Conferências comemorativas dos 250 anos da Aula do Comércio
Novas tendências da Fiscalidade (28 de Abril - Centro de Congressos Lisboa)
«A arte de cobrar impostos consiste em depenar o pato de modo a obter o maior número possível de penas com o menor número de guinchos». A frase, da autoria de Jean Baptiste Colbert (1619-83), ministro de Estado e das Finanças de Luís XIV, plena de frieza e ironia, foi recordada por João Catarino e Manuel Faustino no passado dia 28 de Abril, espelha bem o actual sentimento latente entre alguns especialistas da área fiscal. A visão de Colbert, grande estratega do mercantilismo em França, tem a seu favor o crivo dos séculos, pelo que a sua permanente citação deve constituir motivo de meditação.
João Catarino, que falou sobre a história dos impostos e evolução do conceito de capacidade contributiva, meditou sobre o dito do ministro de Luís XIV e concluiu que, em Portugal «não temos guinchado o suficiente. Estamos aqui a fazer o papel de patos, mas de patos mudos.»
Depois de ter analisado a evolução de tributo, de se socorrer dos ensinamentos de Ferreira Borges, para quem, referiu João Catarino, «cada um deve contribuir na proporção dos seus haveres» e «o tributo deve ser certo e não arbitrário», este professor universitário e ex-membro da Comissão do IVA salientou alguns dos problemas das taxas progressivas e lembrou que «o rendimento não tem a mesma utilidade marginal dos outros bens.»
Crítico do rumo que o sistema fiscal está a seguir, João Catarino lamentou a «utilização» do sistema fiscal como «pau para toda a obra» e sintetizou com uma comparação arrasadora: «Utilizar o sistema fiscal para todos os fins como hoje se vê, é a mesma coisa que colocar a rainha de Inglaterra a passear num carrinho de mão.»
A assistência não ficou indiferente a estas opiniões como não ficaria também em relação às do orador seguinte, Casalta Nabais. Debruçando-se sobre o mesmo tema, este professor da Faculdade de Direito de Coimbra, depois de classificar a Constituição de 1976 como «esquisita», porque na realidade «são duas constituições numa», ou seja, uma de «cariz marxista» e outra «com teor mais Ocidental», alertou para os excessos do fisco: «Hoje, são as máquinas que liquidam e penhoram tranquilamente durante a noite. É preciso muito cuidado com isto. A administração fiscal esconde-se comodamente atrás das máquinas e dos seus eventuais erros, mas tal não é aceitável.»
Casalta Nabais colocou ainda em cheque o artigo 104.º da Constituição e recordou que o texto fundamental da República «não permite» a adopção da flat tax. «O nosso Estado é um Estado social. Os países que adoptaram a flat tax vieram de um Estado não fiscal. Tenho muitas dúvidas sobre a adopção de tal política fiscal em termos constitucionais.»
Para este antigo assessor do Tribunal Constitucional, um dos caminhos possíveis será apostar na tributação do consumo, «que onere os artigos de luxo, por exemplo. No futuro, termos de contar mais com isso. Sempre é uma maneira daqueles que não pagam pagarem alguma coisa.»
Seja como for, uma coisa é evidente para Casalta Nabais: «O nosso modelo fiscal é insustentável. Não há PIB que resista a normas que mudam todos os dias.» Porque a «progressividade, na prática, não funciona», este especialista aponta a «tributação do consumo e imposto sobre o rendimento mais simples» como caminhos que devem ser seguidos. «O nosso sistema fiscal tem que ser objecto de profunda reforma no sentido da simplificação», rematou.
Para quando uma conta-corrente com o Estado?
Com a contundência das afirmações de Casalta Nabais terminou o I painel. O segundo, dedicado à «Fiscalidade face às novas tecnologias» abriu com Vasco Branco Guimarães a fazer uma curta viagem pela história da web. Este professor do ISCAL enunciou alguns dos problemas que subsistem relativamente ao comércio electrónico e, referindo-se à tributação directa, salientou a dificuldade para definir o «estabelecimento permanente. Como é que consigo uma instalação fixa no comércio electrónico, se a desmaterialização é uma das suas características base?» Face à interrogação, o orador propôs duas contribuições: «A acessibilidade e a efectividade.»
