DAC 6 - mecanismos internos e/ou transfronteiriços com relevância fiscal
28-10-2020
Relativamente à nova obrigação de comunicação dos mecanismos transfronteiriços - DAC6, quais as possíveis transações de comunicação e em que situações deverá ser o contabilista certificado a comunicar?
Algumas multinacionais, que pagam management fee, distribuem dividendos, têm faturas de operações intragrupo, empréstimos, etc. Este tipo de transação também terá de ser sujeito ao teste do benefício principal? Deverá ser objeto de comunicação? Quem terá a obrigatoriedade de avaliar as transações e como devem ser feitas? Na maioria das situações desconhece-se os impactos dos outros países. Normalmente os clientes também não informam sobre estas matérias. Qual a melhor forma de nos precavermos desta obrigatoriedade? De que forma devem ser solicitadas estas avaliações ao cliente? Existe alguma exceção na obrigatoriedade de comunicação, por exemplo, por atingir determinados limites?
Caso as transações acima não sejam para comunicar, poderão ser indicados exemplos de situações em que seja obrigatório?
Questiona-nos genericamente sobre os deveres do contabilista certificado no âmbito da denominada "DAC 6”, ou seja, em relação à obrigação de comunicação por parte dos intermediários à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de determinados mecanismos internos e/ou transfronteiriços com relevância fiscal.
A Lei n.º 26/2020, de 20 de julho, estabelece a obrigação de comunicação à AT de determinados mecanismos internos ou transfronteiriços com relevância fiscal, transpondo a Diretiva (UE) 2018/822 do Conselho, de 25 de maio de 2018 (conhecida como DAC 6), e revogando o Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro.
Não obstante, a vigência desta Lei foi adiada pelo Decreto-Lei n.º 53/2020, de 11 de agosto, tendo em conta que o Conselho da União Europeia adotou no dia 24 de junho de 2020 a diretiva (UE) n.º 2020/876, que procede à revisão da diretiva n.º 2018/822, que prevê requisitos de apresentação de informações relativas aos mecanismos transfronteiriços a comunicar.
Esta diretiva autorizou os Estados-Membros a adiarem os prazos de apresentação das informações relativas a mecanismos transfronteiriços dos relatórios da DAC 6. Tendo Portugal decidido optar por tal prorrogação, os novos prazos de comunicação passam a ser:
· O prazo para a apresentação de informações para o período compreendido entre 25 de junho de 2018 e 30 de junho de 2020, inicialmente fixado em 31 de agosto de 2020, foi adiado até 28 de fevereiro de 2021;
· O prazo de 30 dias para a apresentação de informações para o período compreendido entre 1 de julho de 2020 e 31 de dezembro de 2020 terá início a 1 de janeiro de 2021.
O Conselho pode ainda prorrogar o período de adiamento acima referido por mais três meses, dependendo da evolução da pandemia.
A Lei n.º 26/2020 contempla não só a comunicação dos mecanismos transfronteiriços com relevância fiscal (o que corresponde à transposição da denominada DAC 6), mas também dos mecanismos internos (que não estão contemplados na DAC 6).
O contabilista certificado como intermediário
A obrigação de comunicação recai sobre os denominados «intermediários», que são definidos como qualquer pessoa que conceba, comercialize, organize ou disponibilize para aplicação ou administre a aplicação de um mecanismo a comunicar, não integrando estas atuações a mera comunicação de informação estritamente descritiva de regimes tributários existentes, incluindo benefícios fiscais, e o aconselhamento estritamente prestado quanto a uma situação tributária já existente do contribuinte relevante, incluindo o exercício do mandato no âmbito do procedimento administrativo tributário, do processo de impugnação tributária, do processo penal tributário ou do processo de contraordenação tributária, incluindo o aconselhamento relativo à condução dos respetivos trâmites.
Esquematicamente, tem-se, em relação ao contabilista certificado as seguintes possibilidades de enquadramento:
Intermediário: Concebe, comercializa, organiza ou disponibiliza para aplicação ou administra a aplicação de um mecanismo a comunicar
Não intermediário: Mera comunicação de informação estritamente descritiva de regimes tributários existentes; Aconselhamento estritamente prestado quanto a uma situação tributária já existente do contribuinte relevante; Exercício do mandato no âmbito do procedimento administrativo ou judicial tributário e contraordenacional, incluindo o respetivo aconselhamento.
Do exposto, resulta que o contabilista certificado só será intermediário em relação a mecanismos que conceba, comercialize, organize ou disponibilize para aplicação ou caso venha a administrar a sua aplicação, ou seja, quando atue na qualidade de promotor dos mecanismos.
Para situações tributárias já existentes, o contabilista certificado que atua como mero prestador de serviços de aconselhamento, não será intermediário pelo aconselhamento que venha a prestar ao contribuinte.
Assim, segundo entendemos, operações como o mero registo contabilístico de faturas e documentos relativos às operações da sociedade ou o preenchimento de declarações fiscais não qualificam o contabilista certificado como intermediário.
Por outro lado, importa ainda ter presente a exclusão do conceito de intermediário do aconselhamento das «situações tributárias já existentes», conforme referido, pelo que, segundo entendemos, no âmbito de um contrato de prestação de serviços de contabilidade, o contabilista não se qualificará como intermediário, a menos que seja o próprio a conceber, comercializar, organizar ou administrar o mecanismo em relação ao qual irá, posteriormente, prestar os serviços regulares de contabilidade.
