Ordem nos media
Inscrição na CTOC - 40% dos cursos de ciências económicas não dão acesso à profissão
8 Junho 2004
Entrevista ao Presidente da Direcção da CTOC, Domingues Azevedo, realizada pelo Diário Económico
Passou um ano sobre a data de entrada em vigor das novas regras de acesso à profissão. No que é que elas se traduziram na prática? Anteriormente o acesso à profissão fazia-se através de três percursos: eram elegíveis os licenciados que tivessem contabilidade financeira, analítica e as contabilidades; os que tivessem o 12º ano e três anos de experiência numa empresa com contabilidade organizada; e quem tivesse o 9º ano e que fosse há mais de três anos responsável pela contabilidade de uma empresa. O leque em termos de exigências académicas criava uma dispersão muito grande não dotando os profissionais de conhecimentos de forma integrada. Para ser Técnico Oficial de Contas (TOC) não basta dominar a fiscalidade e contabilidade. Por isso, havia necessidade de, primeiro, definir quais as áreas de conhecimento para efeitos de acesso à profissão; segundo, o nível académico exigido para efeitos de inscrição; terceiro, obtida essa formação, que passos relevantes a seguir para que os formandos, uma vez terminadas as licenciaturas, dessem garantias do saber fazer. O que fizemos? Primeiro tivemos de conferir legitimidade à Câmara para poder definir quais as áreas relevantes do saber que dão acesso à profissão. E isso só aconteceu a partir de 1999, com os novos estatutos, onde conseguimos introduzir pela primeira vez na regulação profissional um aspecto importante: para além da formação nas áreas da economia, fiscalidade e contabilidade, a Câmara ficou com incumbência de reconhecer os cursos que dão acesso à profissão. Desde 1999 que existia esta possibilidade, mas só em 2002 avançam com as novas regras? Todo o processo foi envolvente, a partir de 1999 passámos a ter o quadro normativo que nos conferia a legitimidade para intervir. Havia que criar condições. Quantos cursos foram entretanto acreditados? Até ao momento, penso que 138, ou seja, cerca de 60% dos alunos das ciências económicas acabam por ter acesso à inscrição na câmara. E antes, quantos eram? Dão acesso à profissão todos os cursos que estavam e mais um, o de Gestão de Informática. Mas praticamente todos tiveram de produzir alterações significativas nas suas estruturas curriculares. O único curso de contabilidade que não teve que proceder a quaisquer alterações foi o do ISCA de Aveiro. O caminho que as escolas encontraram foi o de arranjar uma banda larga dentro do curso, através da oferta das cadeiras que dão acesso à profissão, e dentro dessa banda os alunos optam pelas respectivas áreas. Por exemplo: os cursos de economia oferecem acessoriamente optativas que dão acesso à profissão. Uma outra questão importante pela qual nos batemos tem a ver com o papel da CTOC. Sendo um organismo de regulação profissional, quando aceito uma inscrição, estou a dizer que o profissional é capaz de assumir funções em qualquer empresa, o que resolvemos com a realização de estágios profissionais, que têm dois tipos de dispensa: se as escolas tiverem a disciplina de simulação empresarial, onde o próprio aluno se constitui como uma empresa e tem de a gerir em todas as suas vertentes (planeamento, declaração de início de actividade, apuramento do IVA, admissão de pessoal, declaração de rendimentos, contabilidade, etc.); ou se a própria escola colocar o aluno numa empresa, a estagiar durante seis a oito meses, desde que seja acompanhado por um corpo docente e avalizado por um TOC. No estágio profissional, o aluno arranja um patrono, que tem de ser previamente validado pela Câmara, onde realiza um estágio de seis a oito meses. A CTOC facilita essa inserção, divulgando as entidades que aceitam estagiários? Tem de ser o aluno a procurar o patrono. Actualmente, quantas escolas já dispensam de estágio? Assinámos cerca de 42 protocolos em cerca de 138 cursos, o que é significativo. Só para ter uma pequena ideia do que estamos a falar, o ISCAL, para dispor de um projecto de simulação empresarial, teve de investir cerca de um milhão de contos. O esforço que as escolas tiveram de fazer foram muito significativos. Os protocolos para dispensa de estágio são essencialmente com escolas de contabilidade? Temos protocolo com a Faculdade de Economia de Coimbra, para efeitos de dispensa de estágio. Temos também com politécnicos na área da gestão: Bragança, Idanha-a-Nova, Setúbal, IPCA de Barcelos¿ Existem mais protocolos com politécnicos, que têm uma vertente mais técnica, do que propriamente com as universidades. A partir de quando é que os alunos passaram a estar abrangidos pelas novas regras? Os alunos de 2003 já são escrutinados pelos métodos actuais. Os que terminaram as suas licenciaturas em 2002 e se inscreveram até 31 de Março de 2003 é que foram pelos métodos anteriores. E em 2003 não se notou uma quebra no número de pedidos inscrições? Em 2003 só houve 2300 candidatos, quando normalmente eram 8 mil. Mas esta quebra tem também de ser interpretada à luz dos estágios que agora são obrigatórios. As pessoas que acabaram as licenciaturas em 2003 não tinham estágio e estão agora a frequentá-los e a pedir à CTOC os exames de ética e deontologia. E aqui já se nota um crescimento do número de pedidos. Há ainda outro efeito que explica esta descida: há escolas que só implementaram os projectos de simulação empresarial em 2003 e só agora se notarão os resultados. Depois deste processo estar totalmente implementado, qual será o melhor TOC? O que tem de