Relativamente à tributação indirecta, Vasco Guimarães salientou a ideia da «isenção genérica como objectivo de alguns países ou interesses económicos», que se escondem atrás do «mito da impossibilidade do controlo» para tentar desvanecer a ideia de tributação.
Depois de analisar o passado e o presente da administração fiscal, o orador deixou no ar algumas ideias para o futuro. Por exemplo, sublinhou não perceber «porque é que não existe uma conta-corrente entre o contribuinte e o Estado. Dizem que é possível, dizem que está a ser feito, vamos ver se assim é.»
Antes de terminar, Vasco Guimarães lembrou ainda «a fragilidade do modelo» assente nas novas tecnologias, em caso de crise ou ruptura de civilização e recordou que, no respeitante aos «segredos partilhados» a simples quebra do sigilo bancário, por exemplo, «não terminará com a economia paralela. Ela continua a existir em Espanha ou em França», lembrou.
Seguiu-se Alves da Silva. Bem conhecido do universo dos Técnicos Oficiais de Contas, este membro honorário da Câmara levou até ao auditório e às cerca de sete centenas de profissionais que assistiram à conferência uma lufada de boa disposição. Num painel moderado por Saldanha Sanches, Alves da Silva abriu o livro da sua vida, relatou experiências, no mínimo, curiosas e semeou humor. Com a autoridade do seu meio século de experiência profissional, Alves da Silva lembrou que toda a Contabilidade assenta em dois princípios fundamentais: «Verdade e clareza». Por isso, «a Contabilidade não pode aceitar como exacto qualquer lançamento nas suas contas ou livros que não possuam uma peça de apoio que lhe sirva de fundamento.»
Apesar de toda a sofisticação advinda da desmaterialização das declarações fiscais, o orador socorreu-se da prática para denunciar anomalias. Um exemplo: «É impossível calcular a margem bruta das vendas nas farmácias.» Resolução do problema ao cuidado dos respectivos responsáveis: «Tem que ser criado um anexo onde se possam separar as mercadorias.»
«Os ricos em IRS são os trabalhadores por conta de outrem»
A manhã terminara com boa disposição. A tarde iniciou com coisa séria, não estivesse em análise a «Evolução da tributação directa». Começou com um especialista na matéria (Manuel Faustino), depois de apresentado por outro especialista (Xavier de Basto).
Aquele que muitos consideram o «pai do IRS» não escondeu o seu desalento pelo rumo que o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares está a seguir: «No quadro actual, os ricos em IRS são os trabalhadores por conta de outrem», salientou. E, no quadro actual, «temos um IRS que é extremamente complexo». Para ilustrar esta afirmação, o também membro do Gabinete de Estudos da CTOC exemplificou com o quebra-cabeças necessário para definir aos residentes e não residentes o regime que lhes caberá em sorte.
Manuel Faustino abordou depois os modelos de tributação do rendimento pessoal, desde a tributação unificada ou compreensiva, até á tributação da despesa, passando pela tributação, dual, semi-dual e proporcional. O consultor do Banco de Portugal enumerou algumas das características fundamentais de cada modelo, destacando a tributação semi-dual, «um modelo que não aplica as mesmas taxas a todas as categorias de rendimentos, aplicando, em regra, taxas proporcionais e moderadas aos rendimentos de capital e taxas progressivas aos salários, rendimentos empresariais e profissionais e às pensões.»
António Moura Portugal debruçou-se sobre o IRC, discorrendo sobre o balanço e desafios futuros para este imposto. Depois de uma breve análise histórica, o orador apresentou uma visão geral dos 20 anos daquele imposto em Portugal, salientando, por exemplo, que a uma redução das taxas nominais de tributação (dos 36,5 por cento iniciais até aos actuais 25 por cento) não correspondeu necessariamente uma quebra de receitas, o que se explica, em parte, pelo aumento do número de sujeitos passivos e da evolução em crescendo das declarações entregues.
