PT23647 – Cessão de quotas
05-11-2019
Como contabilizar a venda das quotas de uma microentidade cujo valor nominal é de cinco mil euros e a venda será de um milhão de euros? Como tributar as mais-valias dos cedentes na sua esfera individual?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico e fiscal relativa à alienação da quota de um sócio (pressupomos que seja pessoa singular), quer no âmbito da sociedade quer no âmbito da esfera particular do sócio.
Em termos do Código das Sociedades Comerciais, a cessão de quotas entre sócios ou a terceiros é permitida pelo Código das Sociedades Comerciais (CSC). Efetivamente, o CSC não põe qualquer restrição à transmissão de quotas entre pessoas, salvo as que resultem das estabelecidas no contrato da sociedade.
Assim, para que possa ocorrer essa cessão de quotas deve, antes de mais, verificar-se as condições estabelecidas no pacto social, isto é, se este define alguma restrição na transmissão das quotas, sendo estas restrições ou proibições permitidas, conforme estabelecido pelo artigo 229.º do CSC.
Para além do pacto social, o artigo 228.º CSC e seguintes definem a forma, bem como o procedimento, para a realização dessa transmissão de quotas, nomeadamente, devendo a transmissão de quotas ser reduzida a escrito.
A cessão de quotas carece de consentimento da sociedade, que deve ser comunicada por escrito pelos sócios. A única exceção à necessidade desse consentimento é quando se trate de cessão entre cônjuges, ou entre sócios.
A transmissão de quotas, após a respetiva formalização pelo documento escrito, está sujeita a registo na Conservatória do Registo Comercial, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Registo Comercial.
Com a transmissão das quotas entre um ou vários sócios e terceiras pessoas (novos sócios) são também transmitidos todos os direitos e deveres relacionados com a respetiva propriedade, nomeadamente os lucros ainda não distribuídos (contabilizados em reservas livres, resultados transitados ou outra rubrica com resultados retidos distribuíveis).
Em termos contabilísticos, a transmissão de quotas, sendo realizada pelo sócio, com a incorporação de um novo sócio, e não existindo qualquer alteração quantitativa do capital, não implicará qualquer alteração quantitativa do património societário, uma vez que a sociedade continuará com o mesmo capital social, embora agora detido por sócios diferentes.
Se a empresa, no seu plano de contas, tem a conta de capital subdividida de acordo com os diversos titulares, deverá efetuar a transferência, relativa à quota alienada, para o novo titular. Movimentando-se a débito, por exemplo, a conta 511 Capital - Sócio A ("cedente da quota"), por contrapartida a crédito da conta 513 - Capital - Sócio C ("adquirente da quota"), pelo valor nominal da transmissão das quotas.
Na esfera da sociedade, o registo contabilístico resume-se apenas à alteração de titularidade do respetivo capital (valor nominal) independentemente do valor pelo qual a quota é vendida ao novo sócio.
Como se poderá concluir, a diferença positiva ou negativa entre o valor de cedência das quotas e o seu valor de aquisição apenas se refletirá na esfera patrimonial do sócio cedente e não na própria sociedade.
Para além dos registos contabilísticos referidos, pode ainda proceder à identificação dos novos detentores de capital nas notas do anexo às demonstrações financeiras.
Em termos do Código do IRS, na esfera do sócio cedente da participação (quando estes sejam pessoas singulares), pode existir tributação na esfera de IRS, nomeadamente da categoria G - Mais-valias.
A alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º juntamente com a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Código do IRS (CIRS) considera como rendimentos da categoria G (mais-valias), os ganhos provenientes da alienação onerosa de partes sociais, nomeadamente alienação de quotas ou ações de sociedades comerciais.
A mais-valia (ou menos-valia) resultante da alienação de quotas por parte dos sócios da empresa, é dada pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição dessa quota, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, conforme previsto no n.º 4 do artigo 10.º do CIRS.
O valor de realização é determinado pelo valor da contraprestação paga, conforme a alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS, (pela exposição efetuada é de um milhão de euros).
O valor de aquisição é determinado nos termos do artigo 48.º do CIRS, estando dependente da situação em concreto. Neste caso, tratando de uma sociedade por quotas, esse valor de aquisição é o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal, conforme a alínea b) desse artigo 48.º.
É importante referir que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode determinar o valor da alienação através do valor nominal constante no último balanço aprovado na sociedade, se considerar que existe divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, nos termos do artigo 52.º do CIRS.
Se a alienação da parte social der origem a uma mais-valia, esta é tributada em 100 por cento, nos termos gerais do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS, ou em 50 por cento, se a sociedade em causa for considerada como uma micro e pequena empresa, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro (Circular n.º 7/2014, de 29 de julho).
O ganho (mais-valia) considera-se obtido, no caso de transmissão de quotas, logo que verificada a transmissão dos direitos inerente ao contrato [alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º do CIRS], independentemente da data do pagamento dos valores acordados para essa transmissão.
Se a alienação da parte social der origem a uma menos-valia, esta apenas pode ser deduzida aos rendimentos da mesma natureza (categoria G), sendo possível reportar essa dedução aos dois anos seguintes de rendimentos, quando se tenha optado pelo englobamento, conforme a alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS.
Na categoria G não existe a exclusão de tributação por reinvestimento na aquisição de outras partes sociais ou por realização de prestações suplementares.
As despesas de alienação que podem ser deduzidas, ao abrigo da alínea b) do artigo 51.º do mesmo Código, são as necessárias e efetivamente praticadas.
No tocante ao cálculo das mais-valias, com a alienação de quotas, são calculadas da seguinte forma:
MV/mv = VR - (VA + DAL) x Coef
Sendo:
MV - Mais-Valia mv - menos-valia
VR - valor de realização
VA - valor de aquisição
DAL - despesas com a alienação e com a aquisição
Coef - coeficiente de desvalorização da moeda
Os ganhos (saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias) resultantes da alienação das partes sociais são tributados à taxa autónoma de 28 por cento nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, no caso de não se optar pelo englobamento.
Com a opção pelo englobamento, estes rendimentos de mais-valias ficam sujeitos às taxas gerais do artigo 68.º do CIRS.
Estes rendimentos são de englobamento facultativo, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do CIRS, tendo apenas que englobar os rendimentos da mesma categoria - categoria G, caso exerça esta opção (n.º 5 do artigo 22.º CIRS).
Se o sujeito passivo pode optar por englobar estes rendimentos, nos termos do n.º 12 do artigo 72.º do CIRS, devendo para isso assinalar "Sim" no quadro 09 do anexo G da declaração de rendimentos modelo 3, existindo sempre a necessidade de declarar a totalidade da mais-valia obtida, mesmo sendo facultativo o englobamento deste tipo de rendimentos, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do CIRS.
Mesmo não se apurando qualquer ganho com a alienação das mencionadas partes sociais, ou seja, não existindo qualquer mais-valia, subsiste a obrigação de declarar essa venda. Efetivamente, não existindo quaisquer ganhos (mais-valias) não há lugar a tributação, mas subsiste a obrigação declarativa no anexo G, quadro 8 do modelo 3.
Nos termos do n.º 11 do artigo 119.º compete ao notário que interveio no negócio efetuar a comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira da referida cessão de quotas entre os sócios.