Novidades
Pareceres
Habitação permanente
22 Junho 2021
Habitação permanente
08-06-2021

Determinado sujeito passivo pode ter uma habitação própria e permanente, por exemplo no Porto e outra em Faro? Partindo do princípio que passa no total seis meses em cada uma das cidades, como provar que permanece os seis meses seguidos ou interpolados? O mesmo exemplo se coloca no caso de habitar em Portugal seis meses e em Espanha outros seis meses. É possível considerar habitação própria e permanente as duas? E na possibilidade do reinvestimento também é possível levar isso em conta?

Parecer técnico

Na situação exposta as questões colocadas referem-se ao conceito de habitação própria e permanente em IRS.
No caso em concreto é questionado se um sujeito passivo poderá ter dois imóveis considerados como habitação própria e permanente.
Relativamente à comprovação de que o imóvel corresponde à habitação própria e permanente, damos nota que esta questão tem suscitado litígios entre os contribuintes e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
A este respeito, transcrevemos os números 12 a 15 do artigo 13.º do CIRS:
«12 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.
13 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo
            a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou
            b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
14 - A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.
15 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.»
A Autoridade Tributária tem vindo a considerar (mesmo antes da alteração introduzida pela Reforma do IRS em 2015 ao artigo 13.º do Código do IRS), que os sujeitos passivos não podem beneficiar da exclusão pelo reinvestimento caso a habitação própria e permanente não coincida com o domicílio fiscal dos sujeitos passivos ou do seu agregado familiar.
No entanto, como se pode aferir pela leitura do artigo 13.º do CIRS, a interpretação não pode ser tão "fechada”.
Os tribunais têm vindo a assumir uma posição diferente da AT, veja-se, por exemplo, o disposto no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo n.º 0590/11.
Com efeito, a jurisprudência considera que a morada em certo lugar pode demonstrar-se através de factos justificativos de que o sujeito passivo ou agregado familiar fixou nesse imóvel o centro da sua vida pessoal, o que pode provar-se através de certas condições:
Físicas – casa, mobília, etc;
Jurídicas – contratos, declarações, inscrições em registos; e
Sociais - integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, locais de reunião e confraternização, entre outros.
No que se refere à necessidade de a morada da habitação própria e permanente coincidir com o domicílio fiscal é referido em diversos acórdãos do CAAD (Processo n.º 103/2013-T, do Processo n.º 37/2013-T, do Processo n.º 47/2014-T, do Processo n.º 721/2015-T e do Processo n.º 92/2016-T, entre outros) que, se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez no Estatuto dos Benefícios Fiscais, para além de que o número 5 do artigo 10.º referir-se a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, sendo que esta alternatividade apenas poderá ser compreendida como tendo o sentido de a habitação própria permanente poder divergir do domicílio fiscal.
Atualmente, esta questão encontra-se já, de certa forma, salvaguardada, na medida em que, segundo o disposto no n.º 12 e seguintes do artigo 13.º do Código do IRS, não obstante o domicílio fiscal fazer presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, este pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário, considerando-se preenchido este requisito de prova, designadamente quando o sujeito passivo faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel, ou faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
Face ao exposto, recomendamos que estas questões sejam devidamente acauteladas, por forma a não colocarem em causa a aplicação da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
No caso, somos do entendimento de que o sujeito passivo poderá considerar durante seis meses um imóvel como sendo a sua habitação própria e permanente e durante os outros seis meses poderá considerar outro imóvel, desde que sejam apresentados factos justificativos para esta situação. No entanto, consideramos que não é possível o sujeito passivo deter dois imóveis considerados como habitação própria e permanente em simultâneo.
O mesmo raciocínio poderá ser feito quando se trata da residência noutro país (neste caso Espanha). No entanto, a este respeito, importa dar nota que esta situação poderá colocar em causa o estatuto de residente fiscal em Portugal.
Para tal, é necessário ter em conta o enquadramento da norma de residência prevista no artigo 16.º do Código do IRS (CIRS). Esta norma estabelece, no n.º 1, que são residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
- Haja nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
- Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
- Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
- Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado português.
Para este efeito, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
Refere o n.º 4 da norma que a perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos números 14 e 16. E quanto a estes números, os mesmos dão nota que um sujeito passivo considera-se residente em território português durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as condições de permanência em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano e obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português.
Esta disposição apenas não será aplicável caso o sujeito passivo demonstre que os rendimentos em referência sejam tributados por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS aplicado devido ao domicílio ou residência noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, ou noutro Estado em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60 % daquela que lhes seria aplicável caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português.
Por fim, invocar ainda o n.º 16 do artigo 16.º do CIRS, que refere que um sujeito passivo se considera, ainda, residente em território português durante a totalidade do ano sempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que, nos termos do n.º 4, a que atrás aludimos, perdeu aquela mesma qualidade.
Quanto à possibilidade de reinvestimento, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se forem cumpridos os seguintes pressupostos, prazo e procedimentos:
-  O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino (habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar) situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Economico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
- O reinvestimento seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
- O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.
O pressuposto em que assenta a exclusão tributária contida neste artigo é que no âmbito do património do contribuinte ou respetivo agregado familiar, haja uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido com o valor da realização.
Um imóvel (vendido) e o outro imóvel (adquirido) têm de desempenhar função idêntica: habitação própria e permanente do contribuinte e respetivo agregado familiar.
Face ao exposto, para se poder utilizar o reinvestimento é necessário que no momento da venda do imóvel antigo seja demonstrado que esta é de facto a habitação própria e permanente e que o novo imóvel adquirido seja afeto à sua habitação própria e permanente no prazo de 12 meses a contar da data de reinvestimento.