PT20004
Contabilidade geral – Rédito e adiantamentos
Considerando que à NCRF 20 – Reconhecimento de Rédito, os parágrafos 7 e 8 definem o rédito como o influxo de benefícios económicos que não sejam quantias cobradas a títulos de impostos.
Conjugando com as restrições quanto ao reconhecimento do rédito em casos do risco de propriedade estar ainda na posse do vendedor, ou por impossibilidade de mensurar fiavelmente o gasto de contrapartida de um influxo de benefícios ( § 14 a 19); parece-me concluir que pode haver uma linha ténue que separe o reconhecimento de um rédito e/ou um passivo no caso particular de adiantamentos de clientes.
Por uma questão de relevância ao reporte de encerramento de contas, de que forma devo tratar contabilisticamente e fiscalmente um adiantamento de clientes para uma encomenda cujo o vendedor só terá os gastos de venda no ano seguinte ao do recebimento do influxo a título de sinal?
- Regime de IVA nos adiantamentos, alínea c), nº 1 do Artigo 8º do CIVA;
- Em IRC, parece-me sensato que após interpretação da doutrina, um adiantamento de clientes possa ser diferido do cálculo de apuramento de resultados. Contudo o mesmo resulta do esforço e desempenho do vendedor no ano em que angaria o cliente com intenção de compra.
Para evitar conflitos com a Autoridade Tributária, como devo expressar fiscalmente esta operação adiantamento de clientes de um negócio pendente no final do exercício económico fiscal?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico e fiscal do reconhecimento do rédito pela venda de bens, quando exista o recebimento de adiantamentos dos clientes.
Em termos contabilísticos, o reconhecimento dos rendimentos obtidos pelo exercício da atividade ordinária de uma entidade, enquadram-se no conceito de rédito, previsto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 20 – "Rédito”.
No conceito de rédito inclui-se o influxo bruto de benefícios económicos durante o período proveniente do curso das atividades ordinárias de uma entidade quando esses influxos resultarem em aumentos de capital próprio, que não sejam aumentos relacionados com contribuições de participantes no capital próprio, conforme disposto no parágrafo 7 da NCRF 20.
Esta NCRF 20 estabelece os procedimentos contabilísticos a aplicar ao rédito, incluindo-se neste conceito, a venda de bens e as prestações de serviços (bem como juros, royalties e dividendos).
O princípio genérico previsto na NCRF 20 é reconhecer o rédito quando seja provável que benefícios económicos futuros irão fluir para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados.
O rédito proveniente da venda de bens apenas pode ser reconhecido quando todas as seguintes condições estejam cumpridas:
- A entidade tenha transferido para o comprador os riscos e vantagens significativos da propriedade dos bens;
- A entidade não mantenha envolvimento continuado de gestão com grau geralmente associado com a posse, nem o controlo efetivo dos bens vendidos;
- A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada;
- Seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade; e
- Os custos incorridos ou a serem incorridos referentes à transação possam ser fiavelmente mensurados.
Cabe agora perceber os conceitos associados a todas estas condições previstas no parágrafo 14 da NCRF 20.
Na esmagadora maioria das situações, a transferência dos riscos e vantagens pela posse dos bens é efetuada com a emissão da fatura. No entanto, é possível que, em algumas situações, ainda que não seja emitida uma fatura, exista de facto a transferência dos riscos e vantagens pela propriedade dos bens. Ou, por outro lado, ainda que exista a emissão de uma fatura (p.e. pelo recebimento de um adiantamento), não existir a transferência dos riscos e vantagens pela posse dos bens.
Na prática, este critério está cumprido quando a empresa vendedora deixar de ter risco de inventário.
O rédito da venda de bens também apenas pode ser reconhecido quando exista a probabilidade de que fluam benefícios económicos para entidade, ou seja, que não exista um risco de cobrabilidade por parte do adquirente desses bens vendidos.
O rédito da venda dos bens deve estar previamente estabelecido, ou deve ser possível estimar com fiabilidade esse montante.
Por último, os custos incorridos com os bens agora objeto de venda também têm que ser fiavelmente determinados.
Normalmente, no caso da venda de inventários, o rédito é reconhecido no momento da disponibilização desses bens ao adquirente, pela respetiva entrega ou instalação, e estes sejam aceites definitivamente pelo cliente.
O reconhecimento do rédito não deve ser influenciado pelo momento dos recebimentos, ainda que existam adiantamentos realizados de montantes relevantes, ou sequer, pelo momento em que exista a emissão da fatura de venda.
A obrigação da emissão da fatura de venda decorre dos procedimentos previstos no Código do IVA e que podem não ser idênticos e simultâneos com os procedimentos do reconhecimento contabilístico do rédito.
Para efeitos de IRC, a tributação associada à venda de bens é efetuada no momento do reconhecimento do rédito.
Para efeitos de IVA, existindo o recebimento de adiantamentos, a entidade vendedora deve proceder à emissão de uma fatura.
No caso em concreto, se a transferência dos riscos e vantagens associados ao bem apenas são transferidos para o adquirente no período de 2018, tomando o cliente controlo do bem nesse momento, o rédito pela venda dos bens (e o respetivo gasto de vendas) associado apenas deve ser reconhecido no período de 2018, independentemente de existirem adiantamentos no período de 2017.
Os adiantamentos de clientes devem ser registados na conta 218 – "Adiantamentos de clientes” ou na conta 276 – "Adiantamentos por conta de vendas”, dependendo se existe, ou não, preços fixados previamente, no momento do seu recebimento.
Neste momento, não estando cumpridos todas as condições do parágrafo 14 da NCRF 20, a entidade vendedora não proceder ao reconhecimento de qualquer rédito (registo na conta 71), pelo que, para efeitos de IRC, esta operação de adiantamentos não é relevante para a determinação do lucro tributável do período corrente.
Os registos contabilísticos podem ser:
Em 2017:
Pelo montante recebido a título de adiantamento:
- Débito da conta 12 – "Depósitos à ordem” por contrapartida a crédito da conta 276 – "Adiantamentos por conta de vendas” (ou conta 218), pelo montante recebido.
Em 2018, quando todas as condições do parágrafo 14 da NCRF 20 estejam cumpridas:
Pelo reconhecimento do rédito pela venda de bens:
- Débito da conta 21 – "Clientes” por contrapartida a crédito da conta 72 – "Prestações de serviços”, pelo montante da contraprestação a receber (ou recebida).
Pela anulação do adiantamento:
- Débito da conta 276 - "Adiantamentos por conta de vendas” (ou conta 218) por contrapartida a crédito da conta 21 - "Clientes”, pelo respetivo montante.