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14 Dezembro 2022
Imparidades
PT27250 - novembro de 2022

Determinada empresa emitiu em abril de 2022 uma fatura de uma prestação de serviços com vencimento imediato e efetuou várias diligências para o seu recebimento (e-mails), nunca tendo recebido resposta, até que é informada de que o cliente foi declarado insolvente por sentença judicial proferida.
Ainda que esteja ultrapassado o prazo legal de reclamação de créditos, a empresa, contabilisticamente, pode reconhecer a 100 por cento a perda por imparidade registando:
- Débito da conta 217 - Clientes - cobrança duvidosa, por contrapartida a crédito da conta 211 - Clientes c/c, pelo valor total da dívida; e
- Débito da conta 65 - Perdas por imparidade, por contrapartida a crédito da conta 219 - Clientes - Perdas por imparidade acumuladas.
Em termos fiscais, esta imparidade pode ser deduzida ao lucro tributável?

Parecer técnico

O pedido de parecer está relacionado com o tratamento contabilístico e fiscal das perdas por imparidade em clientes.
No caso em apreço a entidade recebeu uma notificação de que um cliente foi declarado insolvente por sentença judicial.

Procedimento contabilístico

Em termos contabilísticos, as dívidas a receber, nomeadamente dívidas de clientes ou outros devedores, têm o seu tratamento contabilístico previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NRF) n.º 27 - Instrumentos financeiros, estando definidas como ativos financeiros (parágrafo 5).
Em termos de mensuração, os ativos financeiros com maturidade definida, ou seja, com um prazo de vencimento definido à partida, devem ser registados ao custo (ou ao custo amortizado) menos perdas por imparidade, conforme previsto no parágrafo 12 e 16a) da NCRF 27.
Como exemplo de ativos financeiros com maturidade definida, a NCRF 27 refere as dívidas a receber de clientes, que deverão ser mensuradas ao custo (ou custo amortizado) menos perdas por imparidade.
O reconhecimento das perdas por imparidade destas dívidas a receber de clientes deve ser avaliada em cada data de relato, ou seja, no final do período contabilístico. No entanto, este reconhecimento de perdas por imparidade apenas deve ser efetuado se existir uma evidência objetiva de um evento de perda, conforme referido no parágrafo 24 da NCRF 27.
Quando existam dúvidas na cobrabilidade de uma dívida a receber de clientes deve ser reconhecida uma perda por imparidade, nos termos referidos de seguida.
No parágrafo 25, a NCRF 27 estabelece alguns tipos de evidências objetivas de eventos de perda para se verificar se existe a necessidade, ou não, do reconhecimento da perda de imparidade, como por exemplo: significativa dificuldade financeira do devedor; não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida no prazo estabelecido contratualmente; probabilidade de o devedor entrar em falência (Insolvência); e outras.
Com a verificação de evidências objetivas da existência destes eventos de perda, a entidade passa a reconhecer a perda por imparidade, reduzindo, ou anulando na totalidade, o valor do ativo.
No SNC, estes ajustamentos, relativos a perdas por imparidade, passam a ser efetuados diretamente por crédito na conta de ativo (na conta 219 - Clientes - Perdas por imparidade acumuladas ou 279 - Outras contas a receber ou a pagar - Perdas por imparidade acumuladas) por contrapartida do débito na conta de gastos (conta 65 - Perdas por imparidade), passando esta conta de ativo a estar valorizada pela respetiva quantia escriturada (custo menos qualquer perda por imparidade acumulada).
Há a referir que, se à data do balanço de períodos anteriores já existiam evidências de que o cliente ou outro devedor em causa estaria em situação de risco de cobrança, as dívidas a receber existentes nesses períodos anteriores, nomeadamente aquelas já vencidas, deveria ter originado o reconhecimento de uma perda por imparidade sobre esses montantes em dívida e já vencidos.
Por exemplo, a existência da declaração de insolvência do devedor, parece ser claramente um evento de perda para o cliente, sendo o procedimento apropriado o reconhecimento da respetiva perda por imparidade.
Quando, e se, deixarem de existir esses eventos de perda, deve ser desreconhecida a referida imparidade, procedendo-se à reversão da perda por imparidade, conforme previsto no parágrafo 29 da NCRF 27 (por exemplo, quando o cliente começar a pagar ou exista um perdão das dívidas).
Os montantes de dívidas de clientes (ativo financeiro) apenas devem ser desreconhecidos, quando se receberem os referidos montantes ou se de alguma forma se extinguir o direito a receber os valores, por exemplo, por declaração de créditos incobráveis por extinção do processo de execução, devido a não existirem bens penhoráveis do devedor, ou por outro ato administrativo, legal ou judicial, conforme disposto no parágrafo 31 da NCRF 27.
Face ao exposto, o reconhecimento de perdas por imparidade dessas dívidas a receber deverá acontecer após um julgamento das evidências objetivas (exemplificadas no parágrafo 24 da NCRF 27) efetuado pelo órgão de gestão, que determinem uma probabilidade de incobrabilidade desses montantes. Este reconhecimento é na realidade um ato de gestão, que não está dependente de qualquer procedimento administrativo, legal ou contratual.
No caso em concreto, em termos contabilísticos, verificando-se que existe risco de cobrabilidade, verificando-se as evidências objetivas de eventos de perda, deve ser reconhecida a respetiva perda por imparidade pelo valor em risco de cobrabilidade.
Ora, em termos contabilísticos, na data em que se verificaram estes acontecimentos, a entidade deve reconhecer a respetiva imparidade por divida de cobrança duvidosa.
De notar que o valor da imparidade a reconhecer deve corresponder ao valor total em divida do cliente.
Assim, no caso em concreto, no ano de 2017, havendo indícios para considerar a dívida de cobrança duvidosa, o registo contabilístico deveria ter sido:
Divida de cobrança duvidosa:
- Débito da conta 217 - Clientes de cobrança duvidosa, por contrapartida a crédito da conta 211 - Clientes c/c, pelo valor total em dívida.
Reconhecimento da perda por imparidade
- Débito da conta 651 - Perdas por imparidade - Em dívidas a receber, por contrapartida a crédito da conta 219 - Perdas por imparidades acumuladas, pelo valor total em dívidas (100%).

