13-10-2021
Uma empresa de prestação de serviços domiciliários tem duas funcionárias e várias prestadoras de serviços. Em quase todas as situações o transporte para o domicílio dos clientes é feito nas viaturas das funcionárias/prestadoras de serviços. Para as funcionárias é feito um mapa de quilómetros que justifica o pagamento dos mesmos. Como fazer relativamente às prestadoras de serviços? Podem pedir fatura de combustível no nome da empresa, sendo que a empresa não possui qualquer viatura? Podem utilizar transportes públicos e considerar essa despesa?
As ofertas (prendas) em datas como Natal, aniversário de clientes, funcionárias e prestadoras de serviços podem ser aceites como despesa? Deduz-se o IVA?
Parecer técnico
As questões colocadas referem-se ao enquadramento contabilístico e fiscal decorrente do pagamento de despesas de transporte a prestadores de serviços de determinada empresa, assim como de ofertas (prendas) a colaboradores, clientes e fornecedores.
As despesas de transporte que os prestadores de serviços suportam no âmbito dos serviços que prestam à empresa e que pretendem imputar a esta, devem ser suportadas pela emissão de fatura por parte dos respetivos prestadores, como se de uma prestação de serviços se tratasse, sendo sujeita a IVA nos termos gerais do respetivo Código.
O Código do IRC (CIRC) estabelece como regra geral, no n.º 1 do artigo 23.º, que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nomeadamente os referidos nesse mesmo artigo, devidamente documentados, sem prejuízo das limitações existentes no CIRC e em legislação complementar.
Conforme se verifica, o CIRC estabelece que é necessário existir conexão entre os gastos suportados pelas empresas e os rendimentos obtidos. Não existindo esta conexão ou não sendo possível demonstrá-la, os mesmos não serão aceites fiscalmente e deverão ser acrescidos no quadro 07 da declaração modelo 22.
Tendo presente este princípio essencial, a empresa deverá analisar a dedutibilidade fiscal de cada situação em concreto relacionada com as referidas ofertas.
De acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, consideram-se abrangidos pelo n.º 1, nomeadamente, os gastos e perdas relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos.
No âmbito das atividades desenvolvidas pelas empresas, admitimos que possa ser aceitável, em termos comerciais, que com razoabilidade sejam efetuadas ofertas a clientes ou fornecedores, e que tais encargos se possam enquadrar no âmbito da alínea b) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, desde que devidamente documentados. Sugere-se que estejam identificadas as entidades a quem sejam efetuadas as ofertas, de modo que facilmente se comprove que existe conexão entre estes gastos e a obtenção de rendimentos empresariais, conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
Em termos contabilísticos, a aquisição de bens que não estão relacionados com a atividade desenvolvida pela empresa, para oferecer a terceiros, podem ser registados a débito da conta 6234 – «Fornecimentos e serviços externos – Artigos para oferta», quando tenham de facto essa natureza.
Porém, sublinha-se que se a atribuição de ofertas ou prendas (por exemplo através de vouchers) se enquadrar como contraprestação por bens ou serviços adquiridos, ou seja, se em substância corresponder a uma forma de pagamento de bens ou serviços vendidos ou prestados por terceiros, então, deverá ser suportada pela emissão de fatura por parte dos respetivos beneficiários.
No caso de ofertas a colaboradores, a aceitabilidade fiscal do respetivo encargo depende do seu enquadramento no âmbito da alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, isto é, na medida em que sejam consideradas como gastos com pessoal/órgãos sociais (rendimentos de trabalho dependente - categoria A de IRS - na esfera dos respetivos beneficiários), caso em que serão reconhecidas na conta 63x – Gastos com o pessoal.
Por força do n.º 2 do artigo 2.º do CIRS, são sujeitos a tributação na esfera dos respetivos beneficiários os rendimentos mencionados, quer em dinheiro quer em espécie, determinando-se o valor destes últimos de acordo com as regras estabelecidas no artigo 24.º do CIRS. A alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS enumera alguns exemplos de direitos, benefícios ou regalias, que embora não incluídos na remuneração principal, sendo auferidos pela prestação ou em razão da prestação de trabalho dependente, constituem para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.
A Autoridade Tributária (AT) já se pronunciou sobre os gastos incorridos pelas empresas com almoços convívio entre os trabalhadores, incluindo o jantar de Natal, e com a colocação à disposição dos mesmos de água, café, snacks, sumos e fruta, concluindo que podem ser considerados realizações de utilidade social e, como tal, ser dedutíveis fiscalmente, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRC (informação vinculativa da AT n.º 2 321/2017, de 28 de julho de 2017).
Porém, este entendimento não se pronuncia quanto à atribuição de ofertas (prendas) a colaboradores das empresas.
Poderá, contudo, a entidade em causa, se assim o entender, solicitar informação vinculativa à AT nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, questionando os Serviços do IRC sobre a eventual possibilidade das referidas ofertas (prendas) atribuídas aos colaboradores terem enquadramento no âmbito das realizações de utilidade social.
Relativamente ao enquadramento das ofertas em sede de IVA, deve analisar-se o disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, nos termos da qual se consideram transmissões de bens, as transmissões gratuitas de bens da empresa quando, relativamente aos mesmos, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.
Todavia, não há sujeição a imposto, ainda que tenha havido lugar à dedução total ou parcial do IVA contido nos bens objeto de transmissão gratuita, nos casos em que, em conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, se esteja perante ofertas de valor unitário igual ou inferior a 50 euros e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais (ofertas de pequeno valor).
Caso o valor da oferta ultrapasse o limite estabelecido no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, há obrigatoriedade de liquidação de imposto, salvo se não tiver sido exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.
A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo próprio ou por bens adquiridos a terceiros.
Nas situações em que o valor da transmissão gratuita dos bens ultrapasse o limite estabelecido no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA e se estiverem em causa bens que se encontrem desonerados de IVA, por o imposto que incidiu sobre a respetiva aquisição ter sido deduzido total ou parcialmente, a sua entrega é assimilada a uma transmissão onerosa de bens, sendo sujeita a tributação.
Nesse caso, o respetivo valor tributável, de acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, é o preço de aquisição dos bens ou de bens similares ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.
Deve ser elaborado um documento em conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 36.º do CIVA, devendo o mesmo conter a data, natureza da operação, valor tributável, taxa de imposto aplicável e montante do mesmo. Este documento pode ser uma fatura. Porque se trata de uma liquidação efetiva de imposto, estas operações devem ser relevadas na respetiva declaração periódica.
Relativamente à repercussão do imposto pelas operações realizadas a título gratuito, estabelece o n.º 3 do artigo 37.º do CIVA, que a mesma não é obrigatória. Efetivamente, podem os sujeitos passivos que realizem estas operações suportar, eles próprios, o montante do imposto devido e proceder à sua entrega nos cofres do Estado, sem obrigatoriedade de efetuar o respetivo débito aos adquirentes dos bens.
No entanto, caso se opte por repercutir o imposto, deve obrigatoriamente proceder-se à emissão da respetiva fatura, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA.
A Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, contém instruções administrativas sobre esta matéria.