Os apoios fiscais às empresas, que têm a sua actividade situada no interior do país, beneficiaram cerca de 36 mil contribuintes em sede de IRC, cerca de 14,5% do total. Este era a estimativa do Ministério das Finanças em 2001, quando aquele regime foi lançado, que foi enviada para Bruxelas como uma justificação para o então programa de «combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior do país». Assim, este poderá ser o universo de beneficiários, caso o actual Executivo avance com a prorrogação dos apoios, tal como o primeiro-ministro, Durão Barroso, afirmou durante o debate na generalidade do Orçamento do Estado (OE) para 2004.
Em Março de 2001, o Governo PS anunciou os incentivos fiscais para as empresas que localizassem a sua actividade no interior do país. A Comissão Europeia (CE) teve dúvidas sobre o regime em que se enquadravam as medidas e pediu esclarecimentos às autoridades portuguesas em Abril do mesmo ano. Na resposta, a que o DE teve acesso, o Governo português apresentava uma justificação macro-económica para os apoios: «as áreas territoriais beneficiadas, apesar de apresentarem 75% do território, representam apenas 25% da população (¿) Por outro lado, resulta bem evidente a falta de dinamismo económico das áreas beneficiadas se tomarmos em consideração que o IRC liquidado pelas empresas que aí estão instaladas não chega a representar 10% do volume de IRC liquidado no país».
Na mesma carta, é dito mais à frente que «o âmbito de aplicação destas medidas circunscrever-se-á a um universo de cerca de 36 mil contribuintes (cerca de 14,5% do total) abrangendo fundamentalmente micro e pequenas empresas». «O impacto na despesa fiscal será reduzido (¿) prevendo-se que a despesa fiscal não atingirá 1% da receita global de IRC», lê-se ainda.
Depois de outros pedidos de esclarecimentos, a CE anunciou em Setembro de 2001 que não iria levantar objecções ao regime de incentivos fiscais. O regime consistia numa taxa de IRC de 25% para as empresas que tivessem a sua actividade no interior, quando a taxa normal era em 2001 de 32%, e as micro-empresas beneficiariam de uma taxa de IRC de 15%, se adoptassem o regime simplificado de tributação.
No entanto, o regime de incentivos, acordado com Bruxelas, é temporário, terminando no final deste ano. Na proposta do OE para 2004, o Governo não previu a renovação dos apoios. Perante as criticas da oposição, Durão Barroso recuou no plenário, admitindo prorrogar o actual sistema.
Apesar de ter deixado a intenção política de manter o regime de incentivos fiscais, a frase do Durão Barroso foi pouco esclarecedora. «Durante o debate parlamentar, tanto o primeiro-ministro como a ministra das Finanças não esclareceram concretamente se vão ou não tomar junto da CE a iniciativa de propor um regime fiscal de IRC para todas as empresas situadas nas regiões do interior que baixe a taxa para 20%, antecipando o compromisso que têm para 2006 em relação a todo o país», questionou Joaquim Pina Moura, o ex-ministro das Finanças socialista que negociou o regime com Bruxelas em 2001.
Como o DE noticiou ontem, o Ministério das Finanças assume oficialmente que toda a situação está a ser avaliada, antes de haver uma proposta concreta apresentada pela maioria PSD/PP em sede de discussão na especialidade da proposta de lei do OE para 2004.
Outro ponto que parece suscitar dúvidas diz respeito à necessidade de pedir autorização a Bruxelas para que haja uma prorrogação dos incentivos. A CE entende que Portugal tem de notificar Bruxelas. Em 2001, o Governo português teve um entendimento diferente. «É certo que a opção de prorrogar os apoios pode ser notificada a Bruxelas, conforme fizemos nos primeiros meses de 2001. Mas em bom rigor, a despesa fiscal resultante destes benefícios é inferior ao limite máximo que caracteriza, na lógica dos auxílios fiscais, o regime de ¿minimis¿. E este regime, face ao direito comunitário, não requer notificação prévia», explica Pina Moura.
«Isto será no presente como foi no passado um trunfo negocial. O que vai ser decisivo para a renovação completa do sistema não é tanto a boa vontade de Bruxelas, mas a real vontade política do Governo português em concretizá-lo».