PT18405 - Imparidades
01-01-2017
Uma empresa tem escriturado na conta 14 a quantia de 260.000,00 euros referentes a aplicações no BANIF. No entanto, e como de conhecimento público, tal montante poderá, ou não, ser ressarcido (colocado à disposição). Devo, no entanto, gerar imparidades pois a certeza imediata de disponibilidade é inexistente? Assim, e para o efeito, qual o melhor procedimento e que contas e movimentos devo usar? Devo esclarecer que os capitais próprios suportam esses valores?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico e fiscal de uma perda de imparidade de um investimento financeiro em ações do BANIF, que foi sujeito a uma medida de resolução do Banco de Portugal.
Antes de responder à questão colocada é necessário efetuar o devido enquadramento específico e contabilístico das referidas ações.
O Banco de Portugal, enquanto Autoridade de Resolução, deliberou no dia 19 de dezembro de 2015, promover a alienação de ativos e passivos, no contexto da aplicação de uma medida de resolução ao Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. (Banif, Banco ou Emitente).
De acordo com os comunicados públicos emitidos pelo Banco de Portugal e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (ver respetivos sites), apesar da medida de resolução, no Banif permanece um conjunto limitado de ativos, que será alvo de futura liquidação, bem como os passivos correspondentes a obrigações subordinadas e depósitos e outros fundos detidos por partes relacionadas.
As ações do Banif mantêm-se na titularidade dos respetivos detentores, não obstante as alterações introduzidas no Emitente por via da aplicação da referida medida de resolução.
Nos processos de resolução de instituições de crédito, a lei prevê que os credores do Banif (neles se incluindo aos acionistas) não podem suportar, por causa da medida de resolução, um prejuízo superior ao que teriam suportado caso o Banco tivesse entrado em liquidação no momento em que foi aplicada a medida de resolução pelo Banco de Portugal.
Assim, o impacto da medida de resolução sobre os acionistas do Banif apenas poderá ser quantificado depois de uma avaliação do Banco numa ótica de liquidação do mesmo, avaliação essa que será realizada por uma entidade independente a pedido da Autoridade de Resolução (Banco de Portugal).
Da aplicação deste quadro normativo resultará o eventual apuramento de um valor devido aos acionistas e credores do Banif, de acordo com as regras de liquidação. Assim, em função da graduação dos acionistas - em último lugar, depois dos credores comuns e dos credores subordinados - caber-lhes-á, à semelhança do que sucede num processo de liquidação comum, assumir prioritariamente as eventuais perdas.
A negociação na Euronext Lisbon das ações do Banif foi inicialmente suspensa no passado dia 17 de dezembro de 2015, na sequência de deliberação da CMVM comunicada ao mercado nessa mesma data.
No dia 4 de janeiro de 2016, a CMVM deliberou a exclusão da negociação das referidas ações, sem que tal tenha qualquer implicação no valor das ações ou em eventuais pretensões indemnizatórias ou de outra natureza que possam ter os seus titulares. Mantém-se a possibilidade de negociação das referidas ações do BANIF em mercado não regulamentado (em negociação particular).
Em função deste enquadramento, o tratamento contabilístico a efetuar ao investimento financeiro nas referidas ações irá depender do objetivo da sua detenção e destino a dar ao mesmo.
Desde logo, a contabilização, nomeadamente a mensuração subsequente, dos instrumentos financeiros adquiridos pela empresa está dependente da respetiva classificação efetuada no momento do reconhecimento inicial, nomeadamente se estes foram classificados como Instrumentos detidos para negociação, instrumentos detidos até à maturidade ou ativos financeiros disponíveis para venda.
Se a entidade detiver os instrumentos financeiros, em que o justo valor é determinado fiavelmente, e que sejam uma carteira de investimentos (ativos e passivos financeiros) para negociação ou cujo objetivo é a sua detenção para negociação num muito curto prazo de tempo, estes instrumentos são classificados como detidos para negociação, devendo ser mensurados ao justo valor através de resultados, conforme previsto no parágrafo 15c) da NCRF 27.
Se a entidade detiver instrumentos de capital próprio de outra entidade (p.e. investimento em ações), com cotação publicada em mercado regulamentado, ou se detiver instrumentos financeiros que sejam derivados (que não cubram instrumentos de capital próprio sem cotação numa bolsa de valores), ou se detiver instrumentos que sejam instrumentos de dívida perpétua, cujo justo valor também possa ser determinado com fiabilidade, estes instrumentos devem ser classificados como disponíveis para venda, sendo mensurados também ao justo valor através de resultados, conforme previsto no parágrafo 15 da NCRF 27.
