PT24463 – Gratificações
04-03-2020
Determinada empresa teve um lucro considerável e pretende atribuir gratificações aos seus funcionários. Os que vão receber as gratificações são os chefes de secção. O valor que pretendem atribuir é de três mil euros e o vencimento médio destes chefes é de 850 euros. Quais as implicações a nível de IRC, IRS e Segurança Social?
Parecer técnico
A questão colocada diz respeito ao enquadramento fiscal da atribuição de gratificações do balanço atribuídas a trabalhadores dependentes de uma entidade.
Por «gratificações de balanço» entender-se-ão as importâncias atribuídas à gerência e/ou aos trabalhadores, a título de participação nos lucros da empresa, lucros estes que, nos termos da legislação comercial, pertencem aos sócios - ou seja, falamos dos valores apurados no resultado, após estarem fechadas as contas, que são distribuíveis aos sócios, "abdicando" estes de parte desses valores em prol dos trabalhadores, normalmente como prémio ou gratificação pelos resultados alcançados.
Em termos contabilísticos, as gratificações de balanço (agora designadas como participações nos lucros dos empregados) têm o tratamento contabilístico previsto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 28 – Benefícios dos empregados.
Em primeiro lugar, é importante definir o âmbito de aplicação, os conceitos e os critérios de reconhecimento e mensuração contabilística de todos os benefícios de empregados atribuídos pela empresa aos seus colaboradores.
De acordo com o parágrafo 5 da NCRF 28, os benefícios de empregados podem ser divididos em cinco tipos, para efeitos do seu tratamento contabilístico:
- Benefícios de curto prazo, que normalmente serão imediatamente pagos após a realização do serviço pelo empregado, ou serão pagos até ao final de 12 meses após o período em que foi efetuado o serviço;
- Benefícios pós-emprego, relativos a direitos adquiridos pelos empregados (pelos serviços prestados), mas que apenas serão pagos após a reforma do empregado, ou após a saída deste da empresa;
- Outros benefícios de longo prazo, que poderão incluir os benefícios normalmente considerados de curto prazo, mas que se acorde ou se preveja o seu pagamento após 12 meses do final do período em que foi constituído o direito pelo trabalhador;
- Benefícios de cessação de emprego, relativos ao pagamento de indemnizações pela cessação do emprego;
- E, benefícios de remuneração em capital próprio, que serão benefícios que não serão pagos em dinheiro, mas em partes do capital da empresa (por exemplo stock options).
Os benefícios dos empregados são todas as formas de remuneração dadas por uma entidade em troca do serviço prestado pelos empregados (em função do trabalho efetivo, função e antiguidade), todavia, a obrigação da empresa perante estes benefícios pode resultar de diferentes situações, conforme resulta do disposto no parágrafo 4 da NCRF 28.
Esses benefícios podem ser os que resultam dos acordos formais entre a empresa e o trabalhador (por exemplo: contrato individual de trabalho) ou grupos de trabalhadores (por exemplo acordos de empresa ou convenções coletivas de trabalho) ou planos formais (por exemplo: planos de pensões).
Esses benefícios também podem resultar de requisitos ou obrigações legais, como por exemplo as contribuições da empresa para a Segurança Social em benefício do trabalhador, ou os valores de indemnização a pagar obrigatoriamente pela cessação do emprego em função da antiguidade do trabalhador.
Mas para além destas obrigações mais formais e de caráter legal, o benefício do empregado também pode ser originado pelas práticas habituais na empresa, que dão origem a uma obrigação construtiva.
Ou seja, ainda que não esteja previsto em qualquer contrato de trabalho, convenção coletiva ou qualquer outro acordo legal, como a empresa habitualmente efetua esses pagamentos, e existe a expectativa desse recebimento pelos empregados, a empresa não tem alternativa realista de não efetuar esse pagamento, sem que tal cause danos inaceitáveis no relacionamento com os empregados.
Os benefícios de curto prazo incluem vários tipos de benefícios, nomeadamente os relacionados com salários, subsídios, contribuições para a Segurança Social, participação nos lucros e bónus e outros benefícios não monetários previstos no parágrafo 9 da NCRF 28.
Em termos de reconhecimento e mensuração, os benefícios de empregados de curto prazo são sempre contabilizados pelos respetivos valores nominais, pois existe a previsão de que os mesmos serão pagos até ao final de 12 meses do final do período em que foi realizado o serviço pelo empregado, e não existem quaisquer pressupostos atuariais (como por exemplo no caso dos planos de pensões), não se podendo reconhecer qualquer aumento ou diminuição nos benefícios de curto prazo em função dessas atualizações atuariais.