um curso de gestão/economia ou o que vem de um curso de economia? Ou seja, os níveis de exigência são suficientes para garantir que todos estão igualmente bem preparados? Se um TOC vai para uma empresa tratar exclusivamente de contabilidade - uma empresa com dimensão grande - evidentemente que os cursos de contabilidade preparam melhor os alunos. Mas isto pode ser virtualidade ou não, porque numa PME em que o empresário tem necessidade que o acompanhem na área da gestão, as outras áreas são muito relevantes. Não é por acaso que temos aquela estrutura curricular. Nós procuramos que o TOC seja um profissional universal, tendo depois de orientar o seu estudo para as funções que venha a exercer. No futuro, espera que se continuem a inscrever os oito mil por ano? Não, mas penso que andarão na ordem dos 6 mil. Poderá caminhar-se para a criação de um curso de TOC Vê possibilidade de vir a ser criado um curso para técnicos oficiais de contas? Vejo. Acho que a evolução caminhará para aí. Já há algum projecto, ou alguma escola, que esteja a desenvolver esse projecto? Há muitas escolas. Já existem diversos projectos nesse sentido, estão a chamar-lhe outros nomes, como Contabilidade e Finanças. Em Barcelos abriu um curso neste domínio, e também no Instituto Politécnico de Leria ou Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico de Santarém. Então, no futuro, os TOC serão aqueles profissionais que tiraram especificamente um curso de TOC? Eu não sei se chegaremos assim a esse afunilamento¿ Acho que este conjunto de regras é o princípio e não o fim. É perfeitamente natural que a evolução do sistema de inscrição na Câmara passe daqui a cinco ou dez anos por conferir um maior mérito àqueles cursos que fazem um esforço mais acentuado em determinadas áreas da profissão. Reconheço, e aceito, que as faculdades de economia, no futuro, digam à Câmara: ¿meus amigos nós formamos economistas¿. Está a dizer que a médio prazo os licenciados em economia deixarão de poder concorrer? Não. O que acho é que num futuro próximo deve dar-se uma maior atenção aos cursos com ¿curriculums¿ e cargas horárias mais adequados para o exercício da profissão. Nada me violenta que impeçamos alguns cursos de terem directamente entrada na Câmara. Nunca poderemos é evoluir no sentido de fechar, afunilar o processo que evite licenciados em economia ou em gestão. Mas a tendência será para diminuírem o peso desses licenciados no número de candidaturas? O que digo é que deverá diferenciar-se positivamente as escolas que façam um maior esforço nas áreas inerentes à profissão das que façam um menor esforço. Um curso que tenha uma maior carga horária na Contabilidade, na Fiscalidade, terá de ser diferenciado no que respeita às facilidades de inscrição de um curso que dá os mínimos. A Câmara, como organismo de regulação profissional, deverá assumir cada vez mais essa responsabilidade de regulação. Reconheço as lacunas deste projecto, porque elas existem indiscutivelmente. Este é um processo em constante evolução. A que tipo de lacunas está a referir-se? Por exemplo, a carga horária de Fiscalidade é muito pouca: 60 horas para um profissional que vai lidar todos os dias com a Fiscalidade, é insuficiente. Outro exemplo: o IVA é hoje um aspecto importantíssimo no dia-a-dia de uma empresa, quem não souber o código do IVA muito dificilmente pode assumir responsabilidades. Na Fiscalidade temos lei geral tributária, código do IVA, do IRS, do IRC, do imposto municipal sobre imóveis, sobre transacções, o Regimento Geral de Infracções Tributárias (RGITA), enfim um universo de coisas que não é possível dar em 60 horas. Não é possível construir uma ideia minimamente integrada da Fiscalidade. Isso poderá, então, ser alterado, revisto? Exactamente, a carga horária poderá ser revista. Além da fiscalidade, quais as outras lacunas? Para já são essas as que vejo com maior preocupação e que espero que num futuro próximo evoluam positivamente. Bacharelatos para os TOC com baixo nível de formação Um dos problemas com que se depara a profissão actualmente é a grande disparidade de formação que existe entre TOC. Que tipo de projectos existem para promover a requalificação profissional? Temos um projecto que visa a recuperação dos profissionais numa vertente mais académica. Isto porque há muitas pessoas a trabalhar nesta área que são autodidactas e foram-se adequando, aperfeiçoando ao longo do tempo e hoje são excelentes profissionais. São pessoas que, quando colocadas em confronto com as que frequentaram o ensino superior não mostram quaisquer deficiências profissionais. Por isso, elaborámos um projecto que permita valorizar esse saber já acumulado, e em simultâneo adquirir conhecimentos teóricos, numa vertente mais académica. Com que cadeiras? As cadeiras próximas dos actuais cursos de contabilidade. A ser ministrados por quem, por que universidades? O projecto prevê o desenvolvimento do e-learning, os cursos seriam ministrados pela internet. A nossa proposta prevê que a Universidade de Aveiro coordene todo o projecto, que, por sua vez, poderia depois protocolar com outras entidades, para evitar, por exemplo, que um aluno tivesse de deslocar-se do Algarve a Aveiro para ter assistência no curso. Ao ser ministrado por uma universidade pública, confere grau académico. O que falta para avançarem? O projecto está à consideração do Ministério da Educação, esperamos que venha a ser aprovado. Neste momento, a Lei de Bases da Educação já admite que isso aconteça. Qual o grau académico que conferem esses cursos? Três anos, ao nível do bacharelato.