Procedimento fiscal - IRC

Em termos fiscais, o CIRC estabelece que as perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes apenas podem ser deduzidas ao lucro tributável nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º e no artigo 36.º ambos do CIRC (para o período de 2013 e anteriores) ou alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-A e no artigo 28.º-B ambos do IRC, para o período de 2014 e seguintes.
Em primeiro lugar, o CIRC estabelece que as perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes apenas podem ser aceites fiscalmente, quando se referirem a créditos resultantes da atividade normal da empresa (por exemplo de créditos de clientes), e que estejam evidenciados na contabilidade como sendo considerados de cobrança duvidosa, nomeadamente, pela transferência das contas correntes (subcontas 211) para a conta 217 - Clientes de cobrança duvidosa.
A seguir, o CIRC estabelece que essas perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes apenas podem ser aceites fiscalmente quando o risco de incobrabilidade seja devidamente comprovado, o que acontece nas seguintes condições:
- O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
- Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
- Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
No último caso, em que os créditos estejam em mora, apenas são aceites como perdas para efeitos fiscais as percentagens previstas no n.º 2 do artigo 36.º do CIRC (ou n.º 2 do artigo 28.º-B para o período de 2014 e seguintes), que são estabelecidas em função do tempo da mora do crédito.
A perda por incobrabilidade deve atender às condições estabelecidas no artigo 41.º do Código do IRC, caso em períodos anteriores não tenha sido admitida a aceitação fiscal das perdas por imparidade ou esta tenha sido insuficiente. Este preceito refere o momento em que tal perda por incobrabilidade é fiscalmente aceite. Sugerimos leitura da informação vinculativa com despacho de 2016-05-12 ao Processo n.º 2014002462.
Importa deixar aqui uma nota relativamente ao acima exposto: os procedimentos elencados e as normas referidas respeitam à constituição das imparidades/incobrabilidade verificadas no período de tributação corrente, sendo de ter em consideração que as demonstrações financeiras são elaboradas com base no regime do acréscimo, ou periodização económica (acolhido também em sede de IRC, no artigo 18.º do Código do IRC), que determina que os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos no momento em que ocorrem e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos.
Na prática, a empresa pode considerar essas perdas por imparidade para efeitos fiscais no período em que em termos contabilísticos considerou existirem as respetivas evidências objetivas relacionadas com o risco de incobrabilidade, tendo por isso reconhecido a perda por imparidade.
No caso exposto, a perda por imparidade poderá ser aceite fiscalmente a 100 por cento se cumprir com as disposições da alínea a) ou b) do número 1 do artigo 28.º B do Código de IRC:
«1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral.»
No caso de não cumprir com nenhuma das alíneas anteriores, o gasto poderá ser aceite nos termos da alínea c) do mesmo número:
«c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.»
Neste caso, devemos atender aos limites impostos no número 2 do artigo 28.º-B do Código de IRC:
«2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses.»
Em termos fiscais, caso a operação se enquadre na alínea a) ou b) do número do artigo 28.º-B do Código de IRC (como parece ser o caso apresentado), o gasto é aceite na totalidade.