De referir, que se a entidade estiver a aplicar diretamente a IAS 39 (conforme parágrafo 2 da NCRF 27), as ações de outra entidade adquiridas, cuja classificação seja instrumentos disponíveis para venda, podem ser mensuradas ao justo valor com variações através de capital próprio (outro rendimento integral).
Se entidade detiver instrumentos financeiros que sejam instrumentos de capital próprio cujo justo valor não possa ser determinado fiavelmente, ou instrumentos que não satisfaçam as condições do parágrafo 11a) da NCRF 27, a entidade deve classificar esses instrumentos financeiros ao custo menos perdas de imparidade.
Se entidade detiver instrumentos financeiros que sejam contas comerciais a receber ou pagar (clientes e fornecedores) ou financiamentos obtidos ou concedidos, sendo instrumentos que satisfaçam as condições do parágrafo 12 da NCRF 27, a entidade deve classificar esses instrumentos ao custo amortizado.
Se entidade detiver instrumentos financeiros que, ainda que tenham justo valor determinado fiavelmente, a entidade tenha como objetivo a sua detenção até à maturidade, ou seja, a sua detenção até ao prazo de vencimento, esta deve classificar esses instrumentos como detidos até à maturidade, sendo mensurados pelo custo amortizado.
No caso em concreto, a entidade detém ações do BANIF, pressupondo que não representam a obtenção de controlo ou influência significativa nas políticas de gestão do Banco.
Até final do período de 2015, como existia um mercado ativo e regulamentado para essas ações, as mesmas deveriam estar mensuradas ao justo valor com as alterações de justo valor reconhecidas na demonstração de resultados, conforme o parágrafo 11 da NCRF 27, independentemente de serem detidas para negociação a curto prazo ou disponíveis para venda.
Com a exclusão de negociação das ações do BANIF da bolsa de valores no início de janeiro de 2016, essas ações deixaram de ter um mercado ativo e regulamentado, pelo que devem passar a ser mensuradas pelo custo menos perdas por imparidade, conforme a alínea a) do parágrafo 11 da NCRF 27.
A cotação das ações informada pelo Banco em junho de 2016 não tem qualquer relevância para efeitos contabilísticos, sendo um mero indicador informal de um valor teórico das ações.
A conta 14 - "Outros instrumentos financeiros" apenas deve ser movimentada quando esteja relacionada com instrumentos financeiros mensurados ao justo valor, conforme as Notas de enquadramento do Código de Contas do SNC.
Como as ações passam a estar mensurados pelo custo menos perdas por imparidade, deve proceder-se à transferência da quantia escriturada dessa conta para a conta 415 - "Outros investimentos financeiros", que inclui os instrumentos financeiros mensurados ao custo, conforme as referidas notas de enquadramento do Código de Contas.
De seguida, estando o investimento financeiro nas ações mensurado ao custo, pode ser reconhecida a respetiva perda por imparidade referente ao evento de perda resultante da medida de resolução da referida entidade financeira.
A perda por imparidade a ser reconhecida deve ser efetuada pelo montante total da quantia escriturada do ativo financeiro à data de 04/01/2016, data da exclusão das ações da negociação em Bolsa, conforme se explica de seguida.
Face à resolução do Banco de Portugal, parece existir um evento de perda que pode determinar a existência de imparidade, conforme previsto nos parágrafos 24 e 25 da NCRF 27.
Para ativos financeiros mensurados ao custo, a perda por imparidade é a diferença entre a quantia escriturada e o valor presente dos fluxos de caixa futuros estimados descontados à taxa de retorno de mercado corrente para um ativo financeiro semelhante.
Com a resolução do Banco de Portugal, os principais ativos e passivos do BANIF foram vendidos ao Banco Santander e transferidos para o veículo de gestão de ativos criado para o efeitos (sociedade Oitante, S.A.).
Em consequência, o restante património do BANIF que não foi transferido ou vendido irá passar a constituir a massa insolvente a ser liquidada no âmbito do procedimento de insolvência (liquidação judicial) do Banco.
Como consequência, os acionistas do Banco passam a suportar um prejuízo que não pode ser superior àquele que teria sido suportado caso o banco tivesse entrado em liquidação no momento em que foi aplicada a medida de resolução ("princípio do no creditor worse off").
