30-09-2021
Um casal é proprietário de um imóvel urbano de habitação e comércio, que recebeu por doação de familiar em 2010. Este imóvel precisa de muitas obras de conservação. O casal pretende doar o imóvel a uma sociedade por quotas da qual são sócios, que posteriormente vai fazer as obras e arrendar, ou vender antes ou depois das obras. Essa sociedade por quotas tem como atividade principal a compra e venda de imóveis, e atividades secundárias as obras em imóveis e o arrendamento de imóveis.
Existe algum impedimento legal ou fiscal sobre esta doação? O casal tem que declarar a doação no IRS ou tem que pagar algum imposto?
A empresa tem que pagar algum imposto quando receber a doação? A contabilização do imóvel será na classe 3 ou 4? E qual o valor? No momento da contabilização tem logo que definir se é para vender ou manter e arrendar? No caso de vender o imóvel, o custo de aquisição é o valor patrimonial?
Parecer técnico
Na situação exposta as questões colocadas referem-se ao enquadramento contabilístico e fiscal da seguinte situação: um casal recebeu por dação um imóvel no ano de 2010. Agora pretende doar esse imóvel a uma empresa em que são sócios. A sociedade exerce a atividade principal de compra e venda de imóveis e exerce como atividade secundária a construção e arrendamento de imóveis. A sociedade irá proceder a obras de restauração do imóvel com o objetivo de vender ou de arrendar.
Quanto às formalidades da doação, bem como impedimento legal, referimos, desde já, que os aspetos legais relacionados com a operação em análise se encontram fora do âmbito de atuação deste departamento e das funções do contabilista certificado. Para esclarecimento desses aspetos sugerimos consulta junto de um advogado, entidade habilitada para este efeito. Em termos fiscais, não temos conhecimento de qualquer impedimento.
Entende-se por doação (n.º 1 artigo 940.º do Código Civil) o «contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.»
Na esfera dos sócios, pessoas singulares, não haverá consequências em sede de IRS, uma vez que tal operação, de doação de imóvel, não se encontra abrangida pelas normas de sujeição a imposto.
Do ponto de vista fiscal, a doação ou transmissão a título gratuito é uma operação sujeita a imposto do selo, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo.
Para o efeito dever-se-á ter em consideração o disposto na verba 1 da tabela geral do Imposto do Selo, que transcrevemos:
«(...) 1 - Aquisição de bens:
1.1 - Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respetivos contratos - sobre o valor: 0,8%
1.2 - Aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 - sobre o valor: 10% (...).»
O valor tributável nesta operação será determinado nos termos do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo, ou seja, será «(...) o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial (...).»
Contudo, não obstante a sujeição a imposto do selo nas transmissões gratuitas, situações existem em que esta não se verifica, nomeadamente, quando ocorrem a favor de sujeitos passivos pessoas coletivas, conforme disposto na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo. Assim, não haverá lugar a liquidação de imposto do selo pela verba 1.2, continua sim a existir a obrigatoriedade de liquidação de imposto do selo nos termos previstos na verba 1.1, à taxa de 0,8 por cento sobre o valor do imóvel (calculando-se este nos termos anteriormente referidos).
As doações das quais sejam beneficiários sujeitos passivos de IRC, não são tributadas em IMT, por não se tratarem de transmissões onerosas.
Em sede de IRC, na esfera da sociedade beneficiária do imóvel, tal operação de doação configura uma variação patrimonial positiva, que deverá ser considerada na determinação do resultado tributável, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Código do IRC.
O referido artigo 21.º do Código do IRC contempla esta questão, considerando como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado, não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo. Esta aquisição não se enquadra no conceito de mais-valia potencial, concorrendo por isso para a formação do lucro tributável, conforme já referido.
Face ao exposto, a sociedade deve, no ano em que ocorrer a doação considerar esta variação patrimonial positiva para efeitos de apuramento do resultado tributável do período. Para o efeito, deve inscrever tal quantia na linha 702 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22.
Se admitirmos que o imóvel se destina à venda, então o mesmo deverá ser reconhecido como inventário. Se este imóvel se destina a ser utilizado na atividade produtiva do sujeito passivo e reunir as condições para tal, poderá ser reconhecido como ativo fixo tangível. Esta diferente classificação contabilística deverá ter por base a função e natureza do bem no seio deste sujeito passivo. A contrapartida, independentemente do tipo de ativo (conta movimentada a débito) será o crédito em subconta da 594 - Doações.
Em termos contabilísticos, tratando de bens doados com destino a serem utilizados na atividade administrativa ou operacional, ou para a execução da prestação de serviços, esses bens devem ser reconhecidos como itens do ativo fixo tangível, nos termos da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 7 - Ativos fixos tangíveis ou nos termos da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 11 – Propriedades de investimento.
