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Empréstimo de empresa a sócio e imposto do selo
16 Dezembro 2022
Empréstimo de empresa a sócio e imposto do selo
PT 27252 - novembro de 2022

É possível uma determinada empresa emprestar ao sócio a quantia de um milhão de euros pelo prazo superior a um ano e, por sua vez, este fazer a aplicação desse valor numa entidade bancária, visto que esta aplicação não é possível para empresas? Quais os procedimentos para efeitos de registos contabilísticos e implicações fiscais nesta operação?

Parecer técnico

O pedido de parecer está relacionado com a possibilidade de uma empresa emprestar um determinado montante de dinheiro ao sócio.
Começamos por distinguir que uma sociedade é um ente jurídico distinto dos sócios que a constituíram, tendo património afeto ao exercício da sua atividade, que não pode ser confundido com o património pessoal que pertence aos sócios.
As operações realizadas pela sociedade, ainda que muitas vezes postas em prática pelos próprios acionistas/sócios, devem ser devidamente identificadas pela sociedade.
A conta 26 - Acionistas/sócios deve registar as operações relativas às relações com os titulares de capital, não se incluindo nesta conta as transações correntes, de investimentos ou aplicações financeiras. Nesta conta são registados os empréstimos concebidos pela sociedade aos sócios, os lucros atribuídos ou adiantados e outras operações semelhantes relativas aos acionistas/sócios da empresa.
Desta forma, as retiradas de dinheiro por parte dos acionistas/sócios podem vir a ser qualificadas como adiantamentos por conta de lucros ou até mesmo como despesas não documentadas, quando não exista comprovação que tais retiradas de dinheiro tenham como objetivo o pagamento de operações relacionadas com a atividade da empresa.
No entanto, o n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS estabelece uma presunção referente aos lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos acionistas/sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Note-se que, a concessão de crédito enquanto atividade, em Portugal, é reservada às instituições de crédito e sociedades financeiras.
Todavia, podem celebrar-se contratos de mútuo por razões determinadas e feitos de forma ocasional, devendo haver razões justificadas e tal operação ocorra por um período de tempo definido, podendo existir uma remuneração fixada.
Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra, dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artigo 1142.º do Código Civil).
O Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, veio dar uma nova redação ao artigo 1 143.º do Código Civil, e o contrato de mútuo de valor superior a 25 mil euros só passa a ser válido se for celebrado por escritura pública, salvo disposição legal em contrário, e o de valor superior a 2 500 euros se o for por documento assinado pelo mutuário.
Caso venham a ser estabelecidos juros dos referidos empréstimos, deve-se ter em atenção o conceito de usura definido pelo artigo 1 146.º do Código Civil:
«1. É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.
2. É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição de empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou a 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real.
3. Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes.
4. O respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta a aplicabilidade dos artigos 282.º a 284.º.»
Caso seja celebrado um contrato de mútuo (entre a sociedade e os acionistas), estas operações poderão ser relevadas contabilisticamente do seguinte modo:
Pela concessão do empréstimo:
- Débito da conta 26 - Acionistas/sócios (ou 2681x- Outras operações - Empréstimos - contrato mútuo, por contrapartida da conta 12 - Depósitos à ordem
Relativamente aos documentos de suporte (obrigação referida na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC), que devem apoiar os lançamentos contabilísticos, podem ser os próprios contratos mútuos ou neste caso a escritura pública, pois o valor do empréstimo ultrapassa os 2 500 euros. Assim, como as fotocópias dos cheques, ou documentos bancários referentes às transferências para as contas dos acionistas /sócios.
De referira ainda que, os termos e condições do contrato de mútuo, nomeadamente definição de prazos de reembolso, e determinação de taxa de juro caso seja estipulado entre as partes deverá ser contratualizado de forma idêntica aos que normalmente seriam contratados por entidades independentes, em operações idênticas. Neste sentido, deve ser aferida a existência de relações especiais nos termos do artigo 63.º do CIRC.
O n.º 1 do artigo 63.º do CIRC transmite-nos que:
«Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.»
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC considera-se que existem relações especiais entre duas entidades «nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto;
(...).»
Neste sentido em termos fiscais deverão ser cumpridos os preços da plena concorrência, e sem prejuízo de a sociedade não ter de fazer nenhuma correção fiscal na sua declaração modelo 22 (sendo os sócios também residentes em território nacional não há obrigação de na esfera da sociedade, se proceder a correção na modelo 22), a Autoridade Tributária, poderá proceder a uma correção correlativa nos termos do n.º 9 do artigo 63.º do CIRC.