Este advogado, especialista em Direito Fiscal, acentuou o facto do IRC ter sido o imposto que mais alterações sofreu - «uma média de duas alterações por ano, nas duas últimas décadas»,- assegurando que tal cenário «dificulta o conhecimento do quadro legal», reforçando ainda a ideia de que «alterações são produzidas sem preocupação de uniformização.» Por outro lado, lembrou que «o IRC é um imposto que sai caro às empresas. Para as PME «representam 5,27 por cento do volume de negócios», e lamentou a distribuição «pouco equitativa da carga fiscal: 50 empresas são responsáveis por 37,8 por cento do imposto.» Entre outras interrogações, Moura Portugal deixou no ar a questão de um IRC segmentado, «aproveitando a dualidade de regimes ao nível das NCRF.» O futuro o dirá¿
IVA: novas alterações em perspectiva
A questão da tributação indirecta, leia-se IVA, foi abordada no quarto painel, com moderação de Nunes dos Reis, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Clotilde Palma, profunda conhecedora dos mecanismos do imposto, falou sobre a sua evolução recente, enunciando alguns dos principais passos da harmonização e enumerando Directivas e regulamentos recentemente aprovados, ao mesmo tempo que forneceu algumas pistas sobre as propostas em discussão. Depois de ter salientado que este é um «imposto de sucesso», aplicado por cerca de 150 países, Clotilde Palma recordou que a «simplificação administrativa e a alteração das regras de localização de certas prestações de serviços», fazem parte do rumo a adoptar pela Comissão, onde se inserem, entre outras, a «revisão das regras relativas às prestações aos sujeitos passivos, apontando para a mudança da regra geral de tributação do local do prestador para o local do destinatário.» No tocante às matérias em discussão, a oradora salientou a proposta de directiva apresentada em 2002 que altera o regime das agências de viagens, a proposta de directiva que modifica as regras relativas às taxas reduzidas ou a proposta apresentada já em Janeiro último que altera as normas referentes à facturação. Sobre as taxas reduzidas, de salientar o acordo alcançado no ECOFIN de Março último, que permitiu que Portugal continuasse «a aplicar a taxa reduzida de cinco por cento nas portagens das travessias rodoviárias sobre o Tejo, em Lisboa.» Em jeito de conclusão, e após uma exposição muito detalhada, a ex-membro do GECTOC, destacou existir «uma tentativa de, através do sistema comum, introduzir elementos que permitam uma passagem a um regime definitivo, com instituição generalizada do balcão único.»
O IVA continuou a dar que falar. Desta feita, coube a Rui Laires falar sobre as novas regras de localização das prestações de serviços. Este quadro da DGI começou por enunciar as Directivas que são necessárias transpor (2008/8/CE; 2008/9/CE e 2008/117/CE) para lembrar, de seguida, o novo quadro para a localização das prestações de serviços, a partir do 2010. Rui Laires elencou duas regras gerais: serviços efectuados a sujeitos passivos do IVA, ou seja, o lugar da sede, estabelecimento estável ou domicílio dos serviços e, como segundo ponto, os serviços efectuados a não sujeitos passivos do IVA. Após esta definição, o orador apresentou uma série de excepções, onde colocou os serviços relativos a bens imóveis, o transporte de passageiros, os serviços culturais, artísticos, desportivos, científicos, educativos e similares, serviços de restauração e locação de curta duração de meios de transporte.
Outras excepções à regra geral aplicável a particulares foram enunciadas, bem como opções para evitar a dupla tributação ou a não tributação. As regras a vigorar a partir de 2011, 2013 e 2015 também não foram esquecidas, estando prevista, dentro de dois anos, por exemplo, a alteração da locação de meios de transporte (com excepção dos de curta duração) em serviços prestados a não sujeitos passivos. Ou seja, não faltarão movimentações no quadro normativo do IVA para os próximos anos¿
Próxima década será de reformas
Porque os tempos são de mudança, debater o que aí vem em matéria de política fiscal afigura-se avisado. Numa mesa redonda presidida por António Carlos dos Santos, e com Rogério Fernandes Ferreira e Vasco Valdez como oradores, este trio de ex-secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, deixaram algumas ideias sobre o que pode suceder no futuro próximo.
António Carlos Santos balizou o debate, afirmando que «falar de política fiscal é falar sobre onde estamos e para onde queremos ir.» O também membro do Gabinete de Estudos da CTOC, sabe, tal como José Régio, que há muitos caminhos, mas um deles deve ser evitado: «É necessário muito cautela nas mudanças legislativas, sob pena de se estar a gerar entropia e depois o caos.»
Rogério Fernandes Ferreira, depois de ter citado Vito Tanzi, membro do FMI, - «Os sistemas fiscais nacionais têm de sofrer um grande ajustamento» - salientou o facto da «erosão das bases tributáveis terem levado os Estados a pressionar as bases de mais difícil mobilidade e fácil controlo, o que tem levado a desigualdades.»