Tratando de bens doados com destino a serem utilizados no decurso ordinário da atividade da entidade, estes devem ser classificados como inventários, nos termos da NCRF 18 – Inventários.
No caso em concreto, a entidade irá utilizar o imóvel recebido em doação, irá efetuar obras de restauração e pretender vender ou arrendar. Ora, no momento inicial, será importante qual é o principal destino a atribuir ao imóvel, porque, será em razão dessa atribuição que serão efetuados os respetivos registos contabilísticos. Isto é, se o principal objetivo for a venda do imóvel, então deverá ser registado como inventários. Caso o principal objetivo seja o arrendamento, então, a entidade deverá reconhecer como propriedade de investimento, na conta 42 – Propriedades de investimento, caso este a adotar as 28 normas ou a normas das pequenas entidades, ou na conta 43 – Ativos fixos tangíveis, caso esteja a adotar a norma das microentidades.
Em termos de mensuração, estando perante a aquisição de inventários a título gratuito, não existirá preço de compra, mas existirão gastos incorridos (exemplo IS e gastos de registo) e, eventualmente, com a sua valorização, que devem ser imputados ao custo de aquisição (ou mesmo de produção) de tais inventários. Deve atender ao parágrafo 11 da NCRF 18 (quanto aos custos de compra) e aos parágrafos 12 a 14 da mesma norma (se existir transformação/ valorização
No entanto, é admissível, considerar o valor de mercado, desde que este possa ser determinado com fiabilidade à data do registo, por exemplo, recorrendo a uma avaliação efetuada por um perito especializado. Este entendimento resulta da interpretação do parágrafo 87 da estrutura concetual que refere: «Um ativo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o ativo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.»
Se estivermos perante a aquisição a título gratuito de um ativo fixo tangível ou propriedade de investimentos, em termos de mensuração, não existindo um valor de contrapartida pela obtenção do imóvel, deve utilizar-se o justo valor do imóvel à data da doação para a determinação dessa mensuração. Esse justo valor pode ser determinado pelo valor de mercado apurado por um perito especializado. De notar que, para efeitos contabilísticos o Valor Patrimonial Tributário (VPT) não tem qualquer relevância.
O enquadramento em termos fiscais da venda do imóvel dependerá da classificação que o mesmo tenha para a entidade. Isto é, se o imóvel é um inventário, então o ganho com a sua venda concorre normalmente para o resultado tributável da operação, não sendo possível qualquer atenuação do mesmo. Se o imóvel em questão estiver reconhecido como ativo fixo tangível, então o resultado desta venda configurará uma menos-valia ou mais-valia, esta última suscetível de reinvestimento.
Os bens detidos para serem vendidos no âmbito da atividade ordinária (corrente), classificados como inventários, irão gerar benefícios económicos pela obtenção de rédito pela venda de bens, nos termos da NCRF 20.
Em termos fiscais, estando na presença da venda de bens imóveis, na determinação do resultado tributável, há que ter em consideração o VPT definitivo determinado nesse momento da aquisição do imóvel, quando este for superior ao valor de aquisição nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC.
A entidade deverá ainda ter em consideração o VPT definitivo determinado no momento da venda, quando este seja superior ao valor de atribuído para a operação, ainda que seja determinado posteriormente, conforme previsto na alínea a) do n.º 3 (e n.º 4) do artigo 64.º do CIRC.
Assim, se o rédito de venda do imóvel, contabilizado nos termos da NCRF 20 - Rédito, for inferior ao valor patrimonial tributário definitivo determinado por essa venda, a entidade vendedora deverá acrescer no campo 745 do quadro 07 da declaração modelo 22, a diferença positiva entre esse valor de venda e o referido VPT atribuído pelas finanças.
Se o custo de aquisição do imóvel, contabilizado nos termos da NCRF 18 - Inventários, for inferior ao valor patrimonial tributário definitivo determinado no momento da aquisição desse imóvel e o VPT aquando da transmissão for superior, a entidade, enquanto adquirente, deverá deduzir no campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22, a diferença positiva entre esse VPT definitivo e o custo de aquisição do imóvel.
No caso do VPT definitivo determinado no momento da aquisição, do imóvel for inferior ao valor de venda ou ao custo de aquisição, a entidade não deverá efetuar qualquer correção ao lucro tributável na declaração modelo 22.
Se estivermos perante a venda de um ativo fixo tangível ou propriedade de investimento, deverá originar um cálculo extra contabilístico para apuramento da mais-valia ou menos-valia, sendo este cálculo resultado da diferença entre o valor de venda do ativo e o valor líquido contabilístico (quantia escriturada) do mesmo bem, conforme disposto no parágrafo 70 da NCRF n.º 7 ou parágrafo 72 da NCRF 11.