No caso concreto, haverá ainda que considerar o facto da sociedade, ter contraído, ela própria, um empréstimo para poder conceder tais mútuos aos sócios. Assim, e não sendo cobrado juros aos sócios, os juros bancários suportados pela sociedade não serão fiscalmente aceites porque não se trata de gastos incorridos ou suportados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC (n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).
Nos contratos de mútuo pode ser convencionado entre as partes o pagamento de juro, como retribuição desse empréstimo. Todavia, a taxa de juro desses empréstimos é considerada uma taxa supletiva, ou seja, não pode exceder os juros legais acrescidos de 3 ou 5 por cento, conforme exista, ou não, garantia real, sob pena de ser considerado usura. Os juros legais estão estabelecidos atualmente em 4 por cento, pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril de 2003, ao abrigo do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil.
Se for definida uma taxa de juro considerada usurária, conforme explicado em cima, apenas é devido o juro até ao limite da taxa legal acrescida das percentagens mencionadas, independentemente do acordado entre as partes.
Este tipo de contratos presume-se oneroso no caso de dúvida, nos termos do n.º 1 do artigo 1 145.º do CC. Deste modo, tratando-se de empréstimo de valor superior a 25 mil euros, o contrato é celebrado através de escritura pública ou por documento particular autenticado, conforme refere o artigo 1 143.º do referido Código.
Do ponto de vista fiscal, esta operação pode ficar sujeita quer a imposto do selo, quer a imposto sobre o rendimento.
O Código do Imposto do Selo determina (verba 17 da Tabela Geral do imposto de selo) que, quer a utilização do crédito, quer o pagamento de juros, são operações sujeitas. Importa ter presente fatores como, tipo de sujeito passivo, valor e prazo para efeitos de liquidação do imposto.
Neste caso, tratando-se de um empréstimo da sociedade (não financeira) aos sócios, apenas a operação de concessão do crédito fica sujeita a imposto selo, sendo que a taxa a aplicar varia consoante o prazo definido para reembolso do empréstimo, pela verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
O sujeito passivo de imposto do selo, ou seja, a entidade que liquida o imposto do selo ao Estado, é a sociedade, concedente do crédito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do imposto do selo.
No entanto, este valor do imposto do selo deve ser imputado ao utilizador do crédito, no caso o sócio (cf. a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, sob pena do encargo não ser fiscalmente aceite, conforme estabelecido na alínea f) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.
Pela imputação do imposto do selo ao sócio, a sociedade emite uma fatura, com o respetivo registo contabilístico inverso ao referido acima.
Existindo o pagamento de juros, os mesmos não estão sujeitos a imposto do selo, atendendo a que não são debitados por instituição financeira. Como o devedor dos juros é uma pessoa singular, no âmbito da sua esfera particular, também não existe qualquer retenção na fonte de IRC.
Apenas quando a operação não se configure como um contrato de mútuo, o empréstimo efetuado pela sociedade aos acionistas/sócios, poderá configurar também como um adiantamento por conta de lucros.
De referir que, os lucros distribuídos e os adiantamentos por conta de sócios constituem rendimentos de capitais nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, estando sujeito a uma taxa liberatória de 28 por cento, em conformidade com o artigo 71.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, com opção de englobamento por força do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do CIRS.
Acresce que, para os acionistas anteciparem o recebimento dos lucros, deve ser analisado, com as devidas adaptações no caso de sociedades por quotas, o estabelecido no artigo 297.º do CSC
Estipula este artigo que o contrato da sociedade pode autorizar que, no decurso de um exercício, sejam feitos aos acionistas adiantamentos sobre lucros, desde que observadas as seguintes regras:
• O conselho de administração ou a direção, com o consentimento do conselho fiscal ou do conselho geral, resolva o adiantamento;
• A resolução do conselho de administração ou da direção seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência, nessa ocasião, de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que deverão observar, no que for aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efetuado;
• Seja efetuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste;
• As importâncias a atribuir como adiantamentos não excedam metade das que seriam distribuíveis, referidas na alínea b).
No caso concreto da questão, se forem acordados juros, estes, na esfera da entidade que os aufere (sociedade), devem ser sempre considerados como rendimentos e ganhos, de acordo com o artigo 20.º do Código do IRC (CIRC).