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Distribuição de lucros
19 Dezembro 2022
Distribuição de lucros
PT27255 - novembro de 2022

Determinado sujeito passivo pretende distribuir resultados pelos sócios ainda no decorrer de 2022. É possível distribuir as revalorizações de exercícios anteriores e resultados de outros exercícios, registados em conta de resultados transitados?

Parecer técnico

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento legal da distribuição de lucros que uma determinada entidade pretende realizar em 2022.
Importa começar por referir que aspetos legais, relacionados com os direitos dos sócios, devem ser aferidos por um jurista ou advogado.
Para o caso apresentado, consideramos importante efetuar a abordagem genérica da distribuição dos lucros do exercício e das reservas disponíveis.
O direito aos lucros do exercício encontra-se consagrado no artigo 217.º (sociedades por quotas) e 294.º (sociedades anónimas) ambos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), vencendo-se decorridos 30 dias sobre a deliberação de atribuição de lucros, salvo diferimento consentido pelo sócio e sem prejuízo de disposições legais que proíbam o pagamento antes de observadas certas formalidades, podendo mesmo ser deliberada, com fundamento numa situação excecional da sociedade, a extensão do prazo até mais 60 dias.
A proposta de aplicação dos resultados, elaborada pela gerência (ou administração), tem de ser aprovada em assembleia-geral, a realizar no 1.º trimestre do ano seguinte (ou até ao quinto mês seguinte, no caso de contas consolidadas e aplicação do método de equivalência patrimonial), para deliberação sobre essa aprovação das contas anuais e aplicação dos resultados.
A distribuição de lucros do exercício, por uma sociedade aos respetivos sócios, deve ser deliberada em assembleia-geral de sócios, cujo objetivo seja a aprovação de contas, onde se decida a forma de aplicação dos resultados, devendo a mesma ficar lavrada em ata.
Nesta assembleia-geral, tal como já referido, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que seja considerado distribuível nos termos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), exceto se existir alguma cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos do capital social representado na assembleia geral que permita uma distribuição diferente ou a retenção desses resultados na sociedade (eventualmente como reservas livres), conforme previsto no artigo 217.º do CSC.
Os lucros do exercício apenas se tornam distribuíveis se existir algum excesso após os primeiros destinos que os sócios lhes atribuírem na data de aprovação das contas e aplicação dos resultados.
Efetivamente, em primeiro lugar, os lucros do exercício devem ser destinados à cobertura de prejuízos transitados, e após não existirem mais prejuízos transitados (ou se não existirem de todo) devem ser destinados à constituição da reserva legal ou de reservas estatutárias, conforme as regras previstas no n.º 1 do artigo 33.º do CSC.
Em termos genéricos, as reservas representam o somatório dos resultados líquidos positivos (lucros) que, não tendo sido distribuídos aos sócios, foram sendo retidos pela empresa ao longo dos vários períodos.
Dentro deste conceito, importa distinguir os vários tipos de reservas que podem ser constituídas mediante deliberação dos sócios na aplicação dos resultados de cada período.
As reservas legais decorrem da obrigação prevista no artigo 218.º e artigo 295.º e 296.º, todos do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
O n.º 1 do artigo 295.º do CSC estabelece que, pelo menos, cinco por cento dos lucros obtidos no período têm de ser destinados à constituição da reserva legal, até que represente 20 por cento do capital social, nunca podendo ser inferior a 2 500 euros no caso das sociedades por quotas.
As reservas estatutárias são impostas pelo contrato de sociedade, mediante deliberação dos sócios, não existindo qualquer limitação legal determinada pelo CSC.
As reservas contratuais são impostas por contratos a que a sociedade esteja obrigada como, por exemplo, no caso de obrigações contratuais das sociedades concessionárias de serviços públicos.
As reservas especiais podem ser constituídas por uma outra qualquer legislação, nomeadamente fiscal, como, por exemplo, a prevista para o benefício fiscal da dedução de lucros retidos e reinvestidos (artigos 27.º a 34.º do Código Fiscal do Investimento).
As reservas livres podem ser constituídas livremente mediante deliberação dos sócios, representando montantes distribuíveis a estes em qualquer momento, quando não existam prejuízos obtidos no período ou transitados de períodos anteriores.