Questionando se faz sentido manter a «panóplia» de deduções e benefícios fiscais, o antigo secretário de Estado arriscou com a ideia de que «a próxima década será de reformas.» No entender deste advogado, «o IRS vive um momento de crise, em boa parte devido à sua própria complexidade» e, por isso, deverá ser ponderada a «flat tax, que permitirá maior simplificação.» Em matéria de IRC, «assistimos a várias distorções» e avançou com a possibilidade de se estudar «uma taxa única de IVA», defendendo que a nível de património «é necessário corrigir algumas taxas, sobretudo no Norte de País.» Sobre o sigilo bancário, Rogério Fernandes Ferreira não teve dúvidas: «Melhor do que esta solução agora adoptada, seria manter a lei anterior a 2005.»
Travar a torrente legislativa
Vasco Valdez começou por falar de crise. «É uma óptima oportunidade para repensar a fiscalidade.» E depois da crise? «Vamos ter uma primeira fase com défices excessivos, pelo que não há qualquer hipótese de baixar impostos nos próximos anos.» Um vaticínio que obrigará «os Estados a perceber o que aconteceu», apesar do também professor do ISCAL estar bastante céptico: «Não acredito que haja vontade política a nível mundial para alterar alguma coisa.»
Chamando a atenção para a necessidade de «travar a torrente de legislação fiscal», até porque a sua «qualidade tem também muito que se lhe diga», Vasco Valdez, que neste capítulo fez o seu mea culpa, defendeu que, no caso do IRS, «quando se fala do fim dos abatimentos para quem tenha 40 ou 42 por cento de retenção, está, na verdade, a tributar-se a classe média. Para os ricos, é absolutamente indiferente pagar mais 500 ou mil euros de IRS.»
O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais chamou a atenção para o facto do «sistema judicial estar a entrar em colapso», criticou o facto do fisco fazer «liquidações que não têm correspondência com a realidade» e sublinhou a necessidade de «reavaliar as taxas do imposto sobre o património, de modo a que não se assista a uma deformação.»
«I Jornadas Europeias da Primavera do ISCAL» (27 de Abril - Centro Congressos de Lisboa)
Há 250 anos, o Marquês de Pombal criou a Aula do Comércio, escola que terá sido a primeira no Mundo a dedicar-se de forma sistemática ao ensino da Contabilidade. Para comemorar a data, a CTOC e o ISCAL juntaram esforços e organizaram a «Conferência comemorativa dos 250 anos da Aula do Comércio», dividida por dois dias e subordinada aos temas «I Jornadas Europeias da Primavera do ISCAL» (27 de Abril) e «Novas tendências da Fiscalidade» (28 de Abril), que decorreram no Centro de Congressos de Lisboa.
O presidente da CTOC, Domingues de Azevedo, referiu na sessão de abertura do segundo dia que «momentos como este constituem oportunidades para compreendermos os caminhos da Contabilidade e da Fiscalidade». Aproveitando a presença significativa de Técnicos Oficiais de Contas, o responsável falou da alteração do Estatuto da CTOC (e consequente passagem a Ordem) e as novas características que vem imprimir, designadamente em sede de processo tributário gracioso. Com a mudança estatutária o TOC vai poder representar o seu cliente junto da administração fiscal. Domingues de Azevedo referiu que os profissionais estão preparados para esta tarefa, até porque eles dominam, no exercício das suas funções, o Código do IRC, IRS, IVA, entre outros.
«Na acção graciosa não faz sentido o TOC não representar o seu cliente», sublinhou, adiantando que, como é óbvio, nas questões contenciosas apenas os advogados têm poder de representação. Esta alteração já foi aprovada pelo Governo, em Conselho de Ministros. Aguarda-se, agora, a decisão da Assembleia da República.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que presidiu à sessão de encerramento, voltou à questão do processo tributário gracioso, para referir que «a intervenção do Técnico Oficial de Contas no processo é um grande salto qualitativo para a profissão». Carlos Lobo frisou que a política fiscal diz respeito a todos e que deve ser dirigida aos cidadãos. Por isso, anunciou, o Governo decidiu antecipar o reembolso dos montantes de IRS, justificando que «em época de crise não poderíamos reter o dinheiro dos contribuintes».
