07-10-2021
Um empresário em nome individual, atualmente no regime simplificado, com um volume de faturação de 14 mil euros, a trabalhar em casa, não tem custos acrescidos de renda. Existe a possibilidade de abrir estabelecimento estável, com acréscimo de custo de renda. Será mais vantajoso mudar para o regime de contabilidade organizada? Quais os custos acrescidos em IRS/Segurança Social?
Parecer técnico
A questão colocada está relacionada com a possível passagem de um regime simplificado de IRS para a determinação dos rendimentos com base na contabilidade, nomeadamente no que respeita à tributação dos rendimentos, gastos fiscais (renda) e enquadramento em sede de Segurança Social.
Nos termos previstos no n.º 3 do artigo 28.º do CIRS, os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade, independentemente de o montante anual ilíquido de rendimentos nesta categoria ser inferior a 200 mil euros, devendo tal opção ser efetuada até ao fim do mês de março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.
Numa situação de passagem de um regime simplificado de escrituração para uma contabilidade devidamente organizada segundo as regras contabilísticas do SNC, importa como primeiro passo, elaborar um balanço inicial de abertura.
O balanço inicial a 1 de janeiro de 2020 deverá ser elaborado de acordo com o modelo do SNC, reconhecendo-se os elementos de acordo com as regras previstas nas diferentes normas contabilísticas e Relato Financeiro (NCRF).
Será necessário reconhecer as importâncias relativas ao ativo, passivo e capital próprio que estão afetos à atividade do empresário em nome individual, nomeadamente os meios financeiros líquidos, como os saldos de caixa e as contas de depósitos à ordem afetas a essa atividade (NCRF 27), os inventários (NCRF 18), as contas a receber e a pagar como dívidas de clientes, dívidas a fornecedores, do Estado e outros entes públicos, empréstimos bancários (NCRF 27), os ativos fixos tangíveis (NCRF 7).
Como contrapartida por esse reconhecimento dos ativos e passivos identificáveis da atividade, haverá que reconhecer o capital próprio, como capital inicial (conta 511), da atividade do empresário em nome individual.
Referimos assim que, apenas se poderá reconhecer nesse balanço inicial, os itens que satisfaçam os critérios de reconhecimento, da estrutura conceptual (EC) ou do normativo contabilístico aplicável (conjunto das 28 NCRF; NCRF-PE; NCM).
Outro aspeto importante a considerar será a mensuração desses elementos a reconhecer no balanço inicial. Pois, cada NCRF que for aplicável contém os critérios de mensuração que devem ser seguidos.
No caso dos meios financeiros líquidos, como depósitos à ordem ou caixa em euros, a mensuração inicial a utilizar deverá ser o custo, nos termos do parágrafo 12 da NCRF 27.
O custo desses ativos financeiros será a quantia em dinheiro desses ativos no momento presente (custo histórico), que é o justo valor a esta data. Não se deverá ajustar esse custo histórico pela utilização de qualquer outro critério de mensuração.
No caso das contas a receber e pagar (clientes, fornecedores, etc.), a mensuração inicial também deverá ser efetuada ao custo, exceto se o ativo ou passivo financeiro tiver uma maturidade (vencimento) num prazo que se preveja longo e essa diferença seja materialmente relevante, caso em que se deverá mensurar pelo custo amortizado (valor presente). No caso de ter optado pela NCFR-PE ou pela NCM nestas contas a receber e a pagar, apenas poderá usar a mensuração pelo custo.
Os ativos fixos tangíveis deverão ser mensurados inicialmente pelo seu custo (de aquisição ou de produção), estando sujeitos a depreciações em função da estimativa da vida útil.
A partir desses elementos poderá efetuar a estimativa de vida útil desses bens de investimento para determinação das depreciações acumuladas, consideradas desde a data de aquisição até ao período presente.
Em alternativa, quando o justo valor (valor de mercado) desses itens for materialmente diferente da quantia escriturada (custo menos depreciações e perdas por imparidade acumuladas), poderá adotar o modelo da revalorização, atualizando a quantia escriturada (quantia bruta e depreciações acumuladas) para o justo valor (valor de mercado) à data da revalorização. Se tiver optado pela NCM então não pode adotar o modelo de revalorização, devendo os ativos fixos tangíveis serem sempre mensurados ao custo.
