O Estado através dos seus mais diversos serviços, enquanto entidade que zela pelos nossos interesses, tem que estar acima de qualquer suspeita quanto à credibilidade dos actos praticados.
Pode divergir a interpretação dos factos, para isso existem os tribunais, mas uma vez esclarecida a orientação dessa leitura, não pode o Estado ou os seus serviços, incorrer ou praticar actos contrários àquelas normas ou à sua interpretação e, na fronteira da dúvida, conduzir a práticas que violentem o espírito do legislador na protecção dos direitos do próprio Estado.
Isto a propósito de evidenciar que, recentemente, através de diversas formas, temos assistido a situações de completa aberração no funcionamento de alguns serviços da Administração Pública.
Na semana passada, um dos meus clientes mais antigos, abordou-me a propósito de duas notificações que havia recebido de processos de contra-ordenação fiscal, sustentando-se no envio extemporâneo da declaração do IVA do primeiro trimestre de 2007, a falta de pagamento do Imposto Especial por Conta por uma empresa que iniciou a actividade em 2002.
A primeira coisa que me disse foi que eu, enquanto TOC, deveria dar o exemplo atendendo à funções que desempenhava, alegando que eu não tinha enviado dentro do prazo a declaração do IVA, nem lhe tinha dado indicações para efectuar o pagamento do Imposto Especial por Conta no ano de 2002.
Acto contínuo, socorri-me de uma impressão da declaração do IVA para provar que havia cumprido com os prazos estabelecidos. Logo, a coima não podia existir e só um erro dos serviços é que justificava a emissão da notificação.
Imediatamente depois, mostrei-lhe o artigo 98.º do CIRC para comprovar que as empresas que iniciaram a actividade em 2002 não estavam obrigadas a efectuar o pagamento daquele imposto no ano seguinte, ou seja, 2003.
Não convencido, o meu cliente retorquiu que as notificações eram autênticas e reais. Visivelmente incomodado, disse não querer saber quem eram os culpados: "Pago-lhe para me tratar destes assuntos como deve ser e não para ser chateado com estas notificações e, ainda por cima, andam a penhorar junto dos meus clientes coisas que eu nunca devi ao fisco".
Este pequeno excerto é uma ínfima parte da vida de um Técnico Oficial de Contas, para tentar explicar aos seus clientes o mau funcionamento de alguns serviços afectos à Direcção-Geral dos Impostos.
Os empresários que recebem uma notificação desta natureza interiorizam de imediato que o seu TOC não cumpriu com as suas obrigações profissionais, pois ainda têm um conceito de credibilidade e infalibilidade da Administração Fiscal que hoje, nem de perto nem de longe, corresponde à verdade.
É urgente prestar-se uma atenção redobrada aos erros que o sistema gera e procurar de imediato solucionar os problemas que o automatismo do sistema produz.
Só não erra quem nada faz. Mas uma vez detectado o erro, tem que haver a humildade de o reconhecer e procurar por todos os meios evitar os seus efeitos nocivos.
Logo que a CTOC teve conhecimento dos factos, comunicou-os à Direcção-Geral dos Impostos e surpreende-nos o laxismo com que esta questão foi tratada, ao ponto de ainda hoje haver serviços de Finanças que dizem aos sujeitos passivos que têm que pagar a coima. Não faz sentido.
É imperativo que a Direcção-Geral dos Impostos, primeiramente, reequacione de forma eficaz a emissão de documentos que provoquem responsabilidades perante terceiros e somente após a autorização do respectivo responsável, aqueles documentos sejam emitidos - e custa-me a acreditar que qualquer funcionário da DGCI, no conhecimento da irregularidade, permitisse que aqueles documentos fossem emitidos. Segundo, deve emitir para todos os sujeitos passivos que foram alvo de notificações com os fundamentos descritos, uma carta justificando o erro e pedindo desculpa pelo ocorrido.
Independentemente da solução que se venha a encontrar, quem já pagou o odioso de todo o processo fui eu próprio na relação de credibilidade que sempre tive ao longo dos últimos trinta anos com este cliente. Não obstante eu lhe haver provado que o erro era dos serviços, descarregou no primeiro culpado que encontrou, libertando o negativismo que o funcionamento dos serviços está a provocar nos cidadãos.
Estou ciente que posso vir a perder um dos meus melhores clientes. Mas deixo uma pergunta para quem souber responder: estarão os serviços do Estado ou os seus funcionários preparados para pagarem do seu bolso os prejuízos que eu, como muitos outros profissionais, possamos ter com a sua falta de rigor e qualidade?
Esta é uma realidade que merece ser interiorizada, pois ela é muito mais real do que se possa pensar. Quanto ao meu caso pessoal, estou a ponderar interpor uma acção nos tribunais para ser ressarcido dos prejuízos que me possam ser directamente causados.
Como diz o nosso povo, "dívidas e pecados, cada um que pague os seus".