Desta forma, no período contabilístico em que o empregado tiver prestado o serviço que originou os respetivos benefícios de empregado de curto prazo, a empresa deve reconhecer esses benefícios de curto prazo pela respetiva quantia nominal (não descontada) que se espera pagar em função desse serviço, sendo que essa obrigação pode resultar da obrigação legal ou contratual que a empresa tem para com o seu empregado ou pela obrigação construtiva, pois habitualmente paga um determinado benefício em função do cumprimento de determinadas condições.
De acordo com o parágrafo 11 da NCRF 28, os registos contabilísticos dos benefícios de empregados podem ser:
Pelo reconhecimento de benefícios de empregados de curto prazo, relativos a trabalhos prestados no período corrente e pagos imediatamente nesse período:
- Débito da conta 63 – Gastos com o pessoal por contrapartida da conta 23 – Pessoal, pelo valor nominal do benefício;
Os exemplos destes benefícios, em que existe a obrigação imediata (ou quase) de pagamento depois do trabalho prestado pelo empregado, podem ser os salários, os ordenados, os prémios, subsídios de alimentação, as contribuições para a segurança social.
Pelo reconhecimento de benefícios de empregados de curto prazo, relativos a trabalhos prestados no período corrente, mas a serem pagos até ao final do período seguinte:
- Débito da conta 63 – Gastos com o pessoal por contrapartida da conta 2722 – Credores por acréscimos de gastos, pelo valor nominal do benefício;
Os exemplos destes benefícios reconhecidos como gastos do período, mas que irão apenas ser pagos no período seguinte (no prazo de 12 meses), podem ser os encargos com o subsídio de férias, as gratificações de balanço (participações nos lucros) ou outro tipo de gratificações (como bónus ou prémios) cujo direito foi adquirido no período corrente, mas cujo pagamento ocorrerá no período seguinte.
Chamamos a atenção para as disposições do parágrafo 18: «Uma entidade deve reconhecer o custo esperado dos pagamentos de participação nos lucros e bónus segundo o parágrafo 11 quando, e só quando:
a) A entidade tenha uma obrigação presente legal ou construtiva de fazer tais pagamentos em consequência de acontecimentos passados; e
b) possa ser feita uma estimativa fiável da obrigação.»
No caso dos benefícios de empregados relativos às gratificações de balanço (participações nos lucros de empregados), que são atribuídas em função de determinadas condições pelo trabalho prestado num determinado período, mas que podem ser pagas ao empregado até final do período seguinte, a obrigação presente da empresa efetuar esses pagamentos pode decorrer de obrigações contratuais ou construtivas, tal como referido acima.
A atribuição destas gratificações é definida pela gerência da sociedade e pode ser apresentada no relatório de gestão a ser entregue aos sócios na respetiva aprovação do relatório e contas do período N.
Com base nesse documento, constitui-se uma obrigação presente no período (por exemplo de 2019), referente a um pagamento a efetuar em 2020, por essas gratificações, devendo ser contabilizada como gasto nos resultados do período de 2019.
Este desfasamento temporal existente entre o período em que os trabalhadores adquirem o direito a estas remunerações pelo trabalho prestado e o momento em que se vencem tais direitos, coloca algumas dificuldades de natureza contabilística, nomeadamente no que diz respeito ao cumprimento do pressuposto do regime do acréscimo.
Desta forma, há que implementar procedimentos contabilísticos apropriados que garantam o acréscimo ou diferimento dos gastos relativos a este tipo de remunerações, conforme a relação entre o momento em que estas devam ser reconhecidas, devido ao trabalho prestado, e o momento em que as mesmas serão devidas, conforme o previsto no contrato de trabalho ou pela prática da empresa.
Este desfasamento temporal deve, então, ser evidenciado na contabilidade, uma vez que se devem registar os gastos relativos a remunerações no período a que digam respeito, independentemente do seu pagamento, quando é originada a obrigação presente.
Estes gastos com o pessoal devem ser registados por estimativas nas respetivas contas conforme a sua natureza, uma vez que respeitam a obrigações presentes que irão ser pagas no futuro.
A contrapartida deste reconhecimento de custos estimados, em que não existe a obrigação de pagar a um determinado empregado, nem qualquer documento (processamento salarial), pode ser efetuada como um acréscimo de gastos (conta 2722 – Credores por acréscimos de gastos), podendo ser criadas as subcontas necessárias, conforme os vários tipos de gratificações e bónus.
