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Empréstimo de sócio
5 Novembro 2020
PT25630 – Empréstimo de sócio
30-10-2020

Uma empresa, sociedade unipessoal por quotas (CAE - cultura de frutos de casca rija, compra e venda) "emprestou" uma quantia em dinheiro (50 mil euros) ao seu sócio único. O mesmo pretende pagar a dívida à empresa com mercadoria da sua própria produção, ou seja, como o sócio é produtor de amêndoa, encontrando-se coletado como empresário em nome individual, pois produz e vende frutos de casca rija da sua própria produção, pretende liquidar a dívida à empresa entregando-lhe amêndoa pelo valor da dívida. Para justificar o "empréstimo" da empresa ao seu sócio único, realizou-se um contrato de comodato. A dúvida surge no documento a emitir pelo empresário em nome individual para justificar a saída da mercadoria da sua produção no valor de 50 mil euros de amêndoa e que servirá para dar entrada da mercadoria na empresa, para abater a dívida. Será necessário o empresário emitir uma fatura ou basta uma declaração pessoal? No caso de ser necessário emitir uma fatura, o empresário estará a liquidar IVA e a ser tributado em sede de IRS pela entrega da mercadoria à empresa para liquidar uma dívida. Qual as obrigações fiscais em sede de IRS e em sede de IRC nesta situação?

Parecer técnico

A questão colocada refere-se ao enquadramento fiscal e contabilístico relativamente a um contrato de mútuo, entre uma sociedade e um sócio para titular um empréstimo ao sócio. É questionado sobre a possibilidade da liquidação desse empréstimo através da dação em cumprimentos (bens).
Quanto às formalidades do contrato no que refere às condições e garantias das partes. Referimos, desde já, que os aspetos legais e comerciais relacionados com a operação em análise se encontram fora do âmbito de atuação deste departamento e das funções do contabilista certificado. Para esclarecimento desses aspetos sugerimos consulta junto de um advogado, entidade habilitada para este efeito.
De acordo com a noção constante do artigo 1 129.º do Código Civil, comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.
Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artigo 1 142.º do Código Civil).
Pelo exposto na questão colocada observemos o seguinte:
- A concessão de crédito enquanto atividade é reservada às instituições de crédito e às sociedades financeiras, ou seja, a concessão de crédito não faz parte do objeto social da sociedade.
- A concessão de empréstimos a sócios (pessoas singulares), pela razão de extravasar o objeto social da sociedade, pode espoletar responsabilidade, por parte dos sócios nos termos dos artigos 71.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
- De acordo com o n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.» Por conseguinte, nesta situação:
Os adiantamentos por conta de lucros são considerados como rendimentos de capitais (categoria E de IRS) nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, na esfera dos sócios e, portanto, são rendimentos sujeitos a uma taxa liberatória de 28 por cento nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, podendo os titulares destes rendimentos optarem pelo englobamento com os restantes rendimentos para efeito de tributação em sede de IRS, isto desde que obtidos fora do âmbito do exercício de atividades empresariais e profissionais (vide n.º 8 do artigo 71.º do CIRS).
- Nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do CSC «não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.» (vide também o artigo 33.º do CSC).
Sem prejuízo do disposto anteriormente admite-se que a sociedade em situações pontuais possa emprestar ao sócio um determinado montante através de um contrato de mútuo (entre a sociedade e o sócio), isto claro desde que o empréstimo não se configure como adiantamento por conta de lucros nos termos anteriormente referidos (e a sociedade tenha condições), e neste sentido passamos a expor o devido enquadramento fiscal e contabilístico.