Por sua vez, o valor líquido contabilístico (quantia escriturada) resulta da diferença entre o custo de aquisição do bem e o valor das respetivas depreciações e perdas por imparidade acumuladas, conforme definição prevista no parágrafo 6 da NCRF n.º 7 e 71 do parágrafo NCRF 11.
Assim, antes de efetuar a contabilização da alienação do ativo fixo tangível, deverá ser efetuado um cálculo extra contabilístico para determinar a existência de uma mais ou menos-valia. A fórmula de apurar essa mais-valia/menos-valia contabilística será:
MVc / mvc = VR - (Vaq.(ou Vreav) - DAc/PIac)
Em que:
MVc / mvc - Mais-valia contabilística/menos-valia contabilística
VR - Valor de realização
Vaq - Valor de aquisição
Vreav - Valor de reavaliação
DAc - Depreciações acumuladas contabilizadas
PIac - Perdas por imparidade acumuladas contabilizadas
Em termos fiscais, na alienação de um imóvel, classificado como ativo fixo tangível ou propriedade de investimento, deverá ser determinada a mais-valia ou menos-valia nos termos do artigo 46.º e seguintes do Código do IRC. Admitindo a existência de uma mais-valia, esta configura um rendimento tributável nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IRC.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 46.º do Código do IRC, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas, decorrentes da alienação onerosa de bens do ativo fixo tangível ou propriedades de investimento.
A mais-valia ou menos-valia resulta da diferença entre o valor de realização (valor da respetiva contraprestação recebida) e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas no artigo 31.º-B, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente.
No n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC consta que «(...) as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A (...)».
Pelo n.º 2 do artigo 46.º e artigo 47.º, ambos do Código do IRC a fórmula de cálculo das mais-valias ou menos-valias fiscais é a seguinte:
Mvf ou mvf = VR líquido - (Vaq - Pim - Daf - Vgf) x Coef
Sendo:
Mvf - Mais-valia fiscal
mvf - Menos-valia fiscal
VR líquido - Valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes
Vaq - Valor de aquisição
Pim - Perdas de imparidade (aceites fiscalmente)
Daf - Depreciações ou amortizações (acumuladas) aceites fiscalmente
Vgf - Valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A do Código do IRC Coef.
Coeficiente de desvalorização da moeda (Portaria do Ministro das Finanças)
A componente deste cálculo designada de Vgf - Valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A do Código do IRC, só tem relevância no cálculo da mais-valia ou menos-valia, relativamente às operações sobre ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos de produção (nas condições referidas neste preceito) adquiridos em períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2014.
Relativamente ao imóvel, deve ainda ser aferido quais as correções fiscais a efetuar no quadro 07 da declaração modelo 22, nomeadamente pela verificação das diferenças existentes entre o valor patrimonial tributário (VPT) e os valores de aquisição e venda dos imóveis.
O VPT definitivo dos imóveis determinado no momento da aquisição é relevante para a determinação de resultados tributáveis, no entanto o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) não exige qualquer obrigação de se registar esse VPT na contabilidade, devendo essa informação apenas constar no dossier fiscal.
Na determinação do resultado tributável, como regra, há que ter em consideração o VPT definitivo determinado no momento da aquisição do imóvel, quando este for superior ao valor de aquisição nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, bem como do VPT definitivo determinado no momento da alienação do imóvel quando for superior ao valor do contrato de venda, conforme previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC.
Sendo o VPT determinado acima do custo de aquisição ou de venda será fiscalmente relevante para a determinação do resultado tributável no momento da venda do imóvel, nos termos do artigo 64.º do Código do IRC.
Assim, há que determinar a mais ou menos-valia fiscal nos termos do artigo 46.º e seguintes do CIRC.
Apenas as mais ou menos-valias fiscais são relevantes para a determinação do lucro tributável, pelo que há que proceder à correção fiscal, retirando a mais ou menos-valia contabilística e incluindo a mais ou menos-valia fiscal (no quadro 07 da declaração modelo 22). A mais ou menos-valia fiscal é determinada pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, conforme o n.º 2 do artigo 46.º do CIRC.
O valor de realização é dado pelo valor total a receber previsto no contrato de compra e venda do imóvel.
O valor de aquisição deduzido de perdas por imparidade e depreciações acumuladas aceites fiscalmente é determinado pelo custo de aquisição do ativo fixo tangível, incluindo as despesas diretamente relacionados com a aquisição (por exemplo, despesas de conservatória), deduzido das depreciações aceites fiscalmente determinadas nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 e perdas por imparidade aceites fiscalmente nos termos do artigo 31.º-B do CIRC.
O valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, para determinação da mais ou menos-valia fiscal, deve ser atualizado pelo coeficiente de desvalorização monetária, se tiverem decorrido pelo menos dois anos da data de aquisição até à data da alienação, conforme previsto no artigo 47.º do CIRC.