Relativamente aos registos contabilísticos, o tratamento pode ser o seguinte:
Em 31/12/2019 pela obrigação presente (legal ou construtiva) de pagar as referidas gratificações de balanço e prémios de produtividade, decorrente do trabalho prestado neste período corrente (2019):
- Débito da conta 63 – Gastos com o pessoal por contrapartida da conta 2722 – Credores por acréscimos de gastos, pelo valor nominal do benefício (no caso em análise, de acordo com a informação disponibilizada, foi este o registo contabilístico efetuado pela entidade);
No período seguinte (2020) em que for deliberado pelos sócios o pagamento desses benefícios dos empregados:
Pelo processamento das gratificações de balanço aos empregados:
- Débito da conta 2722 – Credores por acréscimos de gastos, pelo valor nominal do benefício;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 242 – Retenção de impostos sobre rendimentos, pelo imposto retido na fonte (nos termos do CIRS, se aplicável);
- Crédito da conta 231 – Remunerações a pagar, pelo montante líquido a pagar.
No momento do pagamento:
- Débito da conta 231 – Remunerações a pagar por contrapartida a crédito da conta 12 – Depósitos à ordem, pelo montante pago.
No caso de não ser pago parte do montante de gratificações de balanço reconhecidas como gasto no período anterior, nomeadamente por deliberação dos sócios na assembleia geral de aprovação e aplicação dos resultados, esse montante é considerado como alteração de estimativa contabilística nos termos da NCRF 4, sendo reconhecida como uma redução dos gastos com o pessoal.
O registo contabilístico pode ser:
Pela alteração de estimativa contabilística das gratificações de balanço reconhecidas como gasto no período anterior, face à deliberação dos sócios na assembleia geral:
- Débito da conta 2722 – Credores por acréscimos de gastos por contrapartida da conta 63 – Gastos com o pessoal, pelo montante da parte que não irá ser paga.
O gasto de pessoal, relativo às gratificações de balanço, reconhecido nos resultados do período de 2019 são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC de 2019, atendendo apenas às limitações previstas nas alíneas n) e o) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.
No caso em concreto, pressupondo que as gratificações de balanço foram pagas apenas a empregados da empresa, que não detenham qualquer participação no capital da mesma, esse gasto foi considerado como dedutível integralmente na determinação do lucro tributável de 2019.
Todavia, para que esse gasto reconhecido nos resultados de 2019 se mantenha dedutível para efeitos de IRC, o montante desse gasto terá que ser integralmente pago aos empregados até ao final do período de tributação seguinte, ou seja, até ao final de 2020, conforme previsto na alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.
Nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea n), os gastos relativos à participação nos lucros têm que ser pagos ou colocados à disposição dos seus beneficiários até ao final do período de tributação seguinte.
Caso não se verifique esta condição, ou seja, caso não seja pago o valor integral das gratificações de balanço deduzidas no lucro tributável de 2019, até ao final de 2020 (tenha sido apenas parte do valor estimado ou não tenha sido pago nenhum montante), ao valor do IRC liquidado relativamente ao período de tributação de 2020 adiciona-se o IRC que deixou de ser liquidado no período de tributação de 2019, acrescido dos juros compensatórios correspondentes (cf. artigo 23.º-A, n.º 5).
Esta correção é efetuada no campo 363 do quadro 10 e os respetivos juros compensatórios são indicados no campo 366 do mesmo quadro.
Como se constata, esta correção ao IRC liquidado é efetuada em 2020, quando as gratificações de balanço, contabilizadas e deduzidas em IRC em 2019, não sejam integralmente pagas em 2020, independentemente de se tratar duma alteração de estimativa contabilística ou qualquer outra situação.
A lógica será tributar em 2020 o montante de gratificações de balanço que foram deduzidas em 2019, e em que não foram objeto de pagamento, independentemente de se tratar duma alteração de estimativa contabilística.
É de referir ainda que a verificação da fiabilidade das estimativas contabilísticas cabe ao órgão de gestão da empresa, em conjunto com o contabilista certificado, atendendo aos juízos de valor e julgamentos que façam de cada operação em concreto, conforme decorre das disposições do SNC.
Concretamente, no caso apresentado, esclarecemos que os rendimentos recebidos a título de participação nos lucros (gratificações de balanço) quer sejam atribuídos a trabalhadores ou gerentes são sempre rendimentos de categoria A - trabalho dependente.
Não existem limitações, na aceitação fiscal, quando as gratificações são atribuídas aos trabalhadores (que não sejam membros dos órgãos sociais), alertando novamente para o disposto na alínea n) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.
Em termos de Segurança Social, tratando-se de gratificações por participação nos lucros, refere o n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, que o disposto na alínea r) do artigo 46.º do Código Contributivo só entrará em vigor depois de regulamentado, desta forma as participações nos lucros (gratificações de balanço) não estão ainda sujeitas a Segurança Social, e como tal não devem ser incluídos na declaração de remunerações por internet (DRI).