Enquadramento - Empréstimo de mútuo da sociedade para os sócios

Conforme referido, o artigo 1 142.º do Código Civil é o artigo que designa o conceito de contrato de mútuo. Por sua vez o artigo seguinte do mesmo Código Civil, artigo 1 143.º, diz-nos que os contratos mútuos de valor superior a 25 mil euros euros só são válidos se forem celebrados por escritura pública ou por documento particular autenticado e, no caso de serem superiores a 2 500 euros, se o documento for assinado pelo mutuário (no caso em análise, o sócio).
Nos contratos de mútuo poderá ser convencionado entre as partes o pagamento de juro.
Do ponto de vista fiscal esta operação poderá ficar sujeita a imposto do selo pelo enquadramento na alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto do Selo e, portanto, sujeita a aplicação de uma taxa constante na verba 17.1 (dependendo do prazo do empréstimo). Como o imposto do selo é pago pelo utilizador do empréstimo, cabe aos sócios o pagamento do mesmo (vide alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo).
Neste caso, tratando-se de um empréstimo da sociedade (não financeira) ao sócio, apenas a operação de concessão do crédito ficará sujeita a imposto do selo, sendo que a taxa a aplicar irá variar consoante o prazo definido para reembolso do empréstimo, pela verba 17.1 da tabela geral do imposto do selo. 
Entre os sócios e a entidade existem relações especiais nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, os termos e condições do contrato de mútuo, nomeadamente definição de prazos de reembolso, e determinação de taxa de juro (caso seja estipulado entre as partes) deverá ser contratualizado de forma idêntica aos que normalmente seriam contratados por entidades independentes, em operações idênticas. Neste sentido se algum dos sócios detiver uma participação superior a 20 por cento (redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro - Reforma de IRC) sobre a entidade, significa que poderão existir relações especiais (vide em particular os números 1 e 4 do artigo 63.º do CIRC).
O n.º 1 do artigo 63.º do CIRC transmite-nos que: «Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.»
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, considera-se que existem relações especiais entre duas entidades «nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto;
(...).»
Neste sentido, em termos fiscais, deverão ser cumpridos os preços da plena concorrência, e sem prejuízo de a sociedade não ter de fazer nenhuma correção fiscal na sua declaração modelo 22 (sendo os sócios também residentes em território nacional não há obrigação de na esfera da sociedade, se proceder a correção na modelo 22), a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), poderá proceder a uma correção correlativa nos termos do n.º 9 do artigo 63.º do CIRC.
Haverá ainda que apurar se a sociedade terá, ela própria, contraído um empréstimo para poder conceder tais mútuos aos sócios. Assim, e não sendo cobrado juros aos sócios, os juros bancários suportados pela sociedade não serão fiscalmente aceites porque, não se tratam de gastos incorridos ou suportados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC (n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).
Nesta situação em concreto, contrato de mútuo (entre a sociedade e o sócio) a sociedade deverá ter a cópia do contrato celebrado, como prova de suporte aos lançamentos contabilísticos. E neste sentido estas operações poderão ser relevadas contabilisticamente do seguinte modo:
Débito: 26 Acionistas/sócios 268 Outras operações 268.1 Empréstimos - contrato mútuo
Crédito: 11 Caixa / 12 Depósitos à ordem
(aquando da concessão do empréstimo)
Posteriormente, à medida que o empréstimo for sendo reembolsado, o lançamento contabilístico seria o inverso:
Débito: 11 Caixa / 12 Depósitos à ordem
Crédito: 26 Acionistas/sócios 268 Outras operações 268.1 Empréstimos - contrato mútuo
Relativamente aos documentos de suporte (obrigação referida na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC), que devem apoiar os lançamentos contabilísticos, podem ser os próprios contratos mútuos, assim como as fotocópias dos cheques, ou documentos bancários referentes às transferências para as contas dos sócios.
Em sede de IRS, importa mencionar que nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, constituem componentes acessórias da remuneração, logo tributadas na esfera da categoria A - trabalho dependente, as importâncias despendidas, obrigatórias ou facultativamente, pela entidade patronal ou por outra entidade que com ela mantenha uma relação de domínio ou de grupo, qualquer que seja a sua localização geográfica, atribuídos ao trabalhador ou a qualquer membro do seu agregado familiar ou a ele ligado por parentesco ou afinidade.
No caso de situações em que remuneração integra a possibilidade de acesso a empréstimos com taxas nulas ou inferiores às de mercado para este tipo de operações, estamos perante uma vantagem acessória, prevista no n.º 5 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
São disso exemplo os rendimentos imputáveis a empréstimos sem juros ou a taxa de juro inferior à de referência para o tipo de operações em causa, concedidos ou suportados pela entidade patronal, com exceção dos que se destinem à aquisição de habitação própria e permanente, de valor não superior a 180 426,40 euros e cuja taxa não seja inferior a 70 por cento da taxa mínima de proposta aplicável às operações principais de refinanciamento pelo Banco Central Europeu, ou de outra taxa legalmente fixada como equivalente.