No decorrer do processo de insolvência do banco, até que o mesmo esteja encerrado, determina que as ações detidas pela empresa estão numa situação de imparidade, em que não se espera a obtenção de quaisquer fluxos de caixa para empresa investidora.
Assim, se o processo de insolvência não estiver encerrado até final do período de 2016, a entidade investidora deve proceder ao reconhecimento de uma perda por imparidade em relação ao ativo financeiro das ações do BANIF.
O desreconhecimento definitivo desse ativo financeiro apenas pode ser efetuado no período em que o processo de insolvência do Banco seja encerrado. Esse desreconhecimento pode ser efetuado no período de 2016, no caso do processo de insolvência ser encerrado até final deste período, não havendo necessidade de contabilizar qualquer perda por imparidade.
Em termos fiscais, no caso do processo de insolvência não ser encerrado até final do período de 2016, sendo contabilizada a perda por imparidade nos termos descritos em cima, essa perda por imparidade não é dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável de IRC, por não estar prevista no artigo 28.º-A do Código desse imposto.
Se for o caso, essa perda por imparidade deve ser acrescida no campo 718 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do período de 2016.
Por outro lado, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, no período de tributação em que o processo de insolvência do Banco for finalizado, há que proceder à determinação de uma mais ou menos valia fiscal referente ao ativo financeiro, agora mensurado ao custo menos perdas por imparidade, por ter deixado de existir cotações em mercado regulamentado, conforme explicado para efeitos contabilísticos.
A mais ou menos valia fiscal é determinada pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A, conforme previsto no n.º 2 do artigo 46.º do CIRC.
Adicionalmente, pressupondo que as ações adquiridas em 2015 representavam uma participação no capital inferior a 5% do capital social do Banco, sendo estas cotadas em mercado regulamentado, os ajustamentos decorrentes das alterações de justo valor foram relevantes fiscalmente no período de 2015, nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.
A partir do período de 2016, deixando de existir cotações na Bolsa de Valores das ações do Banco, há uma alteração dos pressupostos previstos nessa alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, o que implica a determinação de uma mais ou menos valia fiscal nesse período de 2016, conforme previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 46.º do CIRC.
Essa mais ou menos valia fiscal deve ser determinada por diferença entre o justo valor das ações do início do período em que se verifica a alteração dos pressupostos (à data de 01/01/2016, ou seja, cotação a 31/12/2015) e o valor de aquisição das mesmas ações, conforme o n.º 2 do artigo 46.º do CIRC.
Se for determinada mais-valia fiscal deve ser acrescida no campo 738 do quadro 07 da Modelo 22 do período de 2016, se for determinada menos-valia fiscal deve ser deduzida no campo 769 do quadro 07 da Modelo 22 do período de 2016.
Caso o processo de insolvência apenas for terminado no período de 2017 ou seguinte, tendo já sido contabilizada a perda por imparidade no período de 2016, a empresa apenas efetua o desreconhecimento do ativo financeiro e das perdas por imparidade acumuladas, não contabilizando qualquer valor numa conta de perdas ou ganhos.
Em termos fiscais, pode efetuar a dedução da menos-valia fiscal em resultado do encerramento do processo de insolvência na determinação do lucro tributável desse período (2017 ou seguinte) no campo 769 do quadro 07 da Modelo 22.
Caso o processo de insolvência seja terminado no período de 2016, há que contabilizar o desreconhecimento do ativo financeiro por contrapartida da respetiva perda (menos-valia).
Em termos fiscais, no período de 2016, há que determinar a menos-valia fiscal nos termos do n.º 2 do artigo 46.º do CIRC em resultado da finalização do processo de insolvência e adicionalmente há que determinar a mais ou menos valia prevista na alínea b) do n.º 5 do artigo 46.º do CIRC.
A menos-valia contabilística deve ser acrescida no campo 736 do quadro 07 da Modelo 22 do período de 2016. A menos-valia fiscal pela finalização do processo de insolvência deve ser deduzida no campo 769 do quadro 07 da Modelo 22 do período de 2016.
A mais-valia fiscal prevista na alínea b) do n.º 5 do artigo 46.º do CIRC deve ser acrescida no campo 738 do quadro 07 da Modelo 22 do período de 2016. Se for determinada menos-valia fiscal deve ser deduzida no campo 769 do quadro 07 da Modelo 22 do período de 2016.