Ordem nos media
Governo viola lei ao favorecer taxistas no pagamento por conta
12 Janeiro 2004
A isenção decretada à segunda prestação do PEC fere a Constituição e a Lei Geral Tributária
O tratamento especial que o Governo concedeu aos taxistas isentando-os do pagamento da segunda prestação do Pagamento Especial por Conta (PEC) de Novembro de 2003, viola o que está disposto na Lei Geral Tributária (LGT) e fere o princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP). A lei fundamental estabelece que «todos os cidadãos são iguais perante a Lei» e que ninguém pode ser «privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever (¿)». A LGT concretiza este princípio aos impostos e demais tributos dizendo, expressamente, no seu nº 3 artº 7º que «a tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade (...) sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras». Ao criar este regime de isenção, o Governo está exactamente a dar um tratamento de favor a uma classe profissional que em Novembro de 2003 reunia exactamente as mesmas condições que as demais empresas de outros ramos de actividade, e que tiveram de pagar o imposto. Trata-se, assim, da concessão de um privilégio fiscal a uma categoria de profissionais específica sem fundadas razões de justiça social ou de incentivo económico. O DL 4/2004 que isenta retroactivamente os taxistas que venham a transformar-se em empresários em nome individual ou em estabelecimento individual de responsabilidade limitada até Julho de 2004, não adianta qualquer fundamento, de qualquer natureza, para a benesse fiscal que é concedida aos taxistas, nem refere o que é que os distingue em relação às demais sociedades. Outra questão legal questionável é a forma que o Governo escolheu para fazer passar esta matéria. Decidir criar uma prerrogativa de excepção em matéria de obrigações tributárias, a uma classe de contribuintes, configura uma espécie de benefício fiscal, uma matéria que, segundo a CRP, tem de ser objecto de discussão e aprovação pela Assembleia da República, directamente ou através da concessão de uma lei de autorização legislativa. Pode colocar-se a questão de saber se, em vez de um benefício fiscal, a situação não configura antes um perdão fiscal. Mas o facto de a decisão ter efeitos retroactivos (e o entendimento dominante aceitar decisões retroactivas em matéria fiscal desde que estas sejam em benefício do contribuinte) parece afastar esta última hipótese. Duas benesses de uma vez só Com este DL do Governo, as sociedades de táxis acabam por ser beneficiadas em relação às demais empresas, em duas situações: uma primeira, de carácter administrativo (embora fundada em razões tributárias) ao serem aconselhadas pelas Finanças a mudar a sua denominação social para escaparem ao PEC e, subsequentemente, ao serem isentadas de emolumentos para o poderem fazer; a segunda, de carácter fiscal, ao serem excluídas da obrigação de entrega do imposto de forma retroactiva (uma vez que o DL foi publicado em Janeiro de 2004 mas dispõe para Novembro de 2003). Assim sendo, os taxistas que em Novembro não cumpriram com as suas obrigações fiscais ficam isentos da coima que a Lei estabelece - entre metade do valor do PEC que devia ter sido entregue e a sua totalidade, em caso de negligência ou até ao seu triplo, em caso de dolo -, desde que mudem a sua forma societária até Julho. Aqueles que pagaram verão o dinheiro devolvido, não estando esclarecido se sobre este valor ainda incidem juros pelo tempo que o Estado reteve o dinheiro. Governo desdramatiza O Ministério das Finanças garante que não há nada de novo nesta decisão em relação à que já era conhecido, preferindo falar do «honrar de um compromisso» em vez de um favorecimento aos taxistas. No entanto, apenas a questão da isenção dos emolumentos tinha sido claramente admitida. Em Julho de 2003, o porta-voz das Finanças garantiu ao DE que «o não pagamento [do PEC] pressupõe que a alteração da denominação social esteja alterada». Ou seja, o «empurrão» do Governo aos taxistas resumia-se à atribuição de um benefício de carácter administrativo. O enquadramento legal dos táxis seria posteriormente discutido no âmbito de um grupo de trabalho que o Ministério das Finanças não integrou, numa clara demarcação em relação a esta concessão de Durão Barroso. Em Outubro de 2003, depois de concluídos os trabalhos da referida comissão, e perante a falta de reacção das Finanças, a Antral voltou a fazer um ultimato a Ferreira Leite, dando-lhe até ao final do mês para aceitar que, por via administrativa, os taxistas não pagassem PEC. A 12 de Novembro, o Conselho de Ministros aprova as duas reivindicações da Antral. A necessidade de combate à fraude e à evasão fiscal tem tido um lugar de destaque nos discursos do Governo. O tema fez parte do discurso de Natal do primeiro-ministro e em debates sobre o Estado da Nação, na Assembleia da República. Em plena crise das relações entre Ferreira Leite e os taxistas, o Ministério das Finanças aduziu, a favor do PEC, que 90% dos taxistas não pagam impostos e que o PEC era, precisamente, um meio para obrigar as empresas que não cumprem as suas obrigações fiscais e que durante anos a fios apresentam prejuízos, a pagarem impostos. (Ver reacções)