Comunicados
Contribuintes e Administração Fiscal em planos desequilibrados
25 Setembro 2007
Resumo da Conferência realizada dia 21, na Aula Magna

Os 1700 lugares da Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa encheram para a conferência "Os Direitos dos Contribuintes e as Prerrogativas da Administração Fiscal", a quinta deste género que a CTOC organizou em 2007.
Domingues de Azevedo deixou palavras iniciais para os Técnicos Oficiais de Contas que preenchiam a sala, advertindo-os para a importância deste tema e a forma como os profissionais devem reagir ao volume, cada vez mas significativo, de casos em que o Fisco não tem razão no seu relacionamento com o sujeito passivo. "Os TOC acabam por pagar os erros cometidos pelos serviços, por isso, estas questões dizem-nos respeito. Um sujeito passivo que recebe uma notificação acha logo que o TOC foi incompetente e não cumpriu com a sua obrigação profissional". O presidente da CTOC lamentou o "descrédito" a que o acto da reclamação graciosa tem sido sujeito e a "discricionariedade" das interpretações da Administração Fiscal. Domingues de Azevedo incentivou ainda todos os que se sintam legitimamente lesados a impugnarem as decisões do Fisco e a levar o Estado a tribunal, usando, para tal, os mecanismos disponíveis. "Os direitos não se negoceiam, usam-se", acrescentou. "É preciso alertar as consciências de que algo não vai bem. Contribuintes e Administração Fiscal não podem estar em planos desequilibrados", disse o presidente da CTOC.

"Imprensa dócil"  e  "Parlamento dócil"

António Carlos Santos desferiu um dos ataques mais cerrados da conferência à "máquina" fiscal. No dia que se seguiu ao anúncio do novo director-geral dos impostos (DGI), o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais disse ser prioritário que "o novo DGI reequilibre as questões de eficácia e legitimação de procedimentos". Carlos Santos advertiu que o Fisco tem recorrido a "medidas com baixo grau de legitimação para aumentar as receitas", através do acréscimo "injustificado" das suas prerrogativas, em vez de enveredar por uma "cobrança justa", que se traduz no cobrar o que a lei permite e de acordo com o  Estado de Direito. O membro do Gabinete de Estudos da CTOC referiu ainda que um dos motivos na base para o acréscimo de receitas reside no "excessivo clima de fiscalismo" e que, por este andar, está a trilhar-se o caminho de um "Estado fiscalista", em detrimento de um Estado fiscal. Sem nunca baixar o tom das críticas, António Carlos Santos referiu que a Administração Fiscal perde mais de metade das acções que lhe são movidas por falta de fundamentação dos seus argumentos, o que, na opinião do fiscalista, "revela falta de juristas e a formação deficiente de muitos funcionários". Para rematar, Carlos Santos lamentou que a evolução tecnológica dos serviços da Administração Fiscal não tenha sido acompanhada por vigilância humana e jurídica, o que fez com que se abrisse terreno fértil para que "pequenos salazares" usassem os seus "pequenos poderes". Uma "imprensa dócil" e um "Parlamento adormecido", em nome de uma "mentalidade justicialista", são, para o ex-governante, outros motivos que explicam o desequilíbrio do relacionamento entre Fisco e contribuintes. Inversão de marcha ou caminho sem regresso, é a dúvida para o futuro que Carlos Santos deixa no ar.