Relativamente à forma de obter o custo (mensurar) destes itens a reconhecer no balanço inicial, distinguimos o seguinte:
Os meios líquidos financeiros (caixa e depósitos à ordem) poderão ser reconhecidos e mensurados inicialmente através da consulta do extrato da conta bancária afeta à atividade, e por contagem física do dinheiro (notas e moedas) que se encontra nesse momento na caixa da atividade.
As contas a receber e a pagar (clientes, fornecedores, Estado e empréstimos bancários) deverão ser reconhecidos e mensurados inicialmente através de recurso a circularizações de saldos efetuada a essas entidades ou solicitação e consulta de valores pendentes em documentos fornecidos.
Através dos extratos enviados pelos fornecedores e confirmados pelo empresário, poderá reconhecer o valor da dívida a pagar aos fornecedores.
Através da última declaração periódica de IVA enviada pelo empresário, poderá confirmar a existência de saldo devedor ou credor (IVA a pagar ou a recuperar) desse imposto.
Através da última guia de pagamento de retenções, poderá verificar se existe algum saldo a pagar de retenções.
Através da última declaração de remunerações para a Segurança Social, poderá verificar o saldo a pagar dessas contribuições.
Solicitando declarações da posição financeira nos vários bancos com os quais o empresário se relaciona na sua atividade, conseguirá obter informações sobre eventuais empréstimos, leasings, contas correntes caucionadas, etc.
Os ativos fixos tangíveis também poderão ser inicialmente mensurados pela informação disponibilizada pelo «Livro de registo de despesas e de operações ligadas a bens de investimento» (obrigatório para todos os sujeitos passivos da categoria B de IRS, nos termos do artigo 116.º do Código do IRS, remetendo para os livros do artigo 50.º do CIVA).
Essa informação permitirá saber o custo de aquisição (quantia bruta) de cada ativo fixo tangível afeto à atividade do empresário.
O problema na mensuração dos ativos fixos tangíveis estará na determinação das depreciações acumuladas, pois no regime simplificado da categoria B de IRS não existirá o registo (contabilístico ou fiscal) de depreciações desses itens.
Para solucionar esse problema, sugere-se a determinação da vida útil para cada item do ativo fixo tangível afeto à atividade do empresário, para que de acordo com essa estimativa, seja possível calcular as depreciações acumuladas, desde o início da aquisição (informação do livro de registo) até à data imediatamente anterior ao balanço inicial.
Poderá dessa forma, determinar as respetivas quantias escrituradas desses bens à data do balanço inicial.
No entanto, se nessa data inicial, for possível determinar alguma diferença materialmente relevante entre a quantia escriturada (custo menos depreciações acumuladas) e o valor de mercado (justo valor) desses bens, poderá considerar uma perda por imparidade (se a diferença for negativa), mensurando inicialmente esse item pela sua quantia bruta (custo) menos as depreciações acumuladas e essa perda por imparidade.
Se a diferença material for positiva, poderá revalorizar esse bem para o justo valor à data do balanço inicial, desde que esteja a usar o modelo geral ou a NCRF-PE.
Como já referido, a contrapartida de todos os reconhecimentos e mensurações dos itens a considerar no balanço inicial, será a conta de 511 – Capital inicial, para obter o balanço completo.
Se efetuar estes procedimentos para reconhecer e mensurar todos itens a incluir no balanço Inicial, conseguirá obter demonstrações financeiras, preparadas no âmbito do SNC, credíveis, que apresentam a imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e desempenho da entidade (atividade do empresário).
As contas a utilizar para reconhecer os vários elementos referidos nas demonstrações financeiras serão as previstas no Código de Contas do SNC, atendendo à respetiva natureza.
A finalizar salientamos que este parecer foi elaborado pressupondo que o sujeito passivo optou pelo modelo geral de SNC (conjunto das 28 NCRF). Se tiver optado pela NCRF-PE ou pela NC-ME deve ter em atenção o que tais normas preceituam quanto à mensuração dos vários elementos do ativo e do passivo, sendo que se mantém o que atrás foi dito quanto aos procedimentos que devem ser seguidos com vista a apurar os elementos que devem ser reconhecidos no balanço de abertura.
Para além disso, cumprindo tais procedimentos, estes reconhecimentos e mensurações poderão ser relevantes para efeitos fiscais, nomeadamente para determinação do lucro tributável da atividade da categoria B, ficando, naturalmente sujeito regras previstas no CIRC (a remissão para o Código do IRC é feita pelo artigo 32.º do CIRS).