Por outro lado, a rúbrica de resultados transitados deve conter os resultados obtidos de períodos anteriores (lucros e prejuízos), podem ser objeto de deliberação dos sócios na aplicação de resultados, para serem destinados a reservas ou distribuição aos sócios.
Para além das reservas, nos termos do n.º 2 do artigo 33.º do CSC, não podem ainda ser distribuídos aos sócios lucros do exercício enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não estiverem completamente amortizadas, exceto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas.
Após o cumprimento dessas obrigações e aplicações, os lucros do exercício são considerados distribuíveis, podendo ser atribuídos aos sócios, na proporção das respetivas participações no capital social, ou podendo no todo, ou em parte, manterem-se retidos na sociedade, como reservas livres, resultados transitados ou outro item de capital próprio.
Assim, existindo lucros distribuíveis, os sócios podem em qualquer momento, incluindo para além do momento da aprovação de contas de um determinado exercício, deliberar a distribuição desses montantes retidos na sociedade (incluindo reservas disponíveis e resultados transitados).
No entanto, o artigo 32.º do CSC estabelece que não podem ser distribuídos aos sócios, bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.
Desta forma, se devido à deliberação dos sócios de distribuição desses montantes (por exemplo de reservas livres ou resultados transitados), ou devido a alterações que posteriormente ocorram no património da sociedade, dessa distribuição de lucros resultar que o capital próprio da sociedade fique, ou venha a ficar, inferior à soma do capital social e das reservas não distribuíveis (incluindo as reservas legais), não se pode realizar a referida distribuição de resultados retidos.
Face a esta limitação, a sociedade não pode efetuar a distribuição dos lucros aos sócios (incluindo lucros retidos e do próprio exercício), se com tal distribuição não se assegurar a manutenção do capital próprio.
Essa manutenção do capital próprio visa que a sociedade possa ter capacidade de fazer face ao cumprimento das suas obrigações para com os credores sociais, nomeadamente da liquidação do seu passivo.
Por outro lado, quaisquer reservas constituídas pelos incrementos decorrentes da aplicação do justo valor através de componentes do capital próprio, incluindo os da sua aplicação através do resultado líquido do exercício, apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios da sociedade, quando os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos, liquidados ou, também quando se verifique o seu uso, no caso de ativos fixos tangíveis e intangíveis.
Ou seja, por exemplo, os excedentes de revalorização reconhecidos pela aplicação do modelo de revalorização previsto para os ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis, que são reconhecidos como reservas livres no capital próprio da sociedade (conta 58), apenas podem ser considerados distribuíveis após esses ativos terem sido vendidos, abatidos ou em função da respetiva depreciação ou amortização.
Os bens distribuíveis aos sócios, por aplicação de resultados do período ou resultados retidos (resultados de períodos anteriores), não têm de ser atribuídos necessariamente em dinheiro, podendo ser efetuados através de bens em espécie, como por exemplo através da atribuição de itens do ativo da sociedade.
Os lucros (do período e retidos) são, em princípio, distribuídos pela proporção das respetivas participações dos sócios, salvo se existir uma convenção ou preceito especial em contrário, conforme previsto no n.º 1 do artigo 22.º do CSC.
Nos termos do n.º do artigo 31.º do CSC a distribuição de lucros do exercício ou de reservas não podem ser feitas aos sócios sem que ter sido objeto de deliberação, ou seja, sem a realização de uma assembleia geral dos sócios para o efeito.
As deliberações dos sócios em assembleia-geral, nomeadamente a deliberação de aprovação das contas e aplicação dos resultados, têm de constar em ata, conforme o artigo 63.º do CSC. Essa ata é o documento de suporte para efetuar os respetivos registos contabilísticos.
Assim, no caso em concreto o valor reconhecido na conta 589 - Excedente de revalorização não pode ser distribuído. Já o valor transferido da conta 589 para a conta 56 - Resultados transitados, assumindo que esta transferência se deve à utilização dos ativos revalorizados (por intermédio das depreciações) ou pela alineação ou abate dos ativos, cumprindo-se com todos os requisitos previstos no CSC poderão ser distribuídos.