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Comunicação de inventários
18 Dezembro 2017
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem
PT19719 - Comunicação de inventários
01-10-2017

Uma empresa efetua compras de mercadorias num país terceiro que demora, mais ou menos, dois meses a chegar a Portugal. No final do ano pode acontecer que essas mercadorias não estejam em Portugal se forem compradas em novembro. Para controlo interno a empresa só dá entrada efetiva quando chega a Portugal apesar do fornecedor já ter emitido a fatura na data da compra efetiva. Neste caso o fornecedor emite a fatura em novembro mas a empresa só dá entrada quando chega, por isso pode ser em janeiro de 2018. Nestes casos a empresa tem que dar entrada da mercadoria no stock que envia para as finanças com data de 31 de dezembro?

Parecer técnico

A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico da compra de inventários em países terceiros (importação).
Em termos contabilísticos, os bens em causa apenas podem ser reconhecidos como ativos no balanço da empresa, quando satisfaçam a definição e os critérios de reconhecimento como tal.
De acordo com a Estrutura Concetual do SNC, apenas se considera um ativo quando exista o controlo dos bens, em resultado dessa aquisição, para a qual se espera que se obtenham benefícios económicos com a sua utilização ou venda. Esse ativo apenas pode ser reconhecido quando se estime que se obtenham os referidos benefícios económicos e o seu custo seja fiavelmente mensurado.
Na prática, apenas quando os bens forem colocados à disposição da empresa, se deve proceder ao respetivo reconhecimento do inventário pelo seu custo de aquisição, incluindo o preço de aquisição dos bens e todas as despesas necessárias para a compra, incluindo impostos não recuperáveis e custos de importação, conforme previsto no parágrafo 10 e 11 da NCRF 18 - "Inventários".
O momento dessa colocação dos bens à disposição da empresa adquirente, e portanto do reconhecimento da compra de inventários, depende principalmente dos termos acordados com o fornecedor para as condições de compra, os designados "Incoterms", que devem constar dos documentos de aquisição dos bens.
Assim, por exemplo, no caso de bens importados de país terceiro, por via marítima, se as condições forem DES - porto de Lisboa, como a responsabilidade dos bens passa para o adquirente na chegada dos bens ao porto de Lisboa, é nesse momento que deve ser reconhecido o ativo (compras de inventários) e o passivo (dívida ao fornecedor).
Se a compra é FOB - porto do país terceiro, então a data de expedição e de faturação é relevante para o reconhecimento do ativo (compras de inventários) e o passivo (dívida ao fornecedor), pois a sua colocação à disposição acontece no momento da carga dos bens no porto de origem.
Com a receção da fatura em data anterior à receção efetiva dos bens adquiridos, como sucede normalmente nas importações, esta deve ser contabilizada a partir do momento em que os bens sejam colocados à disposição do adquirente, atendendo às referidas condições de compra, mesmo que esses bens ainda não tenham efetivamente sido rececionados pelo adquirente (inventários em trânsito).
Nestas situações de inventários em trânsito, com a colocação dos bens à disposição sem que os mesmos tenham sido efetivamente rececionados, pode ser criada uma subconta na conta de compras para os inventários em trânsito. Em simultâneo, como a fatura ainda não foi objeto de conferência com os bens a receber, a dívida a pagar ao fornecedor pode ser registada na conta 225 - "Fornecedores - Faturas em receção e conferência".
Os registos contabilísticos podem ser:
Pelo registo da fatura da aquisição (em que os bens ainda não entraram no armazém):
- Débito da conta 31x - "Compras - Inventários em trânsito" por contrapartida a crédito da conta 225 - "Fornecedores - Faturas em receção e conferência", pelo custo de aquisição dos inventários (e respetivas contas de IVA autoliquidado e dedutível)
Este custo de aquisição dos inventários, para além do preço de aquisição dos bens, deve ainda incluir as despesas de importação, ainda que estimadas, quando os bens ainda não tenham sido despachados na alfândega, e não sejam conhecidas com rigor.
Com a receção e conferências dos inventários e da fatura:
- Débito da conta 31y - Compras - «inventários» por contrapartida a crédito da conta 31x - "Compras - Inventários em trânsito", pelo custo de aquisição.
E,
- Débito da conta 225 - "Fornecedores - Faturas em receção e conferência" por contrapartida a crédito da conta 221 - "Fornecedores c/c", pelo valor a pagar ao fornecedor.
No caso dos inventários continuarem em trânsito à data de balanço (31/12), o valor dessas compras pode ser transferido para a conta 325 - "Mercadorias em trânsito", quer se esteja a utilizar o sistema de inventário permanente ou intermitente.
Tal como decorre do explicado acima, não há que efetuar qualquer registo contabilístico pela mera receção da fatura.
Apenas quando os bens sejam colocados à disposição do adquirente, por exemplo, no momento do embarque dos bens no Porto do país terceiro, se as condições comerciais acordadas forem FOB - porto do país terceiro, deve a empresa proceder ao respetivo reconhecimento dos bens no inventário.
Se os bens forem adquiridos numa moeda estrangeira há que atender aos efeitos das alterações de taxas de câmbio.
O tratamento contabilístico do efeito de alterações de taxas de câmbio está previsto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 23 - "Os Efeitos de Alterações em Taxas de Câmbio".
A NCRF 23 estabelece que, quando o principal ambiente económico da empresa opere com uma moeda diferente da moeda normal de apresentação das demonstrações financeiras, se possam emitir demonstrações financeiras na moeda desse ambiente económico (moeda funcional).