De igual modo, lembramos que a dedutibilidade fiscal dos gastos suportados por um sujeito passivo da categoria B, integrado no regime de tributação com base na contabilidade obedece à regra geral prevista no artigo 23.º do Código do IRC com as limitações do artigo 23.º-A do CIRC e ainda do artigo 33.º do CIRS.
O rendimento coletável em IRS, de acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CIRS, é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos.
Deste modo, o rendimento tributável da categoria B é por isso somado aos rendimentos de outras categorias (caso existam) obtidos pelo sujeito passivo e pelo seu agregado familiar. Sendo que, ao rendimento coletável apurado serão aplicadas as taxas de acordo com a tabela prevista no artigo 68.º do CIRS, que variam em função de escalões de rendimento.
No que respeita à IES/DA (declaração anual), salientamos que os sujeitos passivos de IRS que possuam, ou sejam obrigados a possuir, contabilidade organizada deverão enviar pelo menos o anexo I da IES. Não obstante, se o sujeito passivo de IRS adotar a norma contabilística para microentidades, está dispensado de todos os anexos de IVA da IES (anexos L, M, N, O e P).
Em termos de Segurança Social, o rendimento relevante dos trabalhadores independentes passa a ser determinado consoante a forma de determinação dos rendimentos, em sede de IRS, se faça: com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, ou com base na contabilidade (cf. prevê do artigo 28º CIRS).
Neste sentido, realçamos que os serviços da Segurança Social vão obter informação sobre o enquadramento do trabalhador independente, tendo por base a informação da Autoridade Tributária (nomeadamente através da declaração de rendimentos – Modelo 3).
Note que, os empresários em nome individual ou trabalhadores independentes que sejam tributados em sede de IRS pelo regime simplificado (independentemente de terem a contabilidade organizada) não têm enquadramento diferente em sede de Segurança Social.
O rendimento relevante dos trabalhadores independentes (tributados pelo regime simplificado) corresponde a 70 por cento do valor total de prestação de serviços (ou 20 por cento dos rendimentos obtidos no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas), e/ou 20 por cento dos rendimentos associados à produção e venda de bens, obtidos nos três meses imediatamente anteriores ao mês da declaração trimestral.
Esta declaração trimestral será entregue até ao último dia dos meses de janeiro, abril, julho e outubro.
A base de incidência contributiva mensal corresponde a 1/3 do rendimento relevante apurado em cada período declarativo. Se não existirem rendimentos no trimestre, ou se o valor das contribuições apuradas for inferior a 20 euros. A contribuição mínima será de 20 euros.
Por sua vez, se em 2021, este TI passou para a forma de determinação dos seus rendimentos com base na contabilidade (em conformidade com o n.º 3 e 4 do artigo 28.º do CIRS). Ou seja, se o referido TI alterou até março de 2021 o seu enquadramento em termos de IRS, passando a ser tributado pelos rendimentos com base na contabilidade/lucro tributável. Em sede de Segurança Social, tal alteração só produzirá efeitos em 2023. Este ENI será notificado pelos serviços da Segurança Social em outubro de 2022, sendo fixada a base de incidência contributiva para o ano seguinte.
O que significa que em 2023, a base de incidência contributiva a aplicar é apurada considerando o lucro tributável declarado para efeitos fiscais no ano de 2022, ou seja, o lucro tributável referente ao exercício de 2021.
De acordo com o n.º 3 do artigo 163.º do Código Contributivo, para os trabalhadores independentes abrangidos pelo regime de contabilidade organizada, o rendimento relevante corresponde ao duodécimo do lucro tributável apurado no ano civil anterior, declarado no anexo SS, da declaração modelo 3.
A base de incidência mensal será fixada em outubro para produzir efeitos no ano civil seguinte, ou seja, em janeiro de cada ano, e terá o limite mínimo de 1,5 vezes o valor do IAS.
De referir ainda que, o trabalhador independente abrangido pelo regime de contabilidade organizada pode requerer, no prazo que for fixado na respetiva notificação, que lhe seja aplicado o regime de apuramento trimestral do rendimento relevante, ficando sujeito à obrigação declarativa trimestral a partir de janeiro.
Face ao exposto, e respondendo à questão que nos coloca, realçamos que um trabalhador independente que esteja em sede de IRS no regime simplificado terá uma base incidência contributiva mensal corresponde a 1/3 do rendimento relevante apurado em cada período declarativo apurado este considerando os valores indicados na declaração trimestral para a Segurança Social. Não tem opção por enquadramento diferente em Segurança Social, até que seja notificado pelos serviços da Segurança Social nos termos acima referidos.