"Golpes" nos direitos dos contribuintes

Clotilde Palma, na sua intervenção dedicada às "Cláusulas Anti-Abuso", abordou o planeamento fiscal e definiu-o como o direito que os contribuintes têm ao seu alcance, tendo em vista diminuir o encargo fiscal. As cláusulas anti-abuso são, em consequência da forte influência da harmonização fiscal comunitária, a resposta do Fisco para determinar onde se situa o planeamento fiscal do contribuinte, na fronteira entre o lícito e o ilícito. A professora universitária reforçou a tónica deixada pelos oradores anteriores, ao enfatizar que o apelo à maximização das receitas tem contribuído para desferir "golpes" nos direitos dos sujeitos passivos.
Manuel Faustino, debruçou-se sobre "Caducidade e Prescrição", um tema muito em voga. O consultor do Banco de Portugal lembrou que a caducidade como limite temporal do direito à liquidação do imposto tem um prazo geral de quatro anos, a partir do ano seguinte ao do facto tributário e alertou para os casos de suspensão e interrupção do prazo de caducidade, matéria capaz de suscitar dúvidas, bem como para a notificação do acto de liquidação.
"O regime de notificações tem alçapões e os serviços da Administração Fiscal não estão a par das leis que fazem", declarou Faustino, que não terminaria sem expor à plateia um caso pessoal. "Fui notificado em período de férias para pagar, sendo confrontado com factos que não me são imputáveis. O Estado não pode invocar o prazo estabelecido a favor dele". Em tom irónico, Faustino referiu que "terei orgulho em integrar a lista de devedores, se for esse o caso".
Para finalizar, deixou um alerta para a Administração Fiscal, na generalidade: "É preciso juridicidade na gestão".
"Reversão Fiscal", como mecanismo de economia processual, foi o tema abordado por Diogo Ortigão Ramos. O fiscalista deu especial destaque ao "papel de dignificação protagonizado pela CTOC" que tem afastado do quotidiano dos TOC as questões de responsabilidade profissional, tendo dado exemplo dos casos de contabilidade paralela.
Pedro Amorim teve a seu cargo "Execução fiscal: a questão das penhoras electrónicas". O docente universitário afinou pelo mesmo diapasão das intervenções anteriores, ao referir que os "artifícios" que o Fisco segue assemelham-se à lógica "se é crime ou não, a receita já cá eu tenho". "Assistimos a liquidações disparatadas, algumas decididas nos tribunais e, muitas vezes, o contribuinte pode reclamar, mas o dinheiro fica imediatamente retido". Pedro Amorim ressalvou que "não há penhoras por meios electrónicos, o que há é a averiguação por meios electrónicos do património do executado". O especialista acrescentou que "o maior número de penhoras não é (ou não devia ser) um fim em si mesmo". Pedro Amorim criticou certas penhoras de montantes irrisórios, que não superam os 100 euros, quando os custos de execução são superiores ao valor da penhora. "Temos uma execução fiscal cega porque a justiça tributária se engana muito", sintetizou.

"Algo vai mal no reino da Dinamarca"

A conferência ficou concluída ao final da tarde, quando Vasco Guimarães abordou "A Responsabilidade Civil da Administração Tributária". "Estão a ser cometidos danos evidentes na esfera jurídica dos contribuintes que ultrapassam a razoabilidade da eficácia do sistema tributário e torna-se recorrente o argumento de atribuir culpas aos meios informáticos, numa clara atitude de enjeitar responsabilidades. Pagar e calar, calar e pagar, é o lema em vigor", afirmou. Desmistificando a alegada eficácia do Fisco, Guimarães ressalvou que "95 por cento das receitas são calculadas, retidas e entregues pelos sujeitos passivos e se os TOC não remeterem declarações durante dois meses, o Estado português abre falência". O especialista em Direito Fiscal ironizou ao afirmar que "algo vai mal no reino da Dinamarca", quando, em contencioso "o Estado perde 70 por cento das causas julgadas em tribunal", segundo números da própria DGCI. Vasco Guimarães acrescentou que a relação tributária deve ser baseada nos seguintes pressupostos: clareza, informação, boa fé, igualdade, não discriminação e confiança.
Para concluir, Vasco Guimarães deixou um apelo ao  sentido pedagógico dos TOC: "não é razoável que empresas com lucros mínimos paguem, só para dar um exemplo, almoços em restaurantes luxos, confundindo despesas de representação e despesas pessoais. É preciso bom senso e distinguir a linha divisória entre o lado profissional e o pessoal".