A moeda de apresentação das empresas estabelecidas em Portugal será o Euro (€), conforme determinado no parágrafo 8 da NCRF 1 - "Estrutura e conteúdo das demonstrações financeiras", todavia, pela aplicação da NCRF 23, a empresa pode também emitir demonstrações financeiras na moeda funcional, ainda que diferente da moeda de apresentação.
O ambiente económico principal no qual uma entidade opera é normalmente aquele em que a entidade gera e gasta dinheiro.
Ainda que a entidade efetue algumas operações de compra e venda de bens em moeda estrangeira (p.e. USD), se no seu ambiente económico principal, a empresa efetua normalmente os seus pagamentos e recebimentos em euros, nomeadamente pagamentos de salários, fornecimentos e serviços externos e mesmo algumas compras e vendas de bens de inventário, a sua moeda funcional é efetivamente o euro.
Nos termos do parágrafo 21 da NCRF 23, uma transação em moeda estrangeira, nomeadamente compra e venda de bens e serviços, empréstimos obtidos ou concedidos, deve ser registada, no momento do reconhecimento inicial na moeda funcional (neste caso o euro), pela aplicação à quantia de moeda estrangeira da taxa de câmbio entre a moeda funcional e a moeda estrangeira à data da transação.
Este momento de reconhecimento inicial é definido nos termos da NCRF aplicável ao ativo em concreto. No caso dos inventários, há que atender à NCRF 18, em que, tal como referido acima, o reconhecimento é efetuado no momento em que os bens são colocadas à disposição da empresa, estando esse momento dependente dos incoterms acordados entre a empresa e o fornecedor.
Por razões práticas, é muitas vezes usada uma taxa que se aproxime da taxa real à data da transação; por exemplo, pode ser usada uma taxa média para uma semana ou um mês para todas as transações em cada moeda estrangeira que ocorram durante esse período. Este procedimento pode ser utilizado se existirem muitas operações em moeda estrangeira num determinado período. Porém, se as taxas de câmbio variarem significativamente, o uso da taxa média de um período não é apropriado.
No momento da liquidação das dívidas a receber ou a liquidar (itens monetários) resultantes das referidas transações de compra e venda de itens de inventários, há que efetuar o respetivo registo à data dessa operação de liquidação.
Se existir uma diferença entre o câmbio em que foi registado inicialmente esse item monetário (divida a receber ou a pagar) e a respetiva liquidação, essa diferença (positiva ou negativa) deve ser reconhecida nos resultados do período da referida liquidação, conforme previsto no parágrafo 27 da NCRF 23.
Subsequentemente, à data de cada balanço, o montante em saldo na conta de dívidas a receber ou a pagar em moeda estrangeira afetado pelo reconhecimento das liquidações efetuadas ao longo do período, sendo também um item monetário em moeda estrangeira, deve ser transposto pelo uso da taxa de fecho, sendo reconhecida a respetiva diferença de câmbio nos resultados desse período.
Na prática, há que remensurar o saldo final das dívidas a receber ou a pagar em moeda estrangeira, existente à data de balanço (31/12) tendo em conta a taxa de câmbio de fecho desse dia 31/12 entre a moeda estrangeira e o euro, reconhecendo a diferença de câmbio nos resultados do período.
Essa diferença de câmbio é a diferença entre a conversão da dívida a receber ou pagar para a moeda funcional à data da operação (ou à taxa média da semana, mês ou ano) e a conversão dessa dívida à taxa de fecho (31/12).
Como se constata, pressupondo que a moeda funcional da empresa é efetivamente o euro, as operações de compra e venda de bens, e as correspondentes dívidas a pagar e a receber, em moeda estrangeira (USD) devem ser reconhecidas inicialmente (convertidas para o euro) à respetiva taxa de câmbio da data dessas operações.
À medida em que se efetuam as liquidações dessas dívidas a pagar ou receber em moeda estrangeira, há que efetuar o reconhecimento das respetivas diferenças de câmbio (nos resultados do período) pela diferença entre as quantias escrituradas dessas dívidas (valorizadas à taxa de câmbio à data da operação ou taxa média do período) e o valor do pagamento ou recebimento, valorizado à taxa de câmbio da data desse pagamento ou recebimento.
Apenas quando ainda existam dívidas a receber ou a pagar à data de relato (fecho) das demonstrações financeiras, essas dívidas devem ser novamente valorizadas para a taxa de câmbio a essa data de fecho, reconhecendo-se as respetivas diferenças de câmbio também em resultados do período.
Tratando-se da aquisição de inventários, sendo esta uma atividade operacional, as diferenças de câmbio podem ser registadas nas contas 6887 - "Diferenças de câmbio desfavoráveis" e conta 7887 - "Diferenças de cambo favoráveis", conforme resulta do entendimento da Comissão de Normalização Contabilística (FAQ 10 - Questões frequentes - setor empresarial) e no novo Código de Contas do SNC para os períodos a partir de 2016. A contrapartida será a conta do fornecedor.
Tal como referido, neste caso, as diferenças de câmbio são registadas apenas na data de fecho (31/12) ou no momento do pagamento das faturas. Não existem diferenças de câmbio entre a data da fatura e a data da colocação dos bens à disposição.
As mercadorias em trânsito, reconhecidas como inventários nos termos da NCRF 18, devem também ser comunicadas à AT nos termos do artigo 3.º-A do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24/08, não existindo qualquer dispensa para esses casos.
As mercadorias em trânsito, ainda não reconhecidas como inventários, devido, por exemplo, às condições comerciais acordadas serem DES - Porto de destino, não devem ser comunicadas à AT, ainda que já se tenha recebido a fatura do fornecedor.