Da Aula do Comércio ao ISCAL
A conferência comemorativa dos 250 anos da Aula do Comércio arrancou no dia 27 de Abril, com as I Jornadas Europeias da Primavera no ISCAL. O programa contou com um vasto leque de oradores e teve a presidir a sessão de abertura, Armando Marques, em representação do presidente da Direcção da CTOC, Maria Amélia Nunes de Almeida, presidente da Comissão das Comemorações dos 250 anos da Aula do Comércio, que explicou como é que a Aula do Comércio chegou aos dias de hoje com o nome de ISCAL e o presidente do Instituo Politécnico de Lisboa, Vicente Ferreira.
Ante uma plateia de cerca de cinco centenas de pessoas constituída, na sua esmagadora maioria, por TOC (algumas dezenas de alunos do ISCAL marcaram também presença), os trabalhos arrancaram com a intervenção de Miguel Poiares Maduro, que discorreu sobre a «Jurisprudência recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em matéria económica», salientou o facto de as normas da concorrência terem vindo «a ser aplicadas também ao Estado, sendo que o TJCE tem delimitado isso, distinguindo se é exercida com fins de capitalização ou de solidariedade.»
Numa mesa presidida por David Pina, professor coordenador do ISCAL, e com Ana Cristina Perdigão, professora adjunta naquele estabelecimento de ensino, como moderadora, Manuel Porto falou sobre «A resposta da União Europeia à globalização», manifestando o seu desacordo contra eventuais tendências proteccionistas: «Se nos protegermos, os outros não farão o mesmo?» Lembrando que «os países têm tido mais êxito com a abertura do que com o fecho das fronteiras», este professor da Universidade de Coimbra defendeu a necessidade de «uma sociedade aberta, reforço de dimensão do mercado e qualificação das pessoas» como receitas para o êxito.
«O sistema jurisdicional da UE» foi analisado por Cruz Vilaça, que o classificou como «um golpe de génio.» Este especialista explicou essa genialidade com o facto de assentar em dois pilares (tribunais nacionais e TJCE) e que, a uni-los, se encontra «o arco dos mecanismos das questões pré-judiciais.» Este antigo advogado-geral do TJCE anotou ainda que «o Direito Comunitário é, sobretudo, um direito de princípios» e que «os tribunais comunitários têm sempre tomado a dianteira no processo da sua reforma.»
A análise aos conteúdos e desafios do Tratado de Lisboa foi dissecada por Isabel Valente, lembrando que a necessidade do novo tratado surgiu, entre outros motivos, «pela necessidade de instrumentos que permitam à Europa fazer face à globalização» e pelo facto de ser urgente «aproximar os cidadãos da União». O Tratado de Lisboa reafirma os direitos da Cidadania Europeia e «confere valor jurídico à carta dos Direitos Fundamentais», onde se inclui a dignidade, liberdades, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça. Isabel Valente abordou ainda o «novo quadro institucional mais democrático», apresentando algumas alterações que a sua entrada em vigor implicará a nível das instituições europeias.
A "bomba atómica" nas mãos do Parlamento Europeu
Paulo Sande falou sobre «O papel do Parlamento Europeu na UE» para o definir como «um areópago democrático, que fala também para fora da União» sendo também «a instituição mais importante da cidadania europeia.» O representante do Parlamento Europeu em Portugal recordou que o Parlamento escolhe o provedor de Justiça e pode «demitir a Comissão Europeia. É uma "bomba atómica" que o Parlamento dispõe.» Recordando as próximas eleições, este responsável incentivou ao voto e tentou encontrar respostas para o facto de cada vez mais cidadãos alhearem-se da vida política comunitária, apesar do reforço dos poderes do Parlamento Europeu.
Prosseguindo a análise às instituições comunitárias, Alexandra Sá Carvalho debruçou-se sobre «O papel da Comissão Europeia na União Europeia». «A Comissão é surpreendente, se olharmos para a sua supranacionalidade. É uma estrutura atípica, não tem paralelo com outros Estados ou organizações internacionais.» Esta especialista e membro da representação da Comissão Europeia em Portugal salientou ainda quatro competências fundamentais da CE, como sejam o facto de fazer parte do processo legislativo, ter em mãos o poder executivo, zelar pela aplicação dos tratados nos Estados membros e representar a UE a nível externo.
