Ordem nos media
Descida do IRC contribuirá para travar evasão fiscal
8 Novembro 2003
Em entrevista ao JN, o presidente da Direcção da CTOC fala da fiscalidade e da contabilidade e dos desafios colocados à Câmara
No domínio da Contabilidade e da Fiscalidade, a palavra que mais assoma ao pensamento dos contribuintes portugueses é a fraude e a evasão fiscal. Domingues Azevedo, presidente da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC), vai um pouco ao arrepio da opinião corrente, e considera que a redução do IRC vai trazer para o universo dos contribuintes muitas empresas. 

 «A necessidade dos impostos deriva da intervenção do Estado na sociedade. E durante um longo período de tempo, o Estado português não precisou de dinheiro e, por isso, historicamente os portugueses ainda não se habituaram a pagar impostos», referiu Domingues Azevedo. Leis violentas O nosso interlocutor apelou, ainda, ao bom senso da Administração Fiscal no que à legislação diz respeito. «Na fiscalidade, como na visa, é necessário bom senso e, por vezes, a violência das leis cria a primeira apetência para que as pessoas não cumpram. Quando a lei é injusta, o sujeito passivo mesmo não cumprindo sente-se como que reconfortado, pois ele mesmo repôs alguma justiça. 

Por isso, quando falamos no abaixamento da taxa do IRC, penso que isso irá trazer para o universo fiscal mais contribuintes cumpridores. As pessoas começam mesmo a interiorizar que as razões que teriam, por força do excesso da taxa, para preverter a verdade tributária, deixam de lhes assistir», defendeu o presidente da CTOC. IVA muito alto Para o presidente da CTOC, o mesmo se passa com o IVA, bastante mais alto em Portugal que, por exemplo, em Espanha. «Quando os empresários produzem e vêm o país ser invadido por produtos espanhóis taxados a menos 3 ou 4% têm uma tendência natural para compensar a dificuldade de colocação dos seus produtos através de outros mecanismos, que neste caso é a fuga ao fisco. Por isso, o combate à fraude e evasão não pode ser analisada pelos seus efeitos momentâneos, mas sim numa óptica pedagógica, em que as pessoas são desincentivadas e, naturalmente, uma óptica penalizadora, mas esta sempre em segundo plano, como último recurso», referiu o presidente da CTOC. Inconstância As normas que interagem com o exercício da profissão, especialmente no que respeita à fiscalidade, são muito inconstantes, uma característica que deriva da sua própria natureza. «A fiscalidade é, pela sua própria essência, uma ferramenta utilizada pelo Poder Político, manuseada e maleabilizada em função dos interesses e objectivos desse mesmo Poder. Isto depois tem todas as consequências inerentes ao funcionamento do sistema. 

Uma pode ser directa, dizendo «a partir de hoje a taxa ad-valoren, ou seja, a taxa de permilagem passa de X para Y» ou, então, uma situação que não estava totalmente clarificada passa a ser enquadrada neste ou naquele sistema», sublinhou o presidente da CTOC. «E a fiscalidade», prosseguiu, «é a área com maior mutabilidade no que respeita ao exercício da profissão. Costumo dizer que hoje é quase impossível um profissional, atendendo ao vasto leque de normas que o profissional tem de observar, termos um especialista que saiba em profundidade de todas as temáticas da Contabilidade e da Fiscalidade. Hoje já se tem um nível de exigência tal que é necessário o concurso dos profissionais, que se materializará, segundo a nossa óptica, em sociedades de profissionais, em que as pessoas se poderão complementar ao nível do produto final, ou seja, haver especializações. Isso tem a ver com a natureza da própria fiscalidade ¿ o mesmo não se passa, por exemplo, com a Contabilidade. Não obstante a recente obrigatoriedade de observância das Normas Internacionais de Contabilidade (as NIC), que vai alterar profundamente a nossa maneira de fazer a Contabilidade, e mesmo tendo em conta as directrizes da Comissão de Normalização Contabilistica, que tem vindo a criar nova doutrina e que, em substância, são umas «segundas filhas» das NIC, às vezes, diga-se em abono da verdade, um pouco mal interpretadas, mas não têm nada de novo, considerou Domingues Azevedo. 

Por outro lado, os TOC, especialmente das pequenas e médias empresas são uma espécie de faz-tudo: são os conselheiros, os advogados, etc... «Isso exige-lhes uma polivalência muito elevada e, por isso, o CD-Rom não contém apenas informação fiscal, como também Direito Administrativo e Comercial, Código Comercial, e todos os Diários da República desde 1968», revelou Domingues Azevedo. CD-Rom actualiza A CTOC, consciente desta realidade, tem vindo, desde há dois anos, gratuita e mensalmente, a distribuir pelos seus membros um cd-rom, com a compilação de toda a legislação, com todos os códigos devidamente actualizados, compreendendo também todos os acórdãos dos tribunais e os ofícios interpretativos da Administração Fiscal quanto às temáticas e a sua interpretação da aplicação da lei. «Esses ofícios não têm força de lei, mas reflectem a posição da administração Fiscal quanto ao funcionamento das normas e do seu alcance e isso é extremamente importante para os profissionais. Claro que por vezes há discordância e torna-se necessário recorrer aos tribunais. E são bastantes as vezes que o TOC ganha o seu caso em tribunal. 

A Câmara, como instituição reguladora dos profissionais, tem consciência das dificuldades e tem procurado encontrar uma solução para as respostas dos profissionais. Por isso construímos esta base de dados, que tem sido designada por Sistema de Informação dos Técnicos Oficiais de Contas. Nenhuma entidade profissional do pais faz ou põe à disposição dos seus membros esta ferramenta», revelou o presidente da CTOC. «Como o suporte em papel», prosseguiu, «comprávamos hoje um Código Fiscal e passados dois ou três meses ele está desactualizado, pois vai surgindo nova legislação. O suporte informático é a única forma possível de nos manter actualizados». Além do Cd-Rom e da revista mensal, a CTOC realiza mensalmente, em todos os distritos do país, duas reuniões livres. Nelas, os três melhores especialistas distritais nas áreas dos impostos sobre o rendimento, sobre o consumo e sobre a Contabilidade, ou seja, o IRC, o IRS, o IVA, Imposto de Selo, e outros, tiram dúvidas e fornecem, pessoalmente, informações sobre a nova legislação. Seis anos de trabalho A CTOC tem tido a preocupação de garantir aos seus membros as melhores condições para o exercício da profissão. «Também por isso prestamos apoio jurídico, interpretamos o Código Fiscal, dirimimos conflitos e temos 12 advogados ao serviço permanente da CTOC. Entram naquela instituição cerca de mil perguntas mensais de âmbito jurídico, outras mil de âmbito técnico, para as quais temos um gabinete com 13 pessoas em permanência. Por outro lado, este CD-Rom representa o trabalho de seis anos de seis pessoas, que passaram todo este tempo a dedicar-se, a tempo inteiro, na criação de uma base de dados que é única no país. E que continuam a trabalhar diariamente na sua actualização. Mas, do seu trabalho resulta um produto e um seviço que mais nenhuma associação portuguesa presta aos seus associados», concluiu o presidente da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.