Finalmente, notamos que a obrigação de comunicação e a qualificação como intermediário é extensível a qualquer pessoa, tendo em conta os factos e circunstâncias pertinentes e com base na informação disponível e nos conhecimentos e competências relevantes necessários para prestar esses serviços, saiba ou possa razoavelmente esperar-se que saiba que se comprometeu a prestar, diretamente ou através de outras pessoas, ajuda, assistência ou aconselhamento na conceção, comercialização, organização ou disponibilização para a aplicação de um mecanismo a comunicar ou que se comprometeu à administração da aplicação de um tal mecanismo.
A este respeito, note-se que pode ser qualificado como intermediário qualquer outra pessoa que:
· Se comprometeu a prestar aconselhamento na conceção, comercialização, organização ou disponibilização para aplicação de um mecanismo, ou
· Se comprometeu à administração de um mecanismo.
Em nosso entender, para que se qualifique ainda como intermediário, terá de estar sempre presente o elemento de "compromisso”, ou seja, uma intenção manifesta de atuar, ativamente, como parte na implementação do mecanismo. O compromisso deverá gerar uma obrigação por parte da pessoa para que esta possa ser qualificada de intermediário.
Uma qualquer pessoa – seja ou não o contabilista certificado – que apenas se limite a tratar contabilística e fiscalmente as operações, sem ter intervenção materialmente ativa nas mesmas, para garantir que tais operações geram os efeitos pretendidos pelo autor do mecanismo, não pode, a nosso ver, ser considerada, por extensão, como intermediária.
Com efeito, embora as expressões legais tenham sentidos muitos amplos, o "compromisso”, na dupla aceção acima identificada, revela atuações que excedem o mero âmbito do exercício de funções de relato contabilístico e fiscal, pois revela uma necessária e prévia disponibilidade para atuar num sentido que, pese embora não tenha sido por elas definido, se manifesta em querer aceitar as consequências do mecanismo concebido por outrem.
Assim, se bem entendemos o espírito subjacente à extensão da obrigação do intermediário, uma pessoa só poderá ser qualificada como tal quando exista uma vontade de participar no mecanismo, visando com essa participação, manifestamente, contribuir para alcançar determinadas consequências, ainda que definidas por outrem.
Os mecanismos a comunicar
Alargando o âmbito de comunicação previsto na DAC 6, a Lei n.º 26/2020 estende o âmbito da obrigação de comunicação a mecanismos puramente internos.
Os mecanismos a comunicar pelo intermediário – nos casos em que o contabilista certificado se qualifique como tal, conforme atrás referido – têm o seu âmbito de aplicação delimitado nos seguintes termos:
- Mecanismos transfronteiriços: apenas são comunicáveis os mecanismos que contenham uma das caraterísticas-chave (genéricas e específicas) tipificadas. Certas caraterísticas-chave, genéricas e específicas, só relevam para efeitos da obrigação de comunicação se nelas puder considerar-se verificado o teste do benefício principal.
- Mecanismos internos: apenas são comunicáveis os mecanismos que contenham uma das caraterísticas-chave tipificadas (específicas) e deve ser verificado o teste do benefício principal, quando aplicável.
O sigilo profissional e o contabilista certificado
Quando o contabilista certificado se qualifique como intermediário, conforme anteriormente explicado, e na presença de mecanismo a comunicar, deve ainda atender-se às implicações do sigilo profissional aplicáveis no âmbito da prestação de serviços cobertos pelas regras do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados. A lei estabelece que, ainda que se verifique o dever legal ou contratual de sigilo, o intermediário deve comunicar à AT todas as informações que sejam do seu conhecimento ou que estejam na sua posse ou sob o seu controlo relativas a qualquer um dos mecanismos previstos no artigo 3.º e no artigo 7.º, nos casos em que se verifique a obrigação subsidiária de comunicação prevista no n.º 4 do artigo 13.º.
Isto significa que em mecanismos comunicáveis pelo contabilista certificado (quando este for intermediário, saliente-se), este apenas tem uma obrigação subsidiária de comunicação, ou seja, só está obrigado a comunicar os mecanismos se o contribuinte ou outros intermediários não o fizerem. Não obstante, o contabilista certificado que seja qualificável como intermediário tem o dever de notificar o contribuinte de que este deve cumprir a obrigação de comunicação do mecanismo relevante.
No caso concreto é referido que o contabilista certificado presta serviços a empresas multinacionais, que pagam management fee, distribuem dividendos, têm faturas de operações intragrupo, empréstimos, entre outras operações transfronteiriças. Está aqui em causa a comunicação de eventuais mecanismos transfronteiriços. Conforme já referido, o primeiro passo consiste em identificar se, para estas operações, o contabilista certificado se qualifica como intermediário, previamente à identificação dos mecanismos a comunicar. Se o contabilista certificado não se qualificar como intermediário, com o sentido acima exposto, sendo um mero executor de tarefas de relato contabilístico e financeiro, entendemos que não se lhe aplicam as obrigações de comunicação estabelecidas na Lei n.º 26/2020.
Por fim, notamos que em face da novidade do diploma, do adiamento das obrigações e da ausência de qualquer esclarecimento por parte da AT sobre o tema, o nosso entendimento pode vir a ser interpretado de forma diversa pela AT.
Sem prejuízo de todo o exposto, aconselha-se o contabilista certificado a dar conhecimento desta legislação aos seus clientes.