Resumindo, sempre que haja recurso a esses empréstimos, deparamo-nos com uma situação passível de tributação na esfera da categoria A, a qual se consubstancia na diferença entre a taxa de mercado e a suportada, conforme determina o n.º 3 do artigo 24.º do CIRS, o qual refere que o rendimento «(...) é calculado subtraindo o resultado da aplicação ao respetivo capital da taxa de juro que eventualmente seja suportada pelo beneficiário, ao resultado do valor obtido por aplicação a esse capital da:
1) Taxa de juro de referência para o tipo de operação em causa, publicada anualmente por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças; ou
2) Na falta de publicação da portaria referida no número anterior da presente alínea, 70 por cento da taxa mínima de proposta aplicável às operações principais de refinanciamento pelo Banco Central Europeu, ou de outra taxa legalmente fixada como equivalente, do primeiro dia útil do ano a que respeitam os rendimentos.»
No caso exposto, se o empréstimo concedido a um sócio gerente pela entidade patronal, for atribuído com taxa de juro nula ou inferior ao atrás referido ou caso seja previsível a não existência de reembolso, estaremos perante duas situações, as quais serão ambas tributadas na esfera da categoria A:
Concessão do empréstimo - Teria necessariamente que existir tributação na esfera da Categoria A, uma vez que o empréstimo foi concedido a uma taxa de juro nula ou inferior à taxa de juro de referência para o tipo de operação em causa, situação prevista no n.º 5 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS e tributada segundo as regras do n.º 3 do artigo 24.º do CIRS, supra indicado;
Valor em dívida - Todo o montante em dívida (e que não se preveja o reembolso) será considerado rendimento da categoria A, por força do artigo 2.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRS, o qual considera rendimentos do trabalho dependente, todos os direitos, benefícios ou regalias, não incluídos na remuneração principal, auferidos pela prestação ou em razão da prestação de trabalho dependente.
A declaração deste tipo de rendimentos é feita anualmente na declaração de rendimentos modelo 3 a entregar pelo trabalhador com os restantes rendimentos da categoria A, devendo a entidade, nos termos do artigo 119.º, fazer constar tais rendimentos, quer da declaração a entregar ao titular dos rendimentos, quer na declaração a entregar à AT mensalmente, a DMR.
Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, consideram-se gastos para efeitos fiscais, os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Ora, não se nos afigura que um empréstimo (quando não reembolsável) concedido a um sócio gerente, reúna os pressupostos para ser considerado um gasto (custo) incorrido ou suportado pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Reforçando o supra exposto, afigura-se-nos que a concessão do empréstimo quando constitua uma liberalidade praticada pela empresa não relacionada com a atividade do contribuinte sujeita a IRC, a mesma não poderá ser considerada para a formação do resultado líquido, por força da alínea a) do artigo 24.º do CIRC.
No entanto, sendo o empréstimo não reembolsável considerado remuneração (rendimento da categoria A) é aceite fiscalmente nos termos do artigo 23.º, n.º 2, alínea d) do CIRC.
No caso em concreto, o sócio pretende reembolsar o empréstimo à sociedade, efetuando para tal a entrega de bens (existência).
A dação em cumprimento não é mais do que um pagamento em espécie, que se traduz na liquidação da dívida ao credor através de bens em substituição de dinheiro, podendo ser efetuada desde que o credor dê o seu consentimento.
Em termos legais, o artigo 837.º do Código Civil prevê a dação em cumprimento como prestação de coisa diversa da que for devida que pode ser, de valor superior, exonerando o devedor desde que o credor dê o seu assentimento.
Em termos financeiros, a dação em cumprimento corresponde a um encontro de contas entre dívida ao credor e o valor dos bens entregues, isto é, a entidade anula (desreconhece) a dívida ao credor e o credor aceita em troca um bem de valor igual ou superior.
Em termos contabilísticos e fiscais, a operação de entrega dos bens para liquidar a dívida deve ter um tratamento normal, tal como se fosse uma venda, neste caso, de itens do inventário.
Os registos contabilísticos podem ser:
Pela entrega dos bens:
- Débito da conta 211 - Clientes c/c, pelo valor de realização acordado entre as partes;
Por contrapartida a
- Crédito da conta 71 - Vendas, pelo valor de venda;
- Crédito 2433 – IVA liquidado
Pela saída de inventários:
- Débito da conta 61- Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas, pelo valor de custo do terreno;
Por contrapartida a
- Crédito da conta 32 - Mercadorias, pelo valor de custo
Pelo acordo celebrado entre a empresa e o sócio, pelo encontro de contas, em resultado da dação em cumprimento:
- Débito da conta 278 - Outros devedores e credores, pelo valor acordado entre as partes,
Por contrapartida a
- Crédito da conta 211 - Clientes c/c, pelo valor acordado;
Em termos de IVA, a entrega de existências em dação em cumprimento para a liquidação de uma dívida a pagar é considerada como uma transmissão de bens.
A entidade que entrega esses bens é obrigada à emissão de uma fatura nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, ainda que o adquirente dos bens não pretende rececionar a fatura.
Essa transmissão de bens deve implicar a liquidação de IVA nos termos gerais do CIVA, sendo que existindo relações especiais, importa acautelar o disposto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IVA, no que respeita à fixação do valor tributável.