Opinião
Ordem nos media
«Choques fiscais» virtuais
23 Março 2007
Opinião de Domingues de Azevedo, Presidente da CTOC

                                               

Se há tema que gera sempre uma acesa discussão na sociedade portuguesa, esse é, indiscutivelmente, o dos impostos. Seja quando se anuncia um «choque fiscal» ou quando, por imperativos emergentes, existe a necessidade de aumentar o peso da carga fiscal sobre contribuintes e empresas. Nas últimas semanas, têm sido desenvolvidas ideias que apontam para a possibilidade de uma descida dos impostos, dois anos passados do seu aumento e numa altura em que o combate ao défice começa a dar sinais esperançosos. A concretizar-se, seria um passo atrás no esforço de consolidação orçamental. A História encarregou-se de demonstrar que «choques fiscais» virtuais só servem para distrair a opinião pública do que é verdadeiramente essencial.
A legislatura ainda vai a meio e materializar neste «timing» um «choque fiscal» seria leviano e penalizador dos interesses nacionais. Importa não esquecer que o nosso país continua em situação de incumprimento. O controlo das contas públicas é um esforço contínuo e o aperto orçamental deve prosseguir, pelo menos por mais um ano. Pelo menos, repito. Portugal vai caminhando na direcção certa e sem finanças públicas sãs não será possível seguir a trajectória de progresso que todos ambicionamos. Os 3,9 por cento de défice logrados pelo Executivo não devem conduzir a festejos precipitados. Devem, antes, ser um estímulo para consolidar o esforço em curso. Até ao fim, por muito sacrifício que isso implique.
Não me considero dono da razão, mas esta minha perspectiva é partilhada por uma mão cheia de empresários e gestores de topo que defenderam a manutenção da actual carga fiscal por mais algum tempo. Só depois, sim, será altura para aliviar a pressão fiscal que, de alguma forma, tem tido o efeito de condicionar a expansão da economia e da competitividade. Sou da opinião que baixar a carga fiscal não contribui de forma substancial para «revolucionar» e desenvolver um país. Mudar mentalidades, estimular o empreendorismo e levar a cabo reformas profundas na cristalizada Administração Pública, são mais-valias comparativamente com a redução de impostos. Convém, contudo, sublinhar um ponto importante. Se de acordo com dados do Eurostat Portugal foi dos países onde os impostos mais cresceram na última década, não é menos verdade que, em termos reais, a nossa carga fiscal continua a ser uma das mais baixas da Europa. Contudo, as contrapartidas que os portugueses recebem por efeito de suportarem a carga fiscal é muito menor do que aquelas que têm os franceses, os espanhóis, os suecos ou os dinamarqueses. Nestes países, os mecanismos sociais disponibilizados pelo Estado funcionam como uma espécie de rede que transmite uma sensação de conforto a todos os que pagam impostos. Como tal, não se pode analisar a carga fiscal que se pratica em Portugal comparativamente com os outros países, mas mediante as contrapartidas que recebemos dos impostos que suportamos. Nessa perspectiva, temos uma carga fiscal pesada.
O desejável seria que no nosso país o pagamento de impostos reflectisse contrapartidas condizentes. Infelizmente, porque pagar impostos representa quase sempre uma parte do nosso empobrecimento, com o desembolsar de dinheiro do orçamento doméstico de todos nós, diminuímos a nossa capacidade financeira e com ela a qualidade de viver melhor e realizar alguns dos sonhos acalentados durante uma vida. É esta carga negativa associada ao acto tributário que deve ser modificada, cabendo esse papel ao Estado.