Antes de entrar nos meandros deste tema que tem suscitado bastantes dúvidas, é importante ter presente que a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, doravante CTOC, é uma pessoa colectiva pública que o Estado dotou de um conjunto de atribuições, de harmonia com o art. 1.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, adiante designado de ECTOC. Os órgãos da CTOC foram dotados de competências específicas para cumprimento dos fins atribuídos à instituição.
E, tendo em conta o caso em apreço, é ao Conselho Disciplinar que compete, de harmonia com os arts. 41.º, 60.º e 61.º, todos do ECTOC, diversas funções de natureza disciplinar, nomeadamente instaurar e decidir os processos disciplinares.
No âmbito das suas funções, o Conselho disciplinar deverá estar atento à prescrição do próprio procedimento disciplinar, que, por sua vez, se encontra previsto no art. 62.º do diploma acima melhor identificado.
Assim, conforme dita o mencionado preceito, no seu n.º 1, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que o facto tiver sido cometido ou se, conhecido o facto, a entidade competente, nos três meses seguintes à data do conhecimento, não instaurar o procedimento disciplinar.
E no seu n.º 2, se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção criminal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos, aplica-se ao procedimento disciplinar o prazo estabelecido na lei penal.
O número dois do mencionado preceito é claro não despoletando quaisquer dúvidas de interpretação. Cabe apenas salientar que se deverá atender aos prazos de prescrição do procedimento criminal devidamente previstos no Código Penal no seu art. 118.º e que variam entre os dois e os quinze anos, embora relevem somente a título disciplinar, os prazos de prescrição superiores a três anos.
Da prescrição em geral
A palavra prescrição tem origem na palavra latina praescriptione. É uma figura jurídica do direito punitivo que assenta no pressuposto de que o decurso de determinado período de tempo, mais ou menos longo, faz extinguir as razões determinantes da punição, as quais cedem por essa circunstância à vantagem de estabilizar as relações perturbadas pela verificação dos factos tipificados como falta ou infracção. Ou seja, a prescrição consiste na extinção de um direito ou de uma obrigação cujo cumprimento se não exigiu dentro do prazo legal.
Dos efeitos da prescrição
No âmbito disciplinar, a prescrição constitui uma das vias de extinção da responsabilidade disciplinar do infractor, pois decorrido que seja certo lapso de tempo determinado por lei, não poderá ser desencadeada a acção disciplinar pelos factos passados, porque o procedimento disciplinar prescreveu.
Destarte, a autoridade que detém o poder disciplinar não mantém ilimitadamente no tempo a actuação do seu direito sancionatório. Decorrido que seja certo lapso de tempo determinado na lei, não poderá ser desencadeada a acção disciplinar pelos factos passados, porque o procedimento disciplinar prescreveu.
Da interpretação do art. 62.º do ECTOC
Atento o exposto supra, verifica-se que o art. 62.º, n.º 1 do ECTOC consagra dois prazos. Assim, o referido preceito encontra-se dividido em duas partes:
a) 1ª parte: a prescrição no prazo de três anos sobre a data em que o facto, causador de eventual responsabilidade disciplinar, tiver sido cometido; ou,
b) 2ª parte: se, conhecido o facto, a entidade competente, nos três meses seguintes à data do conhecimento.
Relativamente à 1ª parte:
O art. 62.º, n.º 1, primeira parte do ECTOC, faz referência à data da prática do facto susceptível de consubstanciar responsabilidade disciplinar, pelo que, deverá entender-se que o prazo da prescrição só começa a correr a contar da data em que o facto tiver sido cometido pelo TOC inscrito. Esta solução verifica-se em virtude do TOC não poder ser eternamente responsável por factos que ocorreram há mais de três anos e pela necessidade de repor o equilíbrio das relações.
