Novidades
Pareceres
Distribuição de lucros
8 Outubro 2021
Distribuição de lucros
30-09-2021

Uma empresa unipessoal constituída em 2020 vai distribuir dividendos ao único sócio, uma empresa francesa.
Está isenta de retenção na fonte? Ou, neste caso, as quotas têm que ser detidas pelo menos 24 meses pelo sócio, o que neste caso não acontece?  Quais as obrigações declarativas a cumprir em Portugal pelas duas empresas, bem como os documentos que são necessários para obter essa isenção?

Parecer técnico

A questão colocada refere-se ao enquadramento fiscal da distribuição de dividendos, por parte de uma sociedade portuguesa ao seu único sócio (pessoa coletiva) não residente.
Antes de efetuar a abordagem fiscal consideramos importante o enquadramento societário do direito aos lucros.
O direito aos lucros do exercício encontra-se consagrado no artigo 217.º (sociedades por quotas) e 294.º (sociedades anónimas) ambos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), vencendo-se decorridos 30 dias sobre a deliberação de atribuição de lucros, salvo diferimento consentido pelo sócio e sem prejuízo de disposições legais que proíbam o pagamento antes de observadas certas formalidades, podendo mesmo ser deliberada, com fundamento numa situação excecional da sociedade, a extensão do prazo até mais 60 dias.
A proposta de aplicação dos resultados, elaborada pela gerência (ou administração), tem que ser aprovada em assembleia-geral, a realizar no primeiro trimestre do ano seguinte (ou até ao quinto mês seguinte, no caso de contas consolidadas e aplicação do método de equivalência patrimonial), para deliberação sobre essa aprovação das contas anuais e aplicação dos resultados.
A distribuição de lucros do exercício, por uma sociedade aos respetivos sócios, deve ser deliberada em assembleia-geral de sócios, cujo objetivo seja a aprovação de contas, onde se decida a forma de aplicação dos resultados, devendo a mesma ficar lavrada em ata.
Nesta assembleia-geral, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício, que seja considerado distribuível nos termos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), exceto se existir alguma cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos do capital social representado na assembleia-geral, que permita uma distribuição diferente ou a retenção desses resultados na sociedade (eventualmente como reservas livres), conforme previsto no artigo 217.º do CSC.
Os lucros do exercício apenas se tornam distribuíveis se existir algum excesso após os primeiros destinos que os sócios lhes atribuírem na data de aprovação das contas e aplicação dos resultados.
Efetivamente, em primeiro lugar, os lucros do exercício devem ser destinados à cobertura de prejuízos transitados, e após não existirem mais prejuízos transitados (ou se não existirem de todo) devem ser destinados à constituição da reserva legal ou de reservas estatutárias, conforme as regras previstas no n.º 1 do artigo 33.º do CSC.
Nos termos do n.º 2 do artigo 33.º do CSC, não podem ainda ser distribuídos aos sócios lucros do exercício enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não estiverem completamente amortizadas, exceto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas.
Após o cumprimento dessas obrigações e aplicações, os lucros do exercício são considerados distribuíveis, podendo ser atribuídos aos sócios, na proporção das respetivas participações no capital social, ou podendo no todo, ou em parte, manterem-se retidos na sociedade, como reservas livres, resultados transitados ou outro item de capital próprio.
Assim, existindo lucros distribuíveis, os sócios podem em qualquer momento, incluindo para além do momento da aprovação de contas de um determinado exercício, deliberar a distribuição desses montantes retidos na sociedade (reservas, resultados transitados).
No entanto, o artigo 32.º do CSC estabelece que não podem ser distribuídos aos sócios, bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.
Desta forma, se devido à deliberação dos sócios de distribuição desses montantes (por exemplo de reservas livres ou resultados transitados), ou devido a alterações que posteriormente ocorram no património da sociedade, dessa distribuição de lucros resultar que o capital próprio da sociedade fique, ou venha a ficar, inferior à soma do capital social e das reservas não distribuíveis (incluindo as reservas legais), não se pode realizar a referida distribuição de resultados retidos.
Face a esta limitação, a sociedade não pode efetuar a distribuição dos lucros aos sócios (incluindo lucros retidos e do próprio exercício), se com tal distribuição não se assegurar a manutenção do capital próprio.
Essa manutenção do capital próprio visa que a sociedade possa ter capacidade de fazer face ao cumprimento das suas obrigações para com os credores sociais, nomeadamente da liquidação do seu passivo.
Por outro lado, quaisquer reservas constituídas pelos incrementos decorrentes da aplicação do justo valor através de componentes do capital próprio, incluindo os da sua aplicação através do resultado líquido do exercício, apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios da sociedade, quando os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos, liquidados ou, também quando se verifique o seu uso, no caso de ativos fixos tangíveis e intangíveis.
Ou seja, por exemplo, os excedentes de revalorização reconhecidos pela aplicação do modelo de revalorização previsto para os ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis, que são reconhecidos como reservas livres no capital próprio da sociedade, apenas podem ser considerados distribuíveis após esses ativos terem sido vendidos, abatidos ou em função da respetiva depreciação ou amortização.
Os bens distribuíveis aos sócios, por aplicação de resultados do período ou resultados retidos, não têm que ser atribuídos necessariamente em dinheiro, podendo ser efetuados através de bens em espécie, como por exemplo através da atribuição de itens do ativo da sociedade.