Contabilidade: única área onde se conseguiu a harmonização
A sessão da tarde, presidida por Alberto Barata, professor coordenador do ISCAL e moderada por Manuel Mendes da Cruz, presidente do Conselho Científico da mesma escola, iniciou-se em francês, com a intervenção de Christian Roth para falar sobre a «Sociedade anónima europeia.» Este advogado gaulês afirmou que «durante 30 anos colocamos de parte o direito das sociedades.» Contudo, os tempos mudaram e o orador mostrou-se convicto que «a partir de 2010 vamos assistir ao desaparecimento das pequenas e médias empresas europeias e ao surgimento da sociedade rpivada europeia. Este será o futuro e o motor europeu.»
«Articulação entre Direito nacional e Direito comunitário em matéria de concorrência» foi o tema abordado por João Espírito Santo Noronha. Este vogal da Autoridade da Concorrência, abordou a ordem jurídica comunitária e as ordens jurídicas nacionais, o direito comunitário e nacional da concorrência e o reenvio prejudicial e a cooperação entre os tribunais nacionais e comunitários. Relativamente a este último ponto, depois de abordar as características e princípios fundamentais, este especialista em Direito Comercial recordou que «a decisão prejudicial do TJCE é vinculativa para o tribunal nacional, o qual deverá aplicar ao litígio concreto a norma comunitária de acordo com a interpretação proferida pelo TJCE.»
Rui Pais de Almeida, professor coordenador do ISCAL trouxe a contabilidade à ordem do dia. Meditando sobre a «Harmonização contabilística na UE», definiu harmonização como a forma de «compreender de forma tempestiva e compreensível, sem necessidade de tradução, o mundo da informação financeira e do relato financeiro.» Recordando que Portugal está agora a fazer, com o SNC, «o que 80 por cento do mundo já faz», o orador congratulou-se pelo facto da Contabilidade ser, provavelmente, «a única área onde se conseguiu a harmonização», explicando com mais detalhe a estrutura do SNC. Em conclusão, garantiu este especialista, a harmonização «significa novas ameaças mas sobretudo novas oportunidades, o que implica uma aceitação e participação activa de todos.»
Seguiu-se a abordagem das «Concentrações de empresas na UE versus Estados Unidos.» Domingos Ferreira, professor coordenador do ISCAL, notou que «os padrões de fusões e aquisições (F&A) são diferentes ao longo do tempo» e lembrou que apenas há criação de valor «quando a sinergia é superior ao prémio. De seguida, apresentou um conjunto de dados onde constava, entre outros, o valor global das F&A em valor, notando a semelhança gráfica entre o evoluir destes números e o dos índices bolsistas americanos e europeus. O orador referiu ainda que no primeiro trimestre deste ano, as F&A decresceram abruptamente, «representando cerca de 45 por cento face ao ano anterior» e que «a engenharia financeira com acções próprias é bem mais elevada nos Estados Unidos do que na Europa.» De 2001 a 2008, no total das aquisições de acções nos Estados Unidos, 26,8 por cento dizia respeito à compra de acções próprias, percentagem que na Europa se ficou pelos 9,7 por cento.
A última intervenção do dia esteve a cargo de Carlos Baptista da Costa, que analisou «A governação das sociedades e o papel dos auditores na UE.»
Depois de passar em revisão um pouco da história, de Ferreira Borges à actualidade, este professor coordenador do ISCAL analisou diversos modelos da estrutura de fiscalização das sociedades anónimas, como o latino, anglo-saxónico e germânico, debruçando-se depois sobre os Decretos-Lei 224/2008 e 225/2008, que transpuseram para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 2006/43/CE. Depois de analisar as principais atribuições do Conselho Nacional de Supervisão e Auditoria, este especialista definiu o que são entidades de interesse público (EIP) e lembrou que «os ROC/SROC não podem integrar o órgão de fiscalização, estão sujeitos a controlo de qualidade de três em três anos e não podem prestar às respectivas EIP diversos serviços, para além dos de auditoria.»
A sessão ia longa, muita longa, pelo que o encerramento foi rápido. Armando Marques, vice-presidente da Direcção da CTOC exprimiu publicamente o agrado pela Câmara ter «participado na organização deste evento», acentuando que «o ISCAL é uma escola de referência para os TOC.»
Maria Amélia Nunes de Almeida frisou o sucesso da parceria e não escondeu a vontade «de continuar a ver a CTOC aliada ao ISCAL em eventos futuros.»