRF n.º 20.
O parágrafo 9 da NCRF n.º 20 estabelece desde logo que o rédito deverá ser mensurado pelo justo valor da retribuição recebida ou a receber. A quantia do rédito a ser reconhecida será, portanto, o justo valor da retribuição recebida ou a receber tomando em consideração a quantia líquida de quaisquer descontos comerciais e de quantidades concedidos pela entidade.
Face aos procedimentos previstos nestas duas NCRF, não haverá dúvida que a atribuição desses descontos a deduzir em vendas futuras, deverão ser incluídos no reconhecimento da quantia do rédito pela venda dos bens, como dedução a esse rédito e respetivo diferimento, e não como uma provisão (conforme entendimento previsto na IFRIC 13).
Havendo estabelecido que a atribuição desses descontos em vendas futuras deverá ser parte integrante do rédito da venda dos bens, terá que se definir o tratamento em termos de rédito.
O parágrafo 13 da NCRF n.º 20 estabelece que, em certas circunstâncias, é necessário aplicar os critérios de reconhecimento aos componentes separadamente identificáveis de uma transação única a fim de refletir a substância da transação.
No caso concreto, quando a entidade atribui os pontos de desconto pela venda de bens, estará a incorrer em vários elementos de venda. Essa atribuição de descontos futuros deverá ser contabilizada como um componente separadamente identificável das vendas de bens pelas quais serão atribuídos (ou seja, pela venda inicial).
Neste tipo de operações, o reconhecimento do rédito da venda inicial dos bens, que será o justo valor dos montantes recebidos ou a receber, deverá ser imputado aos bens vendidos ao cliente dessa venda inicial e aos descontos atribuídos.
O valor a imputar aos descontos atribuídos deverá ser o respetivo valor atribuído (justo valor). Esse valor a imputar aos descontos atribuídos poderá ser o justo valor dos bens ou serviços a fornecer a clientes que não acumularam descontos, ou seja, o preço desses bens ou serviços que normalmente será cobrado aos clientes sem a existência de qualquer programa de descontos.
Esse valor imputado aos descontos atribuídos deverá ser reconhecido como redução imediata do rédito de venda dos bens (e correspondente passivo: diferimento de rédito), sendo que tal valor deverá ser estimado em função dos descontos utilizados pelo total de descontos atribuídos.
Como será óbvio, existirão sempre clientes que obterão os pontos, mas que nunca os irão utilizar na aquisição de compras futuras, por se ter expirado a respetiva validade, ou simplesmente porque não os pretenderam utilizar.
A entidade deverá efetuar uma estimativa dessa utilização de pontos, baseando-se na experiência ou histórico de descontos atribuídos e utilizados no passado, no sentido de obter uma percentagem fiável dos descontos atribuídos que nunca irão ser utilizados.
O referido passivo (diferimento do rédito), que representa a obrigação presente de a entidade conceder os descontos atribuídos em vendas futuras, será liquidado no momento da utilização dos referidos descontos em vendas futuras. Ao mesmo tempo será reconhecido o rédito referente aos descontos atribuídos.
Sugere-se a leitura atenta do exemplo previsto nos «Exemplos ilustrativos» que acompanham a IFRIC 13, para melhor compreensão do tratamento a efetuar.
No caso em concreto, verificamos é que pode acontecer o desconto efetuado pelo cliente ser inferior ou superior ao reconhecimento dos pontos acumulados na parte da entidade em causa.
Sendo difícil o reconhecimento do rédito diferido, por cada venda, uma vez que podem estar a ser atribuídos pontos que não são da empresa em causa, sugerimos que seja efetuado um lançamento intermédio e no final do ano seja efetuada o encontro de contas entre o valor dos pontos atribuído pela empresa e os pontos que são de outras empresas que o centro comercial irá devolver ou receber.
Exemplo: a entidade tinha acumulado em pontos atribuídos no ano "N” o valor de 20 euros. Mas no final do ano verificou que tinham sido descontados pontos no valor de 100 euros.
Assim, ano "N”, irá acontecer os seguintes procedimentos:
- No momento da venda, pelo reconhecimento do rédito de vendas dos bens:
Débito: 12 - Depósitos à ordem
Crédito: 71 - Vendas
(Pelo valor das vendas efetivamente efetuadas aos clientes)
– Sempre que são atribuídos pontos nas suas vendas:
Débito: 718 - Vendas - Descontos e abatimentos em vendas
Crédito: 282 - Diferimentos - Rendimentos a reconhecer
(Pelo valor do desconto, que resulta o reconhecimento da obrigação presente constituída no momento da atribuição dos pontos. No exemplo, no final do ano o saldo destes movimentos no nosso exemplo é de 20 euros).
- No momento da utilização dos descontos do cartão pelo cliente:
Débito: 278 – Centro comercial – cartão cliente - Descontos atribuídos por outras entidades
Débito: 282 – Centro comercial – cartão cliente – Descontos atribuídos pela entidade
Crédito: 71 - Vendas
(Pelo valor dos pontos descontados pela utilização pelos clientes. No exemplo apresentado o saldo acumulado deste movimento no ano "N” será de 100 euros, mas apenas 20 euros foram descontos atribuídos pela entidade, sendo os restantes 80 euros originados por descontos concedidos por outras lojas do centro comercial).
- No final do ano, pela devolução pelo centro comercial dos valores dos descontados pelos clientes que não pertencem à empresa
Débito: 12 – Depósito à ordem
Crédito: 278 – Centro comercial – cartão cliente
(Pela diferença entre o valor dos pontos da loja da entidade que estamos a analisar e os pontos das outras lojas, que são devolvidos pelo centro comercial, 100 - 20 = 80 euros).