Os lucros (do período e retidos) são, em princípio, distribuídos pela proporção das respetivas participações dos sócios, salvo se existir uma convenção ou preceito especial em contrário, conforme previsto no n.º 1 do artigo 22.º do CSC.
As deliberações dos sócios em assembleia-geral, nomeadamente a deliberação de aprovação das contas e aplicação dos resultados, têm que constar em ata, conforme o artigo 63.º do CSC. Essa ata é o documento de suporte para efetuar os respetivos registos contabilísticos.
Em termos fiscais, quanto aos sócios, pessoas coletivas que sejam outras sociedades comerciais, a distribuição dos lucros da sociedade em causa pode determinar retenção na fonte sobre esses rendimentos de capitais, conforme previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC.
No caso em concreto, trata-se do pagamento de dividendos a uma sociedade sócia, com sede em França.
As entidades não residentes que não tenham estabelecimento estável em território português são tributadas em Portugal apenas pelos rendimentos obtidos em território português, conforme n.º 2 do artigo 4.º do Código do IRC (CIRC), sendo esta tributação designada de base territorial.
Para as entidades não residentes, a sujeição a imposto apenas se verifica quanto aos rendimentos obtidos em Portugal, não suscetíveis de serem imputados a eventual estabelecimento estável localizado em território português.
Os rendimentos consideram-se obtidos em território nacional, tendo em conta a fonte produtora e/ou a entidade pagadora, conforme o n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, sendo tributados por retenção na fonte a título definitivo.
Como regra geral, os dividendos obtidos em território nacional por sujeitos passivos não residentes estão sujeitos a uma taxa de retenção na fonte, com caráter liberatório de 25 por cento, nos termos do corpo do n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, por remissão do n.º 5 do artigo 94.º, em conjugação com o n.º 3 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º ambos do CIRC.
Todavia, devido à existência das duas regras de tributação dos rendimentos nos diversos Estados pode ocorrer uma dupla tributação sobre esses rendimentos, pois os rendimentos podem ser tributados no país onde são obtidos (regra da territorialidade) e no país de residência da empresa que os obtêm (regra da universalidade), quando esse país não for o mesmo.
Devido a esta situação foram criadas as convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas entre Portugal e outros Estados, com o objetivo de estabelecer uma redução ou eliminação de tributação de determinados rendimentos obtidos num Estado por residentes do outro Estado.
Os rendimentos derivados de dividendos têm uma retenção na fonte à taxa máxima de 15 por cento sobre o montante bruto dos dividendos, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a França (Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 março).
O artigo 98.º do CIRC estabelece que não existe obrigação de se efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar ou atenuar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Para ser acionada a Convenção, a empresa francesa deve entregar o certificado de residência, emitido pelo Estado francês (administração fiscal francesa), que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado, o qual tem validade de um ano. Este documento deverá ser anexado ao formulário Modelo 21-RFI, devidamente preenchido pelo pagador dos dividendos (entidade Portuguesas).
Assim, caso a empresa francesa comprove a residência fiscal no seu país, a entidade pagadora dos rendimentos auferidos em Portugal, apenas deve efetuar retenção na fonte sobre 15 por cento dos rendimentos brutos dos dividendos, uma vez que o referido artigo 11.º da CDT, neste caso concreto, estabelece uma limitação na tributação ao Estado de origem dos rendimentos (Portugal).
Por outro lado, quando for possível, e no caso em apreço pode aplicar-se o tratamento fiscal previsto na diretiva 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, se a sociedade francesa deter diretamente uma participação não inferior a 10 por cento no capital da empresa portuguesa, tendo permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à colocação à disposição e esteja sujeita e não isenta de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro.
Essa diretiva está transposta no n.º 3 e seguintes do artigo 14.º do CIRC, estabelecendo que não há lugar a qualquer tributação dos lucros distribuídos em Portugal, desde a sociedade beneficiária francesa reúna as condições aí previstas.
Nos termos do n.º 4 do citado artigo 14.º, para que esta isenção possa ser imediatamente aplicável, é necessário que a empresa francesa faça prova (anteriormente à data da colocação à disposição dos lucros) relativamente à percentagem e tempo de participação no capital da sociedade portuguesa e a prova da verificação das condições da diretiva, sendo esta última feita através de uma declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes espanholas (nomeadamente uma certificação de residência).
A entidade portuguesa, pagadora dos rendimentos à entidade não residente sem estabelecimento estável, é obrigada ainda a incluir informações sobre o pagamento desse rendimento na declaração modelo 30, a entregar no Portal das Finanças, até ao final do segundo mês seguinte ao momento da colocação à disposição dos rendimentos.
Para o preenchimento dessa declaração modelo 30, a entidade portuguesa deve solicitar à AT um número de identificação fiscal português para a empresa francesa. Esse NIF pode ser solicitado em qualquer serviço de finanças.
No caso em questão sendo aplicável o disposto no artigo 14.º do CIRC, no preenchimento da declaração modelo 30 deverá ser indicado o seguinte:
Códigos dos regimes de tributação:
Campo 36 do quadro 8 - Código 03 - Isenção de lucros e reservas ao abrigo do artigo 14.º, nos 3 e 8 do CIRC (lucros e reservas)
Tipo de rendimentos de acordo com a Convenção Modelo da OCDE
Campo 35 do Quadro 08 - 10 – Dividendos.