A título de exemplo, vamos supor que um TOC visado num processo disciplinar não entregou as declarações fiscais de IRC do ano de 1997. Porém, a participante só tomou conhecimento da falta de entrega da referida declaração em 2002 aquando da notificação da liquidação oficiosa pela Administração Fiscal da qual reclamou e posteriormente recorreu e cuja decisão final apenas foi proferida no ano de 2004, data em que apresentou a sua participação junto da Câmara. Deverá entender-se que o direito de instaurar procedimento disciplinar já prescreveu, ainda que a participante apenas tenha tomado conhecimento dos factos susceptíveis de constituir infracção disciplinar depois de já ter decorrido o prazo prescricional definido nos moldes previstos pelo ECTOC, pois tais factos reportam-se a 31 de Maio de 1998 último dia do prazo legal para apresentação das declarações fiscais de IRC de 1997, ou seja, são factos que ocorreram há mais de três anos, pelos quais o TOC não pode ser eternamente responsável.
Agora, imaginemos que o TOC visado, quando foi confrontado pela participante quanto à referida falta de entrega, em 2002, falsificou a entrega da declaração. Quanto à falsificação de documento, que constituiu simultaneamente um ilícito disciplinar e penal, ainda não decorreu o prazo da prescrição. Portanto, só quanto a estes factos é que o procedimento disciplinar poderá prosseguir e quanto aos mesmos é que poderá ser apurada a responsabilidade disciplinar do TOC visado.
Aliás, constituindo o direito disciplinar um dos ramos do direito punitivo, a natureza da prescrição e as razões que pressupõem a actuação do instituto e do respectivo regime, assumem-se substancialmente idênticas ao seu tratamento no âmbito do direito penal. Assim, nesse mesmo sentido vai o art. 119.º do Código Penal que diz "o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.". Portanto, atende-se à data da prática do facto entendido como uma acção ou uma omissão.
Relativamente à 2ª parte:
É o próprio art. 62.º, n.º 1, segunda parte do ECTOC, que ao fixar o prazo de 3 meses para a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, remete o conhecimento do facto à entidade competente para instaurar aquele processo.
Mas quem é a entidade competente?
Para apurar a entidade competente é necessário ter subjacente a imprescindível interpretação da lei, de harmonia com o art. 9º, n.º 1 do Código Civil, que não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. E o seu n.º 2, diz ainda que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. E, por fim, o seu n.º 3, diz que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ora, é certo que compete à CTOC o exercício da jurisdição disciplinar sobre os técnicos oficiais de contas, nos termos do art. 3º, n.º 1, al. n) do ECTOC. Contudo, a CTOC é composta por diversos órgãos orientados para a prossecução dos seus fins e atribuições, vide art. 24.º, n.º 1 do ECTOC.
Assim, a entidade competente é o Conselho Disciplinar da CTOC, vide artigos 41.º, al. a), 60º e 61º, n.º 1 todos do ECTOC, pois se apenas o Conselho Disciplinar pode instaurar o procedimento disciplinar, o prazo para o fazer apenas se pode contar a partir do conhecimento dos factos por este. Aliás, se o prazo contasse a partir do conhecimento por outra entidade, nem que esta seja a entidade a que pertence o órgão com competência disciplinar, podia aquela impedir este de exercer as suas competências através da falta de comunicação da infracção.
Por conseguinte, a prescrição só correrá a partir do momento em que o Conselho Disciplinar da CTOC tome conhecimento dos factos susceptíveis de configurarem infracção disciplinar e não instaure, como órgão legalmente competente no prazo de 3 meses, o respectivo processo disciplinar.
Salienta-se pois que a "entidade competente" apenas se pode referir a um órgão e não à pessoa colectiva pública porque só os órgãos estão dotados de competência. Por conseguinte, só ocorrerá a prescrição se o órgão competente para o exercício do poder disciplinar, ou seja, o Conselho Disciplinar da CTOC, tiver sido informado da prática de uma infracção e não instaurar o respectivo procedimento disciplinar no prazo de três meses.
Deste modo, conhecida a falta susceptível de configurar um ilícito disciplinar, é exigível que o órgão competente conhecedor dessa falta actue oportunamente, definindo a responsabilidade do infractor.
Posto isto, e a título de conclusão, deverá entender-se que o procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre a data em que o facto tiver sido cometido pelo participante; ou, no prazo de três meses a contar do conhecimento dos factos pela entidade competente, isto é, pelo Conselho Disciplinar.