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Crédito de IVA
30 Setembro 2020
Crédito de IVA
28-09-2020

Na sequência de uma ação inspetiva a um cliente de uma empresa, foi verificado que esta última tinha emitido em março de 2016 e abril de  2016 faturas com IVA erradamente por se tratar de serviços de construção civil. Por este motivo, o cliente da empresa solicitou a emissão das devidas notas de crédito, emissão de novas faturas com IVA - Autoliquidação e devolução do IVA cobrado.
As notas de crédito e as novas faturas foram emitidas pela empresa em julho de 2019, tendo-se procedido à respetiva substituição das cartas de IVA dos períodos de março de 2016 e abril de 2016.
A referida substituição originou à empresa um crédito de imposto de IVA no montante de 3 763 euros. No entanto, para a AT, não produziu qualquer efeito na conta corrente, tendo as declarações ficado no estado «Não liquidável (definitiva) - Declaração de substituição» pelo facto das declarações terem sido apresentadas após o prazo para a produção de efeitos por força do n.º 6 do art.º 78 do Código do IVA: «A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º (...) é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.»
A posição da AT está correta?

Parecer técnico

Inversão do sujeito passivo nas prestações de serviços de construção civil:
De harmonia com a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA), são sujeitos passivos de imposto «as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.»
Assim, a regra de inversão do sujeito passivo aplica-se quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
- Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil (englobando todo o conjunto de atos necessários à concretização de uma obra, independentemente do fornecedor ser ou não obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho (que revogou o Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro e a Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro);
- O adquirente ser sujeito passivo de IVA, em território nacional e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.
Sempre que determinada operação reúna as condições cumulativas referidas no ponto anterior do presente parecer, bem como, respeite os requisitos enunciados no número anterior, é obrigatório observar o disposto alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA (inversão do sujeito passivo), nos termos da qual cabe ao adquirente a liquidação e entrega do imposto que se mostre devido, devendo a fatura emitida pelo fornecedor dos bens e/ou prestador dos serviços conter, nos termos do n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, a expressão «IVA – autoliquidação».
O IVA devido pelo adquirente deve ser liquidado na própria fatura recebida do prestador ou, em caso de não recebimento da fatura e, subsistindo a obrigação de autoliquidação, deve esta fazer-se em documento interno, enunciando o n.º 8 do artigo 19.º do CIVA que «nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação.»
Foi precisamente por força desta norma que a inspeção tributária atuou, não permitindo o direito à dedução do IVA liquidado pela empresa na qual é a responsável pela contabilidade.

Regularização do IVA de faturas inexatas

No caso concreto, uma vez que foi emitida uma fatura a titular a prestação de serviços de construção civil, na qual foi indevidamente aplicado o regime geral do IVA, pois o IVA não devia ter sido liquidado, a referida fatura terá de ser considerada inexata.
Neste caso, dispõe o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA que «a retificação (…) é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos.»
Havendo lugar a retificação, a fatura que titula tal operação deverá ser anulada por documento retificativo de fatura, ou seja, nota de crédito, aplicando-se a esta as formalidades previstas no artigo 36.º do CIVA, por força do n.º 1 do artigo 78.º do CIVA, onde se inclui a referência à fatura a que respeita e as menções desta que são objeto de alterações. Deverá ser emitida simultaneamente nova fatura, nos termos do artigo 36.º do CIVA, contendo a expressão «IVA – autoliquidação», nos termos do n.º 13 do mesmo preceito.
Como explicita João Canelhas Duro («Dedução de IVA, Regularizações e Revisão da Autoliquidação», Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2015, Coimbra, Almedina, 2015, p. 338):
«Em conformidade com o n.º 3 do artigo 78.º, no caso de "faturas inexatas”, já registadas contabilisticamente, a retificação é facultativa quando houver imposto liquidado a mais e pode ser efetuada no prazo de dois anos. Para que seja corrigida a autoliquidação com imposto liquidado a mais, a retificação da fatura é obrigatória, de forma a que também o adquirente proceda à regularização do imposto deduzido (em excesso) com base nessa fatura.
O procedimento de regularização de faturas visa, não só permitir ao sujeito passivo "reaver” o IVA que entregou indevidamente ao Estado, mas, também, em especial quando o adquirente é sujeito passivo de imposto, acautelar, em igual medida, a regularização do IVA deduzido pelo adquirente com base na fatura que titula a operação tributável (artigo 78.º, n.º 4), o que depende da atempada comunicação da regularização (artigo 78.º, n.º 5).»
Se a emissão da nota de crédito for efetuada após o final do prazo de dois anos, contados da data da fatura a retificar, já não é possível proceder à regularização do IVA a favor do sujeito passivo.
Em face do até aqui exposto, e contrariamente àquilo que é referiso no pedido apresentado, a situação colocada não tem enquadramento no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, mas no n.º 3 do mesmo artigo, uma vez que está em causa a correção de faturas inexatas e não a correção de erros materiais ou de cálculo.
Por força disso, o erro praticado não devia ter sido corrigido através da substituição das declarações periódicas onde havia sido incluído o IVA indevidamente liquidado, mas sim mediante a inclusão do IVA regularizado nas notas de crédito emitidas no campo 40 da declaração periódica referente ao período em que foram emitidas essas notas de crédito.
E assim, em termos teóricos, a regularização ainda seria viável se fossem apresentadas declarações periódicas de substituição do período 2019/07, em que foram emitidas as notas de crédito, incluindo nessas declarações o IVA regularizado no campo 40.
Acontece é que essa regularização apenas era possível se as notas de crédito tivessem sido emitidas no prazo de dois anos referido no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA.  
Como estão em causa faturas emitidas em março e abril de 2016, as notas de crédito deviam ter sido emitidas o mais tardar em março e abril de 2018 (no prazo de dois anos) e as regularizações de IVA delas constantes teriam de ser incluídas nas declarações periódicas desses períodos de março e abril de 2018.
Em face de tudo o que foi exposto, somos de parecer que, tendo a regularização sido efetuada para além do prazo previsto no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, a empresa não tem direito à mesma, por falta de enquadramento legal. 
Tendo as notas de crédito sido emitidas decorridos mais de dois anos sobre as datas das faturas a retificar, o emitente das faturas não devia ter regularizado o IVA delas constante. 
E o cliente a quem as faturas foram emitidas não teria fundamento para exigir a anulação do IVA indevidamente liquidado, uma vez que, estando em causa prestações de serviços de construção civil, o sujeito passivo do imposto é, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, o adquirente e, por conseguinte, se as faturas iniciais não estavam bem emitidas, ele não as devia ter aceitado, exigindo a sua retificação.     

Conclusão

Em face do exposto, somos de parecer que a atuação da AT não é merecedora de qualquer censura, uma vez que se baseou na lei, concretamente no artigo 8.º do Decreto Lei n.º 229/95, de 11 de setembro (com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 64/2012 de 20 de dezembro), que estabelece que, para efeitos de utilização em períodos de imposto seguintes, são creditados na conta corrente do sujeito passivo os créditos resultantes de declarações periódicas de substituição, submetidas no prazo estabelecido no n.º 6 do artigo 78.º do referido Código, que é de dois anos.
Tendo a regularização sido efetuada para além do prazo previsto no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, a empresa não tem direito à mesma